A doença do mundo: a falta de amor e o caminho sanjuanista para a cura
Vivemos em um tempo de paradoxos. O mundo nunca esteve tão
interconectado e, no entanto, poucas vezes se sentiu tão dilacerado. A
violência, o ódio, a indiferença e a fragmentação social nos golpeiam em cada
canto: famílias divididas, povos em conflito, comunidades incapazes de escutar
o sofrimento do outro. Por trás de todo esse panorama late uma verdade
incômoda: a sociedade atual está enferma de falta de amor.
São João da Cruz, séculos atrás, diagnosticava com precisão
essa mesma doença. Para ele, a raiz da enfermidade humana não era simplesmente
um mal moral ou psicológico, mas algo mais profundo: uma incapacidade de amar.
Fomos criados para o amor — «ao fim para este fim de amor fomos criados» (CB
29,3) — e, quando nos afastamos dessa vocação essencial, nossa vida se converte
em um campo de batalha interior que inevitavelmente se projeta para fora.
A violência que vemos no mundo é a sombra de um coração
vazio. Quando não experimentamos o amor verdadeiro — esse amor que nasce de
Deus e se compartilha com os outros — tentamos preencher o vazio com poder, com
prazer, com domínio. Mas essa tentativa apenas alimenta o egoísmo, o narcisismo
e a desconfiança. O que não curamos dentro de nós lançamos contra os outros,
como lembrava Jung e como também percebeu São João da Cruz: quem não reconhece
sua própria escuridão acaba projetando-a em seu irmão, transformando-o em
inimigo.
Assim, o ódio, a inveja, a violência e a guerra não são
outra coisa senão os sintomas coletivos de uma alma ferida. A doença do mundo
não se resolve com mais controle, mais leis ou mais tecnologia: precisa de uma
cura ontológica, um voltar ao centro do nosso ser onde habita a fonte do amor.
E isso, dizia São João, só Deus pode fazer.
O fogo que purifica
O caminho sanjuanista não é cômodo nem superficial: é uma
descida à verdade mais crua de nós mesmos. A noite escura da qual ele fala não
é um castigo, mas a terapia divina. Deus, como médico, permite que nossas
seguranças, orgulhos e ilusões se quebrem, para nos abrir ao único bálsamo que
cura: o seu amor.
São João expressa isso com crueza e beleza: a alma está
enferma porque não ama, e somente à medida que o amor cresce dentro dela vai
recuperando a saúde. Quando esse amor é pleno, a cura se consuma (CB 11,11). O
processo não é instantâneo nem indolor: é como a lenha ardendo no fogo, que ao
princípio resiste, geme e expulsa sua umidade, até se transformar em chama.
O desafio para a nossa sociedade
Hoje, o mundo necessita urgentemente voltar a essa
sabedoria. Enquanto tentarmos enfrentar o ódio com mais ódio, a violência com
mais violência, continuaremos alimentando a doença. A cura começa em cada
coração que se deixa amar por Deus, que ousa reconhecer sua própria escuridão e
deixar que a luz a purifique.
São João da Cruz nos recorda que a verdadeira revolução não
começa fora, mas dentro: no silêncio da contemplação, na abertura humilde ao
fogo do Amor. Ali se gera a única força capaz de transformar famílias,
comunidades e nações: a misericórdia nascida de um coração curado.
Conclusão
O mundo está enfermo porque esqueceu que foi criado para
amar. A violência, o ódio e a desesperança não são senão os gritos de um
coração coletivo que clama por voltar à sua fonte. A terapia que propõe São
João da Cruz não é mais uma receita piedosa, mas um caminho radical: entrar na
noite, deixar-nos purificar, arder no fogo de Deus até que nosso amor recupere
sua origem.
Somente então, quando aprendermos novamente a amar com o
amor de Deus, poderemos ver um mundo que se cure de sua doença e volte a
respirar a paz que tanto anseia.
Fonte na qual esta reflexão se baseou:
Daniel
Chowning, Sanados por el amor. La contemplación como un proceso de sanación
en las obras de San Juan de la Cruz, Revista de Espiritualidad (59), 2000.