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Até o século XX, Nossa Senhora foi honrada de muitas maneiras, mas Nosso Senhor reservou um mistério especial para este tempo: as Lágrimas de Sua Mãe Santíssima!
Foi São Francisco de Assis, o primeiro a instituir uma Ordem Terceira, com o fim de reunir os fiéis de ambos os sexos para seguirem no mundo o espírito e o modo de viver dos religiosos nos seus claustros.
Deu-lhes uma regra de vida que lhes permitisse, embora vivendo no mundo, levar vida mais intensa e que os norteasse para uma mais profunda assimilação do espírito franciscano.
Não tardaram as outras Ordens Religiosas a seguirem esse exemplo.
Os Carmelitas também começaram a admitir fiéis de ambos os sexos para participarem da sua vida e do seu espírito, embora vivendo na família e na sociedade.
Nessa altura já era bastante grande o número de fiéis que se sentiam atraídos para a Ordem Carmelita, pois o Santo Escapulário, rapidamente divulgado, havia conquistado, pelas ricas promessas que encerrava, incalculável número de pessoas ávidas de participarem da vida carmelita e dos seus benefícios espirituais.
Não eram Terceiros no sentido canônico, como hoje conhecemos; estavam apenas ligados ao Carmo de uma maneira espiritual, por laços de amizade e veneração aos Carmelitas.
É o Beato João Soreth, 25º Geral da Ordem, que os agrega na forma duma Ordem Terceira secular, aprovada pelo Papa Nicolau V, em 1452 um documento com o título Bula Cum Nulla.
Uma vez aprovada pelo Sumo Pontífice, a Venerável Ordem Terceira do Carmo, Soreth trata de lhe dar uma regra de vida, em 1455. Essa regra era verdadeiramente um extrato da Regra dos Carmelitas, adaptado aos leigos que abraçavam a vida carmelita no mundo.
Esta regra do Beato Soreth, a primeira dada aos Terceiros Carmelitas, é admirável pelo espírito que a anima. É a perfeição evangélica vivida no seio da família e na sociedade.
A regra soretheana regista mais um marco áureo na História da Ordem. Dessa data em diante, a Ordem Terceira estender-se-á rapidamente por toda a Europa e chegará ao Brasil a partir das missões carmelitas, numa floração magnífica de santidade.
Novas regras surgiram, conservando, porém, na sua essência as bases lançadas pelo Beato Soreth. A mais recente, depois de madura reflexão e profundos estudos, foi aprovada pelo Santo Padre e promulgada pelo Padre Geral, Joseph Chalmers, em 2003, com o título de “Viver o Carmelo”.
Nos seus 12 capítulos o Terceiro que vive no mundo, encontrará elementos abundantes de perfeição cristã e encontrará sobretudo as indicações sobre a mística e ascese carmelitas, hauridas nas puras e tradicionais fontes do Carmelo.
“Nicolau, Bispo, Servo de Deus, em perpétua memória.Visto que nenhum grupo de fiéis, sob qualquer forma de religião, pode organizar-se, sem autorização do Sumo Pontífice, e para que os grupos de religiosas, virgens, viúvas, beguinas, manteladas ou outras formas particulares que vivem sob o título e proteção da Ordem da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, ou que no futuro assim queiram viver, não pareçam bem sem a aprovação da autoridade apostólica.Nós, pelas presentes letras, decretamos que para a recepção, modo de viver, admissão e proteção das supracitadas, a Ordem, o Mestre Geral da mesma e os Priores Provinciais gozem e usem dos mesmos e idênticos privilégios concedidos à Ordem dos Pregadores e à Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, de modo que as sobreditas virgens, viúvas, beatas e manteladas, vivam em continência e honestamente, guardem o jejum e façam todas as demais coisas, como soem fazer, de acordo com seu regulamento e estatutos.Que ninguém, por isto, ouse infringir ou contradizer esta nossa constituição. Se, contudo, alguém cogitasse contrariá-la, saiba que incorreria na ira de Deus onipotente e de seus santos apóstolos Pedro e Paulo.Dado em Roma, em São Pedro no ano de 1452 da Encarnação de Nosso Senhor, no dia 07 de outubro, sexto ano de nosso Pontificado”.
*Da Regra da Venerárvel Ordem Terceira do Carmo.
1- Os leigos
“Os FIÉIS LEIGOS pertencem àquele Povo de Deus que é
representado na imagem dos trabalhadores da vinha, de que fala o Evangelho de
Mateus: “O Reino dos Céus é semelhante a um proprietário, que saiu muito cedo,
a contratar trabalhadores para a sua vinha. Ajustou com eles um denário por dia
e mandou-os para a vinha” (Mt 20, 1-2).
A parábola do Evangelho abre aos nossos olhos à imensa vinha
do Senhor e à multidão de pessoas, homens e mulheres, que Ele chama e envia
para trabalhar nela. A vinha é o mundo inteiro (cf. Mt 13, 8), que deve ser
transformado segundo o plano de Deus em ordem ao advento definitivo do Reino de
Deus”. (Christifideles laici, 1.1,2)
É imprescindível o papel dos leigos na missão da Igreja. O
apostolado que estão chamados a desempenhar, e que surge de sua própria vocação
cristã e de seu compromisso batismal, nunca pode faltar na Igreja.
Os cristãos leigos são chamados a viver seu compromisso
temporal carregando em sua bagagem de vida a misericórdia de Deus, para
incendiar o mundo com as labaredas da paz. São o rosto vivo de um novo
Pentecostes, o povo da Nova Aliança, unido na certeza de que somente Jesus
Cristo, o Filho de Deus, nossa paz, pode mudar o coração das pessoas. São as
sentinelas da paz nos lugares onde vivemos e trabalhamos, os guardiões deste
mundo que vigiam para que as consciências não cedam à tentação do egoísmo, da
mentira e da violência. Sem eles a paz de Cristo que a Igreja guarda não
penetraria no mundo e seria pura utopia.
2- Os leigos carmelitas
Dentro da vocação batismal comum, alguns leigos são chamados
a participar do carisma de alguma família religiosa em particular. A profissão
ou consagração como leigo carmelita, pela recepção do escapulário ou hábito
carmelita, é uma profunda renovação das promessas batismais.
A incorporação dos leigos na Família Carmelitana se realiza
mediante a instituição da Ordem Terceira. Trata-se de homens e mulheres
chamados a viver o carisma carmelitano no mundo, santificando totalmente sua
atividade cotidiana mediante a própria fidelidade às promessas batismais.
Em alguns lugares do mundo, os membros da Ordem Terceira são
simplesmente conhecidos pelo nome de “leigos carmelitas”, embora este termo
compreenda muitos outros grupos e realidades. Em vários países existem
Irmandades e Confrarias muito antigas, sem esquecer os milhares de milhares de
pessoas que usam o Escapulário de Nossa Senhora do Carmo. Há muitos novos
grupos que estão florescendo em distintas partes do mundo, entre os quais
destacamos o JUCAR (Juventude Carmelitana) e o INCAR (Infância Carmelitana).
Estes novos grupos testemunham a energia criativa que há dentro da Ordem. O
carisma carmelita tem inspirado muitas pessoas no mundo para viver
profundamente o Evangelho, e, às vezes, de modo heroico.
Estes irmãos e irmãs, os quais o Escapulário e o sentido de
pertença unem a tantos outros membros da Ordem Carmelita, são partícipes do
mesmo dom e devem ser fiéis, em todas as circunstâncias, aos deveres
provenientes dessa pertença carismática, sem conformar-se com uma prática
cristã superficial, mas correspondendo ao seguimento radical de Cristo, que
chama os seus discípulos a ser perfeitos como o Pai Celeste é perfeito (Mt
5,48). À semelhança dos frades, freiras e monjas, têm uma verdadeira vocação e
um testemunho do carisma carmelita para os demais.
