No deserto, Deus sussurra
Há lugares onde o barulho do mundo não chega. Ou melhor:
onde ele chega só para ser silenciado. O deserto — esse espaço sem distrações
nem maquiagem, onde toda pose derrete sob o sol — é onde Deus sussurra. E não
há espiritualidade verdadeira sem atravessar esse vazio.
O deserto não é metáfora suave, não é retiro gourmet
com Wi-Fi e lanche vegano. É abandono, fome, sede, tentação, dúvida. E,
se formos honestos, ele nos visita mais vezes do que queremos admitir. Quem
nunca sentiu vontade de deitar sob uma árvore e dizer: “Já basta, Senhor.
Tira-me a vida?”
Foi assim com Elias. Profeta em chamas, coração
incandescente, mas também homem quebrado. Um místico, sim, mas com medo. Um
santo, mas com esgotamento. E o que faz Deus diante disso? Não dá sermão. Dá
comida. Dá pausa. Deus respeita o cansaço. Não exige super-heróis — quer fiéis
que escutem até o sussurro.
E nesse sussurro está o milagre. Porque o milagre nem sempre
é fogo caindo do céu. Às vezes é o silêncio que consola, o pão simples que
sustenta, a força discreta que nos faz caminhar quarenta dias e quarenta
noites, ainda que tudo em nós gritasse que não daríamos conta nem de um.
Jesus também passou por esse deserto. E foi lá, longe de
multidões, que se revelou não como um deus inatingível, mas como homem de
verdade — com sede, fome, angústia. Tentado, sim. Mas não vencido. E a vitória
de Jesus não foi mágica, foi fidelidade. Ele não aceitou atalhos, não se dobrou
ao show fácil do diabo, não brincou de milagreiro. Apenas confiou.
A espiritualidade do deserto é essa: não gritar para Deus,
mas escutá-lo sussurrar. Não fugir da dor, mas atravessá-la com fé. Não se
apoiar na lógica do mundo, que premia o espetáculo e o poder, mas viver da
confiança radical de que Deus sustenta mesmo quando tudo em volta parece
falhar.
Os profetas foram desprezados, perseguidos, desacreditados.
Nada novo sob o sol. Quem fala a verdade hoje também é taxado de exagerado, de
louco, de anacrônico. Mas é por isso mesmo que o profetismo ainda é necessário.
Porque há sincretismo, injustiça, mentira institucionalizada. E só quem esteve
no deserto sabe reconhecer a mentira no oásis falso.
Vivemos uma época em que os desertos são mascarados por
telas e barulho. Mas basta um luto, uma crise de fé, uma humilhação, uma doença
— e lá estamos nós, sem filtros, cara a cara com o vazio. É ali que a
espiritualidade ou nasce ou morre. Mas se nasce... ah, se nasce... ela nasce
pura, resistente, real. Como o amor de um Deus que não grita — mas sussurra.
Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.