Onde o vento cala e Deus fala

Há lugares onde a alma fala alto porque o mundo silenciou. O deserto é um desses lugares.

Não falo do Saara de cartão-postal nem das dunas instagramáveis do Atacama. Falo do deserto real: aquele que seca por dentro, onde a fé range como porta velha, onde só o essencial sobrevive. Esse deserto, o do espírito, é onde Moisés encontrou Deus. E onde Deus insiste em encontrar a gente.

Moisés, homem de carne e dúvida, não era herói de capa ou selfie. Era um fujão. Fugiu do Egito, dos homens, dos próprios erros — e foi cair no deserto. Mas foi ali, no silêncio árido, que a sarça ardeu e Deus falou. Não no palácio, não no templo, mas no meio do nada. Por quê?

Porque no tudo não ouvimos nada. No nada, ouvimos tudo.

Ali, descalço diante do mistério, Moisés ouve: “Eu vi o sofrimento do meu povo. Eu ouvi seu clamor.” Deus se revela como alguém que vê, ouve, sente — e age. Mas, curiosamente, age por meio de um homem hesitante, com medo, gago. Um homem que diz “envia outro” e, mesmo assim, vai. Moisés não confiava em si, mas Deus confiava nele. Essa é a pedagogia do deserto: não se trata de você. Trata-se de quem caminha com você.

O deserto é lugar de encontro, sim — mas não é spa espiritual. É ralação. Lá o povo murmurou, traiu, xingou Moisés e até quis voltar para o Egito