2.1- O carisma carmelita
Os elementos fundamentais do carisma carmelita são bem
conhecidos: oração, fraternidade e serviço. Estes três elementos são unidos
pela contemplação. Antes de qualquer coisa, os Carmelitas são chamados a seguir
a Jesus Cristo e a viver o evangelho na vida diária. Para seguir a Cristo, nós
nos inspiramos nas figuras bíblicas dos profetas Elias e Eliseu, e da virgem
Maria.
O leigo deve viver o carisma como leigo. Jesus não pediu ao
Pai que tirasse os seus discípulos do mundo, mas que os livrasse do maligno
(cf. Jo 17,15).
A oração
Ao entrar na Ordem eles participam do carisma carmelita, o
qual está marcado profundamente pela oração. Portanto, a oração, quer litúrgica
ou pessoal, é uma parte integrante da vida do leigo carmelita. A participação
diária, se possível, na Celebração Eucarística é a fonte da vida espiritual e
dos frutos apostólicos. O Ofício Divino, como participação na oração de Cristo,
é recomendado para o leigo carmelita e é também uma fonte de grande ajuda no
seu caminho espiritual. A oração pessoal é vital, e os modos de oração fundados
na tradição carmelitana, sobretudo a Lectio Divina (leitura
orante da Palavra de Deus), são uma fonte de inspiração. A devoção à Virgem
Maria é um sinal concreto do leigo carmelita, já que ela é Mãe do Carmelo.
A fraternidade
A fraternidade é também um elemento essencial do carisma
carmelita. Os leigos carmelitas podem formar comunidade de muitos e diferentes
modos: em suas próprias famílias, onde devem fundar a igreja doméstica; em suas
próprias paróquias, onde oram a Deus em união com os demais paroquianos e onde
tomam parte nas atividades pastorais; em suas comunidades de leigos carmelitas,
nas quais encontram apoio para o caminho espiritual; em seus lugares de
trabalho e onde vivem.
O serviço
Como todos os Carmelitas, o leigo é chamado ao serviço, que
é, também, uma parte integrante do carisma carmelita dado à Ordem por Deus. Os
leigos têm a missão de transformar a sociedade, e podem fazer isso de
diferentes maneiras, de acordo com suas possibilidades. O grande exemplo para a
ação profética é Elias, cuja atividade teve como fonte uma profunda experiência
de Deus. A vocação do leigo carmelita é precisamente esta: a transformação do
mundo, a partir de dentro, segundo plano divino da salvação.
A contemplação
A contemplação é o que une todos os elementos do carisma.
Como todos os membros da Família Carmelita, os leigos carmelitas são chamados a
crescer em sua própria relação com Cristo, até que se tornem seus amigos
íntimos. As coisas que ajudam à contemplação estão geralmente ausentes deste
nosso mundo, que está marcado por uma atividade frenética. Portanto, os leigos
devem buscar, fora do tempo que dedicam às obrigações da vida diária, momentos
que lhes permitam falar com Deus no silêncio dos seus corações. Fortalecidos
por este alimento, poderão continuar seu caminho e olhar o mundo com olhos
novos. Os contemplativos podem ver Deus nas diferentes situações; Ele sempre
nos precede em cada situação, antes de que esta aconteça. É dever nosso
descobrir a presença de Deus nas situações que nos rodeiam e proclamá-la aos
irmãos e irmãs.
2.2- O Desafio
Ser leigo carmelita é uma maneira de viver a própria vida, é
uma vocação. Por essa razão, é essencial uma boa formação como acontece com os
outros membros da Ordem. O principal desafio que encontrarão é traduzir os
elementos do carisma carmelitano na vida diária.
Em sua carta para o Ano Carmelita Mariano, em virtude dos
750 anos do Escapulário, o Papa João Paulo II assinala que o escapulário é
essencialmente um “hábito” da Ordem, e a pessoa que o usa deve estar em
comunhão com a Ordem e sua espiritualidade. O Escapulário é um significativo
símbolo da presença mediadora de Maria, não somente nesta vida, mas na passagem
desta para a eterna com Deus. O Escapulário simboliza, por um lado, a maternidade
e a proteção de Maria, e, por outro, o nosso compromisso: Maria é a
Patrona, a Irmã e a Mãe dos Carmelitas, e, como tal, cuida de nós; e nós
devemos nos esforçar para pôr em prática suas virtudes na vida diária.
Consequentemente, a devoção à Virgem vai além de simples recitação de algumas
orações, traz o desafio da vivência das virtudes marianas.
O mundo em que vivemos nos apresenta muitos desafios. A
estrutura social que sustentava a fé, desapareceu em muitos lugares, e é
necessário animar as pessoas em sua opção de seguir a Jesus Cristo. A vocação
do leigo, acima de tudo, é ser fermento no coração deste mundo secularizado. Os
leigos carmelitas vivem esta vocação inspirados na tradição carmelita. No Magnificat,
a Virgem glorifica a Deus porque ela sabe que Deus age transformando a
realidade, inclusive ainda quando as aparências sugiram outra coisa. Os leigos
carmelitas também estão com Maria aos pés da cruz, cooperando com a misteriosa
vontade de Deus, que quer que todos os homens e mulheres se salvem. Vivendo o
Evangelho na vida diária, como Maria, nossa Patrona, Irmã e Mãe, os leigos
carmelitas têm sua parte na transformação do mundo.
2.3- A Regra do Carmo e a Regra da Ordem Terceira
A Regra de Santo Alberto é um documento carismático que está
na origem de qualquer forma de vida carmelita. Neste breve texto, encontra-se
em embrião os elementos essenciais do carisma carmelita. Estes elementos foram
elaborados nos anos sucessivos e principalmente através da tradição carmelita,
enriquecida pela vida de muitas pessoas e, sobretudo, através de nossos santos.
Cada pessoa chamada a viver o carisma carmelita contribui de modo especial com
a tradição, e esta transmite aos demais.
A Regra da Ordem Terceira se centra na missão do leigo
carmelita, a qual está enraizada no batismo e através do qual cada cristão
participa do sacerdócio, da realeza e da missão profética de Cristo. O leigo é
sacerdote, profeta e rei tomando parte na vida eclesial e estendendo os
benefícios da liturgia na vida diária. Com isto contribui para a santificação
do mundo.
2.4- Leigos carmelitas e o seu compromisso com a justiça e a paz
A solidariedade de Jesus com os excluídos de seu tempo,
expressa através de sua vida, palavra e ação, e culminada na cruz, nos permite
reconhecer sua presença viva nos excluídos de hoje. Já que no “homem das dores,
desprezado, que suportou nossos sofrimentos, ferido por Deus e humilhado”, ou
seja, no servo de Javé de que nos fala o profeta (cf. Is 52, 13 – 3,12), os
primeiros cristãos viram uma descrição antecipada do crucificado (cf. At 8,32;
1Pd 2,21-25; 3,18) também nós somos hoje autorizados a ver no rosto de todos os
excluídos, o rosto do próprio Jesus e, à luz de Mt 25, 31-45, considerar que o
que fizermos por qualquer um deles, faremos pelo próprio Jesus.
Na realidade, a afirmação do Deus cristão se expressa de
forma decisiva através do compromisso com a causa dos excluídos. Aqui se
encontra uma profunda motivação teológica deste compromisso em favor da JUSTIÇA
E DA PAZ. O núcleo da mensagem de Jesus foi a proclamação da chegada iminente
do Reino de Deus como Boa Nova de salvação para os pobres e pecadores, entre os
quais se contam os excluídos e marginalizados. O Reino de Deus que Jesus
anuncia está essencial e prioritariamente vinculado aos pobres e excluídos. Daí
a necessidade do compromisso dos leigos carmelitas com a JUSTIÇA E PAZ nas
diversas realidades nas quais estão inseridos.
