O trabalho que não cabe nas mãos

 Membros do Capítulo Geral de 2025, Malang, Indonésia.

Há palavras que atravessam séculos sem perder o fôlego. Uma delas está na Regra Carmelita: “Vocês devem ter algum tipo de trabalho a fazer.” À primeira vista, soa como recomendação prática — plantar, cozinhar, ensinar, escrever. Mas o Capítulo Geral de 2025, reunido em Malang, lembrou que esse “trabalho” vai muito além da ocupação das mãos: é a missão que brota do coração.

O Carmelo não se entende sem silêncio, mas também não se entende sem serviço. Oração sem fraternidade vira fuga; fraternidade sem oração vira clube social; serviço sem as duas vira ativismo cansado. O tripé é claro: rezar, viver juntos, servir. E tudo isso de modo contemplativo — como quem enxerta a eternidade no cotidiano.

Os frades e delegados olharam o mundo com honestidade: guerra, migração, pobreza, clima doente, racismo, abusos. Não há romance possível aí, só dor crua. Mas também perceberam vitalidade: jovens que buscam autenticidade, comunidades que florescem na Ásia e África, leigos que carregam o carisma para dentro de famílias e paróquias. O Carmelo não está à beira da morte; está no meio da travessia.

O bonito foi perceber que o Capítulo não se contentou em listar problemas. Houve lágrimas pelos mortos, houve gratidão pelos frutos, mas houve sobretudo esperança com os pés no chão. Uma esperança que não é autoajuda barata nem otimismo forçado, mas aquela esperança cristã que nasce da cruz e sabe que o Espírito sopra até nos desertos mais secos.

A crônica de Malang é simples: não basta manter estruturas antigas só porque são antigas; não adianta correr para abrir frentes novas só porque parecem modernas. O trabalho do Carmelo é outro: ser presença que respira Deus. Estar no meio do povo de modo tão transparente que alguém, ao olhar para nós, sinta algo do perfume do Monte Carmelo.

E aí a Regra ganha nova carne: “ter algum tipo de trabalho a fazer” não é se ocupar de qualquer coisa, mas transformar cada coisa em missão. Cozinhar pode ser missão. Estudar pode ser missão. Cuidar de pobres pode ser missão. Celebrar a liturgia com dignidade pode ser missão. O critério não é a função, mas o espírito.

O Capítulo terminou, os delegados voltaram para suas terras, mas o recado ficou: ou o Carmelo é fonte de água viva no deserto do mundo, ou não é nada.

Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.