O sentido do “Non Prævalebunt”: a promessa e o combate da Igreja nos últimos tempos
Introdução
É lugar-comum entre os cristãos repetir a promessa do Senhor
— “as portas do inferno não prevalecerão” (Mt 16,18) — como se fosse um
escudo automático, um talismã de tranquilidade. Mas o texto sagrado não é
consolo de preguiçosos, nem senha para o conformismo. Ele é sentença de
esperança, sim, mas de esperança crucificada. E é exatamente por isso que precisa
ser compreendido à luz da escatologia e da teologia da Cruz.
A geração que assistirá ao auge da apostasia — aquela que
verá o Anticristo — viverá sob uma atmosfera moral e espiritual mais próxima do
inferno do que qualquer outra da história. Não se trata de retórica
apocalíptica, mas de pura coerência bíblica: Cristo e os Apóstolos foram
unânimes em advertir que o fim virá precedido por uma apostasia quase
universal, acompanhada de falsos profetas, sinais enganosos e doutrinas que
corrompem a fé e o amor.
Em meio a essa escuridão, não será a força humana — nem a
erudição teológica, nem a disciplina institucional, nem o prestígio clerical —
que sustentará a Igreja. O triunfo final será exclusivamente obra do próprio
Cristo, que destruirá o Iníquo com o sopro de Sua boca e o fulgor de Sua vinda.
Até lá, a Igreja militante será chamada a participar de Sua Paixão, vivendo, em
escala histórica, o mesmo mistério de humilhação, traição e aparente derrota
que o seu Senhor viveu em Jerusalém.
A promessa de que “as portas do inferno não prevalecerão”
precisa, portanto, ser lida com sobriedade e fé madura. Ela não é garantia de
conforto histórico nem de estabilidade visível; é o selo de uma vitória
sobrenatural que se realiza após o combate. Cristo não assegurou à Sua
Esposa o aplauso do mundo, mas a indestrutibilidade do amor fiel, ainda que
sepultado sob a lama da infidelidade humana.
Neste artigo, buscaremos compreender o verdadeiro sentido do
Non prævalebunt, à luz da Tradição católica, dos Padres da Igreja e dos
grandes mestres tomistas. Examinaremos como essa promessa se articula com a
doutrina sobre o Anticristo, com a crise eclesial contemporânea e com a
pedagogia divina do “não saber o dia nem a hora”. Ao fim, veremos que a palavra
do Senhor é, simultaneamente, uma profecia de tribulação e um convite à
vigilância heroica.
A Promessa e a Provação: “Non prævalebunt” no Mistério da Igreja
Quando Cristo declara que as portas do inferno não
prevalecerão, Ele não fala como quem descreve um estado permanente de
serenidade, mas como quem anuncia um combate que parecerá perdido. Como
observou Caetano: “Non diceret Christus ‘non prævalebunt’, nisi prævalere
videantur” — Cristo não teria dito “não prevalecerão”, se não pudessem parecer
prevalecer.
Esse “parecer” é teologicamente decisivo. A Igreja, enquanto
Corpo Místico, é indefectível; mas enquanto instituição visível, é vulnerável,
exposta à infidelidade dos homens e à infiltração do erro. Os santos e doutores
sempre compreenderam que a promessa divina não elimina o drama, antes o
intensifica. A fé é provada não quando tudo vai bem, mas quando tudo parece
ruir.
Por isso, é ilusão imaginar uma Igreja que triunfa
visivelmente antes da Parusia. O Apocalipse não fala de glória histórica, mas
de tribulação. A vitória é escatológica, não política. O Non prævalebunt
não significa ausência de ruína, mas impossibilidade de aniquilamento. A Igreja
pode parecer destruída — jamais o será.
Essa distinção entre aparência e substância é central na
teologia tomista. O mal pode atingir os acidentes da Igreja — suas formas
disciplinares, sua cultura, sua administração — mas não a sua essência
sobrenatural. Por isso, a promessa não dispensa a vigilância dos fiéis. Ao
contrário, exige dela heroísmo e discernimento. A confiança na promessa não é
inércia; é combustível para a perseverança.
E é justamente quando o inferno parece triunfar que o Non
prævalebunt se cumpre com mais força. A fidelidade silenciosa de um punhado
de fiéis, escondidos e aparentemente impotentes, é o terreno onde Deus prepara
o retorno da luz. O triunfo de Cristo começa, como sempre, na escuridão do
Calvário.
A Apostasia e o Iníquo: A Face Humana da Derrota Aparente
Os Padres da Igreja viram na figura do Anticristo não apenas
um indivíduo, mas um sistema — uma síntese do mal religioso, político e
cultural. Irineu, Hipólito, Jerônimo e Agostinho são unânimes: no fim dos
tempos, o erro assumirá forma sedutora, travestida de espiritualidade,
promovendo uma religião “humanitária”, pacifista e ecumênica, sem Cruz e sem
conversão.