O Reino de Deus que Jesus proclama está essencial e
primordialmente ligado aos pobres e excluídos. Em sua bem-aventurança e libertação,
que inclui a superação de sua exclusão, está em jogo a presença do Reino e o
destino do próprio Deus encarnado, ou seja, a causa de Jesus na história. Jesus
se identifica com eles, que são os destinatários preferenciais de seu Reino,
independentemente de sua situação moral subjetiva ou disposição espiritual, e é
por isso que percebemos neles, à luz da fé, sua presença contínua entre nós.
Artigo extraído do sítio das HH. de la Virgen María del Monte Carmelo, na aba, Ser Carmelita hoy, Laicado Carmelita. Artífices de un mundo nuevo. Disponível em <https://hcarm-orihuela.com/ser-carmelita-hoy/laicado-carmelita/> Acessos em 13 de set. 2024.
“O reino dos Céus é como um tesouro escondido no campo”. A vocação é uma luz de Deus que nos abre a uma nova visão da vida. Recebê-la com amor é como encontrar uma pérola preciosa de valor infinito.
(Mt 13,44-46)
Uma árvore plantada junto à fonte da Palavra de Deus
Por Frei Antônio Farias de Freitas, O. Carm.
O tempo é testemunha de que tudo que é bem plantado e
cultivado cresce e floresce dando fruto no tempo oportuno. Assim pode ser
definido o carisma de uma Ordem religiosa como o Carmelo. No transcurso da
história, na mudança da geografia, na diversidade de línguas, podemos constatar
que o carisma carmelitano, se assemelha ao grão de mostarda com o qual Nosso
Senhor compara o Reino de Deus.
A palavra “charis” ou graça deu origem ao termo
carisma. Isso significa que é um dom gratuito dado por Deus a um grupo ou pessoa
para edificação do Corpo de Cristo, que é a Igreja. Assim, quando falamos de
carisma Carmelitano, queremos dizer: “Viver em obséquio de Jesus Cristo e
servi-Lo fielmente de coração puro e boa consciência”: esta frase de inspiração
paulina é a matriz de todas as componentes do nosso carisma e a base sobre a
qual Alberto construiu o nosso projeto de vida. O peculiar contexto
palestinense das origens e a aprovação da Ordem na sua evolução histórica por
parte da Sé Apostólica enriqueceram com novas matizes inspiradoras à fórmula de
vida da Regra. Os Carmelitas vivem em obséquio de Jesus Cristo numa atitude
contemplativa exercitada numa vida de oração, de fraternidade e de serviço no
meio do povo.
Os primeiros Carmelitas são peregrinos, homens inconformados
com um modelo de viver a fé que, movidos pelo desejo de seguir a Jesus de forma
mais radical, buscam na Terra Santa, o Santo da Terra. Constroem o novo,
aventuram-se para garantir a autenticidade de sua fé. O Carmelita é por
natureza um inquieto, peregrino, inconformado com a mesmice da fé e da
história, aventureiro do Absoluto. Identificar o Carmelita como peregrino é
fundamental para compreendermos que se trata de alguém que está sempre diante
da difícil tarefa de escolher entre uma e outra realidade.
Quando nos aproximamos do salmo 1, do qual o legislador da
ordem extraiu a indicação de que o Carmelita deve manter-se sempre junto à
fonte “meditando dia e noite na Lei do Senhor”; tanto o salmista, como o
legislador da Ordem, indicam de forma parenética, isto é, exortativa, para o
fato de que há uma lugar do qual nunca devemos nos afastar, ou seja, a fonte
que é a Palavra de Deus; embora, como peregrinos, estejamos diante de dois
caminhos possíveis, e a escolha de um ou de outro, comprometerá toda a vida que
segue. Desse modo, o convite a escolher um dos caminhos é uma realidade que
encontramos já bem antes na Escritura: “Eis que ponho diante de ti a vida e a
morte” (Dt 30,19). É assim que Deus convida o homem a caminhar pela vida. Tal
convite se prolonga de geração em geração, como condição para que a obra de
Deus se realize no mundo através daqueles que se dispõem a manter viva a
aliança.
O Carmelo um lugar
A Sagrada Escritura está permeada de referências a espaços
geográficos onde Deus se revela aos homens. Em Gn 2,8, temos uma primeira
referência de lugar criado por Deus e no qual Ele colocou o homem. Tal
referência ao jardim no Éden (lugar), situa o leitor num espaço cuja finalidade
era a promoção da vida em abundância e a total liberdade do ser criado por Deus
e com quem Deus estabeleceu uma relação de proximidade, como atesta Gn 3,8:
“Ouviram, então, a voz do Senhor Deus, que percorria o jardim pela brisa da
tarde…” Como se pode observar, o jardim era o lugar do encontro entre
criatura e criador, lugar do convívio pacífico e harmonioso entre o homem e as
feras, lugar no qual Deus e o homem compartilham o ideal de vida plena.
Se, por um lado, o lugar é criado por Deus, que deseja
estabelecer com o homem uma relação de proximidade, serve também para implicar
o homem numa missão. Em Ex 3,1-5, Deus revela-se e ao mesmo tempo envia Moisés
em missão de libertador. Nesse relato, o lugar já possui outra característica,
trata-se de um lugar elevado, aspecto que vai caracterizar sempre o lugar das
grandes teofanias. Moisés, no local elevado, isto é, no monte, conhece o Deus
que se revela pelo nome, sinal de que ele deseja ser conhecido e mais do que
isso, quer que o homem saiba que Ele é um Deus que é (ya) próximo.
Do lugar da escravidão (Egito), Deus, por meio de Moisés,
conduz o povo hebreu para o lugar da experiência, da purificação, o deserto. O
deserto é um marco de transformação na caminhada do povo de Deus, é o lugar
onde Deus vai infundindo nos hebreus uma identidade: será conhecido como povo
da Aliança. Assim, o deserto é o lugar no qual o povo precisa fortalecer os
termos da Aliança, e o mais exigente, a fidelidade; é o local do reconhecimento
de Deus como o Deus único, o Deus ciumento, e para isso, é necessário deixar-se
guiar por ele, purificar o coração, alimentar a esperança na promessa de que
Deus vai levar esse povo a um lugar de fartura (terra onde mana leite e mel).
O deserto certamente não é apenas um local geográfico, mas
sobretudo uma experiência do espírito que constantemente precisa recuperar a
intimidade com o Deus da Aliança, como nos atesta o profeta Oséias 2,14.
O deserto é o lugar do esvaziamento, esvaziamento de tudo aquilo que impede o
homem de viver na presença de Deus; o lugar que prepara o coração
para acolher tudo aquilo que Deus criou para o homem. Contudo, nem sempre o
homem foi sensível a tal experiência, permitindo que seu coração fosse seduzido
por deuses estrangeiros. Por isso, Deus sempre enviou seus profetas, seus
mensageiros, como faróis que servissem de orientação a todos os peregrinos da
fé.
Na tradição carmelitana, nós encontramos um homem e um lugar
que nos faz recordar toda experiência do povo da Aliança: Elias e o Carmelo.
Depois de uma longa caminhada, o povo já havia esquecido as promessas de Deus,
havia esquecido os grandes feitos do passado e se deixou seduzir por Baal.
Elias, o tesbita, homem consumido de zelo pelo Senhor dos Exércitos, catalisa a
imagem de Moisés. O Carmelo se torna o Monte do encontro e da manifestação
daquele que é Senhor da história e cuidador de seu povo. No Carmelo, assim como
no Horeb, Deus se dá a conhecer: Ele é o Deus fiel, que escuta os clamores e
responde com sua presença.
Ao olhar para o Carmelo, os carmelitas são convidados a
purificar no fogo do amor de Deus, todas as suas infidelidades. São chamados a
permanecer na presença dele, invocá-lo com toda confiança. Assim é o Carmelo: O
lugar da presença amorosa, o lugar da reconstrução da identidade e da vocação
carmelitana, o lugar da experiência que abrasa o coração e nos faz redescobrir
a grande promessa: “Eu vos introduzi na terra do Carmelo, para que comêsseis
dos seus frutos e o melhor dela” (Jr 2,7). Portanto, o Carmelo (jardim de Deus)
é imagem do Éden, onde o Senhor vem ao nosso encontro para nos falar como a
amigos que Ele ama.
O Carmelo: Um Caminho
A experiência de todo peregrino é marcada pelo caminho, seja
ele físico, seja existencial. Assim é o peregrino carmelita, que precisou
deixar o lugar de nascimento e partiu para um lugar distante, levando consigo,
a semente do carisma que havia sido plantado no Monte Carmelo. Diante dessa
nova realidade, os eremitas do Carmelo são chamados a viver o carisma não mais
como eremitas, mas como peregrinos – e isso, diante da dinâmica de uma outra
língua e de uma reorganização da própria vida. Contudo, para os primeiros
cristãos, que são chamados discípulos do Caminho, o peregrinar se faz de dentro
para fora.
Tal como os discípulos de Emaús, o peso do sofrimento,
o cansaço das lutas diárias, o desânimo, as frustrações, as perseguições e o
aparente fracasso dos ideais, ofuscam naquele que caminha, a presença d’Aquele
que é o caminho e o caminhante, Jesus Cristo. É justamente neste momento de
aridez, quando a tentação de abandonar tudo e regressar para a vida do homem
velho (Ef 4,22-24), quando os olhos pesam e o coração esfria, que surge no
caminho o terceiro caminhante, e traz consigo o frescor da Palavra que suaviza
a fadiga do caminho, mas ao mesmo tempo traz consigo o fogo da Palavra que faz
arder o coração, quebrando o gelo que antes havia se instalado.
Segundo Bauer (2000, p.51) o caminho é o comportamento ético
do homem, sua maneira de viver. Nesse sentido, são muitos os textos do Antigo
Testamento que assim apresenta essa ideia (Ex 18,20; Dt 5,32s; Jr 4,18; Jó
21,31). Esse caminho geralmente é considerado em relação com a vontade de Deus.
O “caminho do Senhor” é a maneira como Deus manda o homem viver, de modo que
caminho se torna quase sinônimo de mandamento (Jr 7,23; Sl 119,15). Nesse
sentido pode ser dito que certas pessoas “andam” pelo caminho de Deus (Jó 23,11;
Sl 18,22). Mas ao mesmo tempo, encontramos inúmeros textos em que é dito que
alguns não andam pelos caminhos de Deus e seguem seu próprio caminho (Is
56,11).
Para o autor do salmo 119, permanecer no caminho exige do
caminhante prece constante pela ajuda de Deus, de modo que no v.109, o salmista
exclama: “tua Palavra é lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminho”. A
mesma indicação de que é necessário a ajuda de Deus aparece em Sl 25,4; 86,11.
Sem a graça divina, o peregrino corre o risco de seguir por vias tortuosas,
isto é, longe da presença de Deus e, portanto, já não será capaz de manter o
vigor da caminhada.
Em estreita comunhão com o AT, Jesus chamou de caminho o
conjunto das diretivas práticas que ocupam um lugar importante em sua pregação
(cf. Mt 22,16). Deus é o objetivo ao qual o caminho conduz (Hb 10,19-22; Jo
14,1-4).
Segundo o evangelista João, Jesus é o caminho (cf. Jo 14,6),
caminho que leva a Deus não pela observância da Lei, mas ao caminho da
fidelidade como discípulo. Assim, com a afirmação de que ele mesmo é o caminho,
Jesus apresenta ao discípulo que existem outros caminhos, outras portas; mas
aquele que deseja salvar-se precisa decidir-se em favor de Cristo, para o qual
somos exortados, e isso exige esforço e perseverança.
Nesse sentido, o Carmelita compreende que o carisma
carmelitano é um caminho bom e reto que leva até Deus, embora tenha consciência
de que se trata de um caminho de subida no qual é necessário empreender grande
esforço, para perseverar até o fim, isto é, chegar ao cume do monte que é
Cristo.
Ao largo de mais de oito séculos, os Carmelitas em
diferentes lugares, percorrem o mesmo caminho, – e não poucos já alcançaram o
cume deste monte –, que já não é mais o Carmelo geográfico da Palestina, mas um
modo de viver o chamado à santidade. Daí que ao falar do caminho, compreende-se
que é na verdade o empenho de toda a vida no obséquio de Jesus Cristo.
O Carmelo, uma Missão
O número 10 da Regra da Ordem do Carmo assim ordena:
“Permaneça cada um em sua cela ou em sua vizinhança, meditando dia e noite na
lei do Senhor e velando na oração, a não ser que deva ocupar-se em outros
afazeres justificados.” A expressão: meditar dia e noite na Lei do
Senhor, tem sua origem no Salmo 1. Compreendeu-se desde cedo que a
vida de um religioso carmelita só pode florescer e dar fruto se este permanece
ao redor da fonte de água viva, e essa fonte é a Palavra de Deus (Lei do
Senhor).
Para o salmista, Deus apresenta ao homem dois caminhos, e
deixa a ele a liberdade de escolher. No entanto, o Senhor também deixa claro ao
homem o que cada caminho significa. De um lado, o caminho largo das falsas
liberdades, das escolhas mais prazerosas, das correspondências entre aqueles
que já não querem abraçar o projeto de Deus e sua justiça. Esse caminho tem sua
correspondência simbólica na árvore que tem como destino secar e ser queimada,
incapaz de produzir frutos. De outro lado, o caminho estreito, isto é,
exigente, das renúncias, da confiança em Deus, da solidão, do abandona das
próprias vontades. Esse caminho é simbolizado na árvore plantada junto à
nascente, sempre verde, e sempre em condições de produzir frutos.
Desde que os primeiros eremitas se instalaram no monte
Carmelo, havia no coração de cada um deles o desejo de viver uma vida
diferente, e isso é traduzido na expressão: “in obsequio Iesu Christi”.
A partir de um ritmo de vida baseado no trabalho, no silêncio e na partilha dos
alimentos, ali se estabelecem, mas sabem que só isso seria incapaz de
sustentá-los no propósito. Nasce então o desejo de construir uma capela. Desde
então, este lugar é teologicamente compreendido como o centro da vida dos
irmãos.
Se por um lado, a capela se torna o lugar de celebrar o
culto a Deus e os louvores da Virgem Santíssima, o legislador insiste que seja
a cela uma extensão deste lugar sagrado. Pois se na capela a Palavra de Deus é
proclamada em público, no Carmelo interior de cada irmão, deve ser meditada no
coração e na mente de cada um. Somente assim, esse lugar permanecerá irrigado,
pois está sempre recebendo a água nova da fonte.