Será uma época em que a caridade esfriará e a verdade será
suprimida sob o pretexto da tolerância. O mundo não rejeitará a fé por ódio
explícito, mas por uma nova forma de “amor” que dispensará Deus. A heresia
final será uma falsa misericórdia. E muitos dentro da própria Igreja,
entenebrecidos por erro teológico ou por covardia moral, colaborarão —
conscientemente ou não — com essa apostasia universal.
A Escritura é clara: antes da vinda de Cristo, virá a
“apostasia” (2Ts 2,3). E o homem da iniquidade, “o filho da perdição”,
enganarará as nações com prodígios e sinais. Isso significa que a Igreja
enfrentará, em sua face humana, uma deformação quase total. Mas o corpo
aparente nunca destruirá o Corpo Místico.
Aqui, o Non prævalebunt mostra sua profundidade. Ele
não é promessa de que a Igreja não será traída, mas de que a traição não
a destruirá. Judas continua a existir em cada geração, e até o fim dos
tempos haverá escândalo entre os pastores. Mas Cristo já venceu — não pela
força dos Seus, mas apesar deles.
A tentação moderna é suavizar essa profecia, reduzindo-a a
um mito literário ou a uma metáfora distante. Mas quem lê os sinais do tempo
com olhos de fé vê que os mecanismos da apostasia já estão em marcha: a
confusão doutrinal, o relativismo moral, a perda do senso do sagrado e o
mundanismo espiritual são sintomas da proximidade dessa “noite escatológica”. A
vitória final pertence a Cristo, mas o caminho até ela passa pelo Getsêmani da
Igreja.
O Silêncio do Filho: A Ciência do Verbo e a Pedagogia da Ignorância Aparente
Uma das frases mais misteriosas do Evangelho é aquela em que
Cristo declara: “Daquele dia e daquela hora ninguém sabe, nem os anjos do
céu, nem o Filho, senão o Pai” (Mt 24,36). À primeira vista, parece sugerir
ignorância no Verbo Encarnado — algo que, se tomado literalmente, destruiria a
doutrina da união hipostática.
Mas a tradição tomista, fiel à inteligência da fé, ensina
que o Verbo, enquanto Deus, conhece todas as coisas, inclusive os futuros
contingentes. Como explica Santo Tomás (S. Th., III, q.10 a.2; III, q.15
a.7), Cristo possui ciência beatífica, infusa e adquirida. Nada do que pertence
à sua missão redentora lhe é oculto. Quando Ele diz “não sabe”, fala economice,
pedagogicamente — para ensinar, não para confessar ignorância.
O sentido é espiritual: Cristo oculta o tempo da Parusia
para manter os fiéis em vigilância, sem presunção nem desespero. É o mesmo
silêncio pedagógico de Deus na história — um silêncio que educa a alma, que a
purifica da curiosidade gnóstica e da ânsia de controlar o mistério. O “não
saber” é, portanto, convite ao amor confiante.
Essa pedagogia divina também se aplica à Igreja. Ela sabe
que vencerá, mas ignora quando. Vive entre a promessa e o cumprimento, entre o
Sábado Santo e a manhã da Ressurreição. Por isso, toda tentativa de fixar datas
ou prever cronologias apocalípticas trai o próprio espírito do Evangelho. O que
nos é pedido não é previsão, mas fidelidade.
Assim como Cristo venceu calado diante de Pilatos, a Igreja
vencerá calada diante dos poderosos de cada época. O Non prævalebunt é o
eco da mesma sabedoria: o tempo do silêncio é o tempo da fidelidade. E o tempo
da fidelidade é o prelúdio do juízo.
Considerações Finais
O Non prævalebunt não é hino de conforto; é grito de
resistência. É a palavra de Cristo gravada na pedra do Calvário, não no mármore
dos palácios. Seu sentido não se cumpre nas vitórias institucionais da Igreja,
mas na santidade silenciosa dos que perseveram quando tudo parece perdido.
A geração que verá o Anticristo não será a mais poderosa,
mas a mais purificada. Sua força não estará nos números, mas na fé. Serão
tempos de confusão e escândalo, mas também de heroísmo e purificação. Quando a
verdade parecer derrotada, então começará a sua vitória.
Não cabe aos fiéis saber “quando” o Filho virá, mas
reconhecer os sinais e manter as lâmpadas acesas. O perigo espiritual de nosso
tempo não é o medo, mas o relaxamento — esse falso otimismo que confunde a
indefectibilidade da Igreja com a imunidade à corrupção. A promessa de Cristo é
indestrutível, mas a fidelidade dos homens é frágil.
O triunfo final será sobrenatural, não político. Não virá de
Roma nem de Jerusalém, mas do Céu. Cristo virá — e o mundo, acostumado à
mentira, será ferido pela espada da Verdade que sai de Sua boca. Até lá, o Non
prævalebunt deve ser rezado, não como slogan, mas como confissão de fé:
“Senhor, eu creio, mesmo quando tudo me faz duvidar”.
A Igreja, como o seu Senhor, atravessará a noite. Mas a
noite não prevalecerá. Pois no fim de todas as dores, de toda a confusão e de
toda a apostasia, ressoará no horizonte a mesma voz que ecoou no princípio: “E
a luz brilhou nas trevas, e as trevas não a venceram.”