O verbo permanecer, utilizado pelo legislador, é típico na
Sagrada Escritura, sobretudo no Evangelho segundo são João e é o próprio Jesus
quem o utiliza, indicando aos discípulos que essa é a vocação à qual todos
somos chamados. Aquele que permanece em Jesus, Ele se dispõe a nele fazer
morada (Jo 15, 4-17), isto é, passa viver já aqui a vida divina. Como não
pensar que essa é realidade que perpassa toda a história do carisma
carmelitano? Pois, foi precisamente permanecendo no Senhor (meditando dia e
noite), que o carisma carmelitano continua seduzindo homens e mulheres de todas
as línguas e culturas, e com eles, produzindo frutos de santidade na Igreja e
no mundo.
No percurso do homem chamado a seguir o Senhor mais de
perto, já ficou bem definido que esteja ele onde estiver, nunca deve
ausentar-se da fonte, e por isso mesmo, deve escolher sempre o caminho que
agrada ao Senhor, isto é, o caminho da justiça, da contemplação e da oração. No
entanto, ao que abraça o carisma Carmelitano, como resultado de uma vida toda
comprometida com a Palavra de Deus, acontece uma abertura devida, a qual
chamamos de serviço aos irmãos.
A esta dimensão do Carisma Carmelitano, a Regra, que orienta
o Carmelita a permanecer na sua cela ou próximo a ela, acrescenta que a
ausência deste lugar de meditação da Lei, pode e deve ser feita quando existem
justos afazeres. Segundo as constituições em seu n.21, trata-se do serviço ao
povo de Deus. É a missão que busca encontrar o rosto de Deus também no coração
do mundo, onde Deus fixou sua morada.
O n.94 esclarece que a missão do Carmelo se insere na missão
de Jesus, enviado a proclamar a Boa Nova do Reino de Deus. Consciente de seu
patrimônio espiritual, o Carmelita empenhar-se-á na Escuta e pregação da
Palavra, consequentemente, nutrindo-se da oração, que vai cimentando os tijolos
espirituais que edificam o Carisma Carmelitano. E Santa Teresa de Jesus
ensinando suas irmãs afirma: aqueles que se dedicam a conquistar pessoas para
Deus não perdem o recolhimento, mesmo entre as canseiras da pregação, ou do
ouvir confissões, do reconciliar os inimigos, do assistir os doentes. O mesmo
acontece com aqueles que se dedicam ao estudo.
Por fim, é importante considerar que a fonte da qual a
árvore se nutre e permanece sempre verde e forte, não se trata de um lugar
geográfico, mas de uma experiência de encontro com a Verbo de Deus, a Palavra
da Verdade, por meio de quem tudo foi criado e por meio de quem tudo será
redimido. Desta fonte se nutre o Carisma Carmelitano, pois cada Carmelita
carrega dentro de si, aquela fonte que mesmo escondida as vezes, continua
alimentando e renovando o Carisma Carmelitano e todos os tempos e lugares, pois
permanece no coração de cada homem e mulher que aceitou viver “In obsequio
Iesu Christi”.
A aparição de Nossa Senhora do Carmo a São Simão Stock, na
Inglaterra, aparentemente não tem nenhuma ligação com as de Nossa Senhora do
Rosário de Fátima aos três pastorinhos, Lúcia, Francisco e Jacinta, em
Portugal. No entanto, nessas aparições, a Santíssima Virgem Maria deixou-nos os
auxílios que as devoções a esses dois títulos marianos querem nos dar, que são
o Escapulário da Ordem do Carmo, o Santo Rosário e a consagração ao seu
Imaculado Coração. Essas três devoções, o Escapulário, o Rosário e a
consagração ao Coração Imaculado, que marcam essas aparições da Virgem Maria,
são muito desejadas por ela para os seus filhos, servos e escravos de amor.
Essas devoções foram unidas por Nossa Senhora em suas aparições em Fátima, como
um auxílio nas dificuldades, especialmente nos tempos difíceis em que vivemos e
também como reparação pelos pecados da humanidade.
A entrega do Escapulário a São Simão Stock
Nossa Senhora do Carmo apareceu ao frei carmelita Simão
Stock, na cidade de Cambridge, na Inglaterra, em 16 de Julho de 1251. Nesse dia
memorável, por causa das grandes perseguições pelas quais passava a Ordem dos
Carmelitas, Stock recitou uma bela oração, por ele mesmo composta:
“Flor do Carmelo, Vinha florífera, Esplendor do céu, Virgem
fecunda, singular. Ó Mãe benigna, sem conhecer varão, aos Carmelitas dá privilégio,
Estrela do Mar!”. Terminada essa oração, simples na sua forma, mas
espiritualmente profunda, Simão levanta os olhos, cheios de lágrimas, e vê sua
cela encher-se de luz.
A Virgem do Carmo aparece-lhe cercada de anjos, revestida de
esplendor, com o Escapulário nas mãos, e com ternura maternal diz: “Recebe,
diletíssimo filho, este Escapulário de tua Ordem como sinal distintivo e a
marca do privilégio que eu obtive para ti e para todos os filhos do Carmelo; é
um sinal de salvação, uma salvaguarda nos perigos, aliança de paz e de uma
proteção sempiterna. Quem morrer revestido com ele será preservado do fogo
eterno’’. Desde então, o Escapulário de Nossa Senhora do Carmo é um sinal da
proteção materna e da consagração a Virgem Mãe de Deus, não somente para a
Ordem do Carmo, mas também para todos que usam devotamente este “hábito” que
nos une aos carmelitas.
Em sua forma original, o Escapulário é feito com dois
pedaços de tecido marrom, unidos por um cordão. Um dos pedaços tem a estampa de
Nossa Senhora do Carmo e o outro, a do Sagrado Coração de Jesus. O nome
“Escapulário” tem sua origem na palavra latina “scapulas”, que significa
“ombros”, pois sobre estes ele é imposto, como um hábito, que nos liga a Nossa
Senhora do Carmo, por meio da inclusão na família carmelita. Por ser um hábito,
o primeiro Escapulário deve ser de pano, imposto por um Carmelita ou um padre,
através da oração própria para a imposição. Os carmelitas usam o escapulário
como símbolo da sua consagração religiosa na Ordem de Nossa Senhora do Carmo,
mais conhecida simplesmente como Ordem dos Carmelitas. Para os demais cristãos,
o escapulário é símbolo da consagração à Virgem do Carmo.
As aparições de Fátima e a devoção a Nossa Senhora do Carmo
No dia 13 de outubro de 1917, na sua última aparição na Cova
da Iria, em Fátima, Portugal, Nossa Senhora une três devoções: a
espiritualidade do Escapulário, a oração do Santo Rosário e a consagração ao
seu Imaculado Coração. Logo depois da aparição, surgiram, aos três videntes de
Fátima, várias cenas. Na primeira, ao lado de São José, a Mãe de Deus, com o
Menino Jesus ao colo, apareceu como Nossa Senhora do Rosário. Em seguida,
surgiu como Nossa Senhora das Dores, junto com seu Filho Jesus Cristo, que
padecia em meio a muitos sofrimentos, a caminho do monte Calvário. Na última
visão, “gloriosa, coroada como Rainha do Céu e da Terra, a Santíssima Virgem
apareceu como Nossa Senhora do Carmo, tendo o Escapulário à mão”. Em 1950, a
Irmã Lúcia foi questionada a respeito do motivo de Nossa Senhora aparecer com o
Escapulário nas mãos. Em resposta, a Irmã disse: “É que Nossa Senhora quer que
todos usem o Escapulário, respondeu ela”. Providencialmente, no dia 11 de
fevereiro de 1950, o Sumo Pontífice, Papa Pio XII, convidou toda a Igreja
Católica a “’colocar em primeiro lugar, entre as devoções marianas, o
escapulário, que está ao alcance de todos’; entendido como veste mariana, esse
é, de fato, um ótimo símbolo da proteção da Mãe celeste, enquanto sacramental
extrai o seu valor das orações da Igreja e da confiança e amor daqueles que o
usam”.
A Irmã Maria Lúcia do Imaculado Coração, que como Simão
Stock era carmelita, disse que o Escapulário agrada o Coração de Nossa Senhora,
por isso, deseja que essa devoção seja propagada. Dessa forma, compreendemos
que a devoção do Escapulário faz parte da Mensagem de Fátima
e, certamente, o Escapulário e o Rosário são devoções inseparáveis. “O
Escapulário é o sinal da consagração a Nossa Senhora. […] Ela quer que todos
usem o Escapulário”. Ao perguntarem se podemos ter a certeza de que Nossa
Senhora queria o Escapulário, como parte da Mensagem de Fátima, Irmã Lúcia
respondeu: “Sim”, e acrescentou: “Agora, já o Santo Padre [Papa João Paulo II]
o confirmou a todo o mundo, dizendo que o Escapulário é sinal de consagração ao
Imaculado Coração”.
Segundo a Carmelita, o Escapulário é uma das cláusulas da
Mensagem da Virgem de Fátima. Por isso, usar o Escapulário é tão importante
quanto a recitação diária do Terço Mariano. Segundo Lúcia, “o Terço e o
Escapulário são inseparáveis!”.
Dom José Alves Correia da Silva, então Bispo de Leiria, em
Portugal – que sabia claramente do vínculo entre as devoções do Escapulário e
do Rosário – por ocasião do VII Centenário do Escapulário, disse aos devotos de
Fátima:
“Os antigos guerreiros vestiam-se com uma armadura de ferro para resistirem aos ataques dos seus inimigos, e como nós todos temos de combater os inimigos da nossa alma, porque diz a Sagrada Escritura, ‘a vida do homem é uma guerra’, a Santíssima Virgem entregou o emblema do Santo Escapulário para também nos defender. […] Nossa Senhora recomendou também às videntes que espalhassem a devoção do Escapulário. Compete-nos, pois, como cristãos, […] a obrigação de nos afervorarmos na devoção do Escapulário. O Escapulário tem privilégios especiais. O primeiro é a promessa que a Santíssima Virgem fez àqueles que observassem as devidas instruções, que os preservaria do fogo eterno. É claro que deveremos trazer o Escapulário não por orgulho ou superstição, mas por esperarmos, com um sincero sentimento de confiança, que a bondade de Maria Santíssima nos fará a graça da conversão e da perseverança final”.
A espiritualidade carmelita e a consagração ao Imaculado Coração
Santa Teresa de Jesus, grande reformadora da Ordem dos
Carmelitas, disse às suas irmãs: “Todas nós, que trazemos este sagrado hábito
do Carmo, somos chamadas à oração e contemplação. Foi essa a nossa origem”. A
tradição dos primeiros carmelitas está ligada à vida contemplativa, mas esta se
perdeu ao longo do tempo. A reforma que Santa Teresa e, depois, São João da
Cruz, realizaram no Carmelo pretendia recuperar essa sua vocação à
contemplação, que tem como fim último a santificação e a comunhão com Deus já
aqui neste mundo. Para atingir essa união com o Senhor, é necessário
esvaziar-nos totalmente de nós mesmos, dispondo ativamente o nosso coração para
que Deus o purifique.
Neste processo de purificação, a devoção a Nossa Senhora é
fundamental. “Desde o princípio, os carmelitas – repetindo que Carmelus
totus Marianus est [O Carmelo é todo de Maria] – já se consagravam a
Nossa Senhora, chegando a falar, séculos antes de São Luís de Montfort, de
‘escravidão’ à Virgem”. Quando professavam seus votos de obediência, os
carmelitas faziam-no não somente a Deus, mas também a Nossa Senhora do Carmo.
Com o Escapulário, eles recordam esse compromisso e a amizade que devem ter com
Nossa Senhora, imitando as suas virtudes e consagrando-se inteiramente a ela.
Pois a Virgem Maria não somente é modelo de santidade, mas também coopera
diretamente em nossa santificação. No entanto, para quem, de algum modo, está
ligado aos carmelitas, Nossa Senhora não é somente um modelo a imitar, mas
também uma doce presença materna, na qual podemos confiar.
Segundo o saudoso Papa São João Paulo II, “essa intensa vida
mariana, que se exprime em oração confiante, em entusiástico louvor e em
diligente imitação, leva a compreender como a forma mais genuína da devoção à
Virgem Santíssima, expressa pelo humilde sinal do Escapulário, seja a
consagração ao seu Coração Imaculado”. Dessa forma, em nosso coração,
realiza-se uma crescente comunhão e familiaridade com Nossa Senhora, como novo
modo de viver para Deus e de continuar aqui na Terra o amor do Filho à sua Mãe,
Maria Santíssima.
Esse rico patrimônio de espiritualidade mariana dos
carmelitas se tornou, através da propagação da devoção do Santo Escapulário, um
tesouro valiosíssimo para toda a Igreja. Pela sua simplicidade e pela relação
com o papel da Virgem Maria em relação à Igreja e à humanidade, esta devoção
foi profunda e amplamente recebida pelo Novo Povo de Deus, a ponto de encontrar
a sua expressão máxima na festa de 16 de julho, na Liturgia da Igreja Católica.
O Escapulário, o Rosário e a consagração ao Imaculado Coração
A Mensagem de “Fátima é, portanto, uma confirmação óbvia das
antigas devoções do Rosário e do Escapulário de Nossa Senhora do Carmo, ambas
vindas da Idade Média, quando o amor por Ela impregnava toda a vida do cristão”.
Além disso, em Fátima, a estas devoções, acrescenta-se a devoção ao Imaculado
Coração, já conhecida na Igreja, mas agora revelada de uma forma nova. A
consagração ao Imaculado Coração de Maria, de certo modo, aparece como nova
expressão de devoção a Nossa Senhora das Dores, que foi uma das visões dos
pastorinhos na última aparição de Fátima.
No dia 13 de junho de 1917, Nossa Senhora disse à pequena Lúcia:
“Ele [Jesus] quer estabelecer no mundo a devoção do meu Imaculado Coração”. Falou também que voltaria para pedir essa devoção. Em 10 de dezembro de 1925, em Pontevedra, na Espanha, a Virgem Maria apareceu à Irmã Lúcia com o Coração na mão, cercado de espinhos, como prometera em Fátima. Este é o mesmo coração transpassado pela espada da dor no sacrifício do seu Filho no altar da cruz. Esse sofrimento da Santíssima Virgem não foi somente de compaixão pelos padecimentos do Filho, mas, desde aquele tempo até hoje, ela também sofre por causa dos pecados da humanidade. Na mesma aparição, o Menino Jesus disse a Lúcia: “Tem pena do Coração de sua Santíssima Mãe, que está coberto de espinhos, que os homens ingratos, a todo momento, cravam-lhe sem haver quem faça um ato de reparação para os tirar”.
Depois de mostrar seu Coração Imaculado cercado de espinhos, Nossa Senhora revelou à então postulante Lúcia, a devoção reparadora dos cinco primeiros sábados do mês:
“Olha, minha filha, o Meu Coração cercado de espinhos, que os homens ingratos a todos os momentos Me cravam com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar, e dize que todos aqueles que durante cinco meses, no primeiro sábado, se confessarem, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um Terço, e Me fizerem quinze minutos de companhia, meditando nos quinze mistérios do Rosário, com o fim de me desagravar, Eu prometo assistir-lhes, na hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação dessas almas”.
Portanto, depois de fazermos todo esse caminho de reflexão,
podemos concluir que a devoção a Nossa Senhora do Carmo está intimamente ligada
com a espiritualidade do Santo Rosário e com a consagração ao Imaculado Coração
de Maria, da qual faz parte de devoção reparadora dos cinco primeiros sábados.
Estas são devoções que, de certo modo, já faziam parte do patrimônio da
espiritualidade da Igreja Católica. No entanto, pela Providência divina, nos
foram dados a conhecer que estas não somente são queridas por Deus, mas também
são os meios que nos são dados hoje para nos aproximar de Jesus e Maria e
reparar as ofensas cometidas contra seus Sagrados Corações. Sendo assim, usemos
com fé e devoção o Escapulário, rezemos com atenção e confiança o Santo
Rosário, consagremo-nos ao Imaculado Coração de Maria e pratiquemos a devoção
reparadora dos primeiros sábados. Nossa Senhora do Carmo, rogai por nós!
Como era possível que uma jovem de vinte e quatro anos, mortalmente doente e mergulhada em terríveis tentações contra a fé, espargisse tanta felicidade ao seu redor?
Por Lorena Mello da Veiga Lima
Abrem-se as portas. É um
ambiente simples, denota pobreza e austeridade. Atravessando o corredor e
passando pelo claustro ornado de vegetação outonal, entramos na
enfermaria, que fica no ângulo nordeste. Aqui encontramos toda a
comunidade de religiosas carmelitas ao redor de um leito, sobre o qual está uma
religiosa de tão só vinte e quatro anos, minada pela
tuberculose até o extremo. Ir. Teresa do Menino Jesus e da
Santa Face vai morrer.
Trata-se de uma cena trágica sem dúvida,
mas em certo sentido comum, pois expirar na clausura não era algo raro, tanto
mais em fins do século XIX. Incomum, isso sim, era o alcance do que se
passava: uma das maiores Santas dos últimos tempos estava em agonia.
Uma grande Santa, graças ao amor
Diversamente de outros Santos ao
longo da História da Igreja, ela não foi uma alma favorecida com êxtases,
visões ou brilhantíssimas e inéditas comunicações celestiais. Não se podem
negar as graças místicas que a Providência lhe concedeu, tais como o sorriso de
Nossa Senhora, o sonho com a Beata Ana de São Bartolomeu e, por fim, a última
graça de sua vida, um visível arroubo sobrenatural antes de exalar o último
suspiro. Sem embargo, fora essas ocasiões excepcionais, a santidade de
Santa Teresinha manifestou-se no dia a dia. O que a fez eminente
não foram as revelações, nem as penitências, nem os milagres, mas sim o amor.
Esta era a sua vocação!
Suas palavras foram guardadas e
legadas aos fiéis graças à intuição que algumas das circunstantes tiveram de
que, mesmo na vida comum, Teresinha não era uma alma qualquer. Sua
simplicidade cativante dava mostras de um singular chamado da parte de Deus. E
não erraram! Até hoje seus escritos e ditos têm sido motivo de graças
para um número incalculável de pessoas e continuarão a ser, estou segura,
até o fim dos tempos.
Caráter jovial e vivo
Importantes foram as declarações
feitas nos derradeiros meses de sua curta existência. Nelas reluzem a plenitude
a que Teresa havia chegado. Dos vários “vidrinhos” que compõem o vitral da
personalidade da Santa de Lisieux manifestada neste último período, um chama
especial atenção: sua alegria, profunda e contagiante! Como alguém
acometido por uma dolorosa e mortal doença, mergulhada em terríveis tentações
contra a fé, conseguia espargir tanta felicidade ao seu redor?
O bom humor era próprio ao seu
caráter. Desde pequena, mesmo em meio à crise de escrúpulos que sofreu na
infância, ela sabia conservar o semblante distendido, comunicar bem-estar aos
demais e até mesmo ter ditos que chegavam à comicidade! O escrito
autobiográfico conhecido como Manuscrito A, preparado entre 1895 e
1896, conserva narrações desse gênero, e até mesmo as cartas redigidas no
Carmelo podem suscitar alegres gargalhadas. Não resisto em citar uma delas.
Em março de 1897 ela escreveu
a um sacerdote, seu irmão espiritual, que naquele tempo
estava na China. Ele lhe havia narrado aspectos pitorescos de sua
missão; ela, dando continuidade e até mesmo ampliando o tom
jocoso, relata também um acontecimento sui
generis passado sob o teto em que vivia:
“Pensais que no Carmelo não temos
às vezes aventuras divertidas? O Carmelo, como o Su-Tchuen, é um país estranho
ao mundo, onde se perdem os costumes mais elementares. Eis aqui um pequeno
exemplo. Uma pessoa caridosa fez-nos, ultimamente, um
presente de uma pequena lagosta bem amarrada numa cesta. Sem dúvida,
havia muito tempo que esta maravilha não era vista no mosteiro. Contudo, nossa
boa irmã cozinheira lembrou-se de que era preciso colocar o animalzinho
vivo na água para cozinhá-lo. Assim fez, lamentando-se de ser obrigada a
exercer tamanha crueldade com uma inocente criatura. A inocente criatura
parecia adormecida e deixava fazer com ela o que quisessem, mas, tão
logo sentiu o calor, sua doçura transformou-se em fúria e, conhecendo sua
inocência, não pediu a permissão de ninguém para pular para o meio da
cozinha, pois seu caridoso carrasco ainda não tinha posto a tampa na panela.
“Imediatamente, a pobre
irmã se arma com umas tenazes e corre atrás da lagosta que dá saltos
desesperados. A luta continua por longo tempo até que, cansada de lutar,
a cozinheira, sempre armada com suas tenazes, vem toda em
lágrimas ao encontro de nossa madre e declara-lhe que a lagosta
está endemoninhada. Seu aspecto dizia muito mais que suas palavras. (Pobre
criaturazinha tão doce, tão inocente há pouco… Eis que estás agora
endemoninhada! Verdadeiramente, não se deve crer nos elogios das
criaturas!) Nossa madre não pôde deixar de rir escutando as
declarações do severo juiz que reclama justiça. Foi depressa à cozinha,
apanhou a lagosta que, não tendo feito voto de obediência, opôs alguma
resistência e, depois, tendo-a colocado em sua prisão, foi-se embora,
mas após ter fechado bem a porta, isto é, a tampa.
“De noite, no recreio, toda
a comunidade riu até às lágrimas da pequena lagosta endemoninhada e, no dia
seguinte, cada uma pôde saborear um bocado dela. A pessoa que nos quis
agradar não falhou na sua intenção, pois a famosa lagosta, ou melhor, sua
história, haverá de nos servir de festim mais de uma vez, não no refeitório,
mas no recreio. Pode ser que minha historiazinha não vos pareça muito
divertida, mas asseguro-vos que, se tivésseis assistido à cena, não
teríeis conseguido ficar sério”.1
Ditos pitorescos que reluzem santidade
O mais impressionante é que
esse lado vivaz e travesso de Santa Teresinha não se perdeu no percurso para a
morte; no leito da enfermaria, rumando para a sepultura, brilhou muitas
vezes: “Ela se diverte falando-nos de tudo o que acontecerá depois de
sua morte. Pelos modos com que no-lo refere, a gente, quando
devia chorar, solta gargalhadas, tão engraçada ela é”,2 comentava
sua prima Ir. Maria da Eucaristia.
Ela possuía grande esperteza
nesse objetivo, uma rapidez incrível para formar jogo de palavras, mímicas e
até carícias as mais inesperadas! Em meio aos incômodos de um dos frequentes
ataques de tosse, por exemplo, ela brincava dizendo: “Tusso! Tusso! Até
pareço a locomotiva de um trem que chega à estação”. E continuava com um
inocente ato de fé: “Também eu chego a uma estação: a do Céu, e eu o
anuncio!”3
Sua irmã e noviça, Celina,
lamentava-se de que, após a partida de Teresinha, iria ficar louca.
Então, utilizando a expressão Bon Sauveur – Bom
Salvador em francês –, que aludia também à casa de saúde
mental onde seu pai fora internado, a Santa respondeu: “Se ficardes louca, […] o
‘Bom Salvador’ virá vos buscar!”4 Com
outro trocadilho animou a mesma irmã, a qual dizia às outras que não
conseguiria viver sem ela: “Tendes razão. Por isso vos trarei duas
[asas]…”5 Ela – elle –
e asa – aile – têm a mesma pronúncia no francês. No fundo,
queria incutir em Celina o desejo de pairar acima das amarguras da vida terrena
e ver os acontecimentos com perspectivas celestes.
Mesmo apalpando a morte, Santa
Teresinha encontrava imagens espirituosas. Chamava a Jesus de Ladrão,
tendo em vista que um dia Ele viria “roubá-la” para a eternidade: “Não
tenho medo do Ladrão… Vejo-O de longe e não me ponho a gritar: Socorro! Ladrão!
Ao contrário, chamo-O, dizendo: Por aqui! Por aqui!”6 E
sobre o fato de Nosso Senhor demorar em buscá-la, gracejava amorosamente:
“Quando Ele me engana, faço-Lhe toda a sorte de cumprimentos, de tal modo que não
sabe mais como agir comigo”.7 Desse modo
insinuava que, a cada “decepção” por ver-se ainda neste vale de lágrimas, ela
retribuía com maiores atos de virtude e de aceitação da vontade divina.
No dia em que desceu à
enfermaria, ao ser posta na mesma cama em que a Madre Genoveva recebera
por três vezes a Extrema-Unção, soltou um chiste: “Colocaram-me ‘num leito de
infelicidade’, um leito que nos faz perder o trem”.8 E,
em sentido contrário, quando o Pe. Maupas se recusou a lhe administrar este
Sacramento, ela “planejou” a próxima visita do referido sacerdote: “Da outra
vez, vou usar de ‘fingidura’, tomarei uma xícara de leite antes de ele chegar,
porque depois disso sempre tenho muito pior aparência;9 em
seguida, mal responderei, dizendo que estou agonizando”.10 Ela
representava uma verdadeira comédia, comentam as que presenciaram a cena.
Numa ocasião em que o mosteiro
recebeu flores artificiais em boas caixas de madeira da casa Gennin, disse para
fazer as circunstantes rirem em meio ao drama de sua doença: “Gostaria
de ser colocada numa caixinha a ‘Gennin’, não em um caixão!”11 Em fins de agosto, recebendo a notícia
de que o Bispo iria visitá-la, ponderou rindo: “Se ao menos fosse São Nicolau,
que ressuscitou três crianças!”12
De onde vinha tanta alegria?
Não terminaríamos frutuosamente
este artigo se somente transcrevêssemos os gracejos da Santa de Lisieux. Para
tirar proveito duradouro, cabe-nos meditar sobre a origem dessa
capacidade incrível de viver alegre em meio às maiores torturas de alma e de
corpo.
Em primeiro lugar, desejava
que ninguém se acabrunhasse com seus padecimentos e futura ausência. Certamente
o que mais lhe doía era ver sofrerem aqueles a quem
amava; e, querendo poupar-lhes isso, fazia brotar de si a
felicidade necessária para contagiá-los e consolar suas mágoas:
“Quando posso, desdobro-me o mais possível para estar alegre, para dar
alegria”.14 Mas não ousemos duvidar,
como o fez Madre Inês de Jesus certa vez, da sinceridade de Santa
Teresinha: “É para não nos entristecer que mostrais esse ar e dizeis
palavras divertidas, não é?” Uma resposta categórica dissipou o juízo
errôneo: “Sempre ajo sem fingimentos”.15
Outro motivo de sua alegria pode
ser vislumbrado nas afirmações da própria Teresa: “O Bom Deus sempre me fez
desejar o que queria me dar”.16 As
graças recebidas ao longo de sua existência orientaram-na a almejar ser
consumida no Amor, junto a um pressentimento profundo de que morreria
jovem. E a tuberculose era a prova mais patente de que estava sendo atendida:
“É inacreditável como todas as minhas esperanças se realizaram”.17 Portanto, a boa disposição que
manifestava em meio à proximidade da morte constituía, em síntese, o canto da
alma grata pela fidelidade de seu Senhor e Pai.
Um ensinamento dado no início de
sua convalescença é valioso: “Vejo sempre o lado bom das coisas. Há
quem tome tudo de maneira a sofrer o mais possível. Quanto a mim, é o
contrário. Se estou no mais puro sofrimento, se o Céu está de tal forma escuro
que não veja nenhuma claridade, é… Então, faço disto a minha alegria”.18
Uma missão prestes a iniciar
Por fim, sua felicidade
consistia também em vislumbrar, entre as brumas da provação, sua missão
vindoura, a chuva de rosas se formando no horizonte: “Uma única
expectativa faz bater meu coração: o amor que receberei e que poderei dar. E,
depois, penso em todo o bem que gostaria de fazer após minha morte:
fazer batizar as crianças, ajudar os sacerdotes, os missionários, toda a
Igreja”; “Minha missão vai começar, minha missão de fazer amar
o Bom Deus como eu O amo, de dar a minha pequena via às almas. Se o Bom Deus atender
aos meus desejos, meu Céu se passará sobre a terra até o final dos tempos.
Sim, quero passar meu Céu fazendo o bem sobre a terra. […] Meu
coração estremece ante esse pensamento…”20
Que cada um de nós, ainda
peregrinos sobre a terra, recorra a Santa Teresinha do Menino Jesus! Elevemos a
ela súplicas confiantes e uma chuva de rosas será derramada sobre nós.
Atrevo-me a assegurar que, assim, estaremos a ajudando no cumprimento de sua altíssima
missão e aumento de sua alegria no Paraíso, a mesma alegria que somos chamados
a gozar um dia em sua companhia. ◊
Notas
1 Carta
221. Ao Pe. Roulland, 19/3/1897. O texto desta carta e as palavras de Santa
Teresinha recolhidas nos Últimos colóquios, citados no presente
artigo, foram transcritos de: SANTA TERESA DO MENINO JESUS E DA SANTA
FACE. Obras Completas. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2021.
2 GAUCHER,
Guy. A paixão de Teresa de Lisieux. 4.ed. São Paulo: Loyola, 1998,
p.130.
3 Últimos
colóquios. Caderno amarelo, 7 de maio, n.3.
4 Idem,
Teresa a Celina, julho, n.2.
5 Idem,
4 de agosto, n.3.
6 Idem,
A Maria do Sagrado Coração, 9 de junho, n.4.
7 Idem,
Caderno amarelo, 6 de julho, n.3.
8 Idem,
A Maria do Sagrado Coração, 8 de julho, n.4.
9 Santa
Teresinha nunca gostou de leite, pois sentia-se mal quando o bebia.
10 GAUCHER,
op. cit., p.134.
11 Últimos
colóquios. Caderno amarelo, 8 de julho, n.17.
12 Idem,
27 de agosto, n.2.
13 Idem,
24 de setembro, n.5.
14 Idem,
6 de setembro, n.2.
15 Idem,
13 de julho, n.7.
16 Idem,
13 de junho, n.15.
17 Idem,
31 de agosto, n.9.
18 Idem,
27 de maio, n.6.
19 Idem,
29 de agosto, n.2; 30 de agosto, n.2.
20 Idem, 13 de julho, n.17; 17 de julho.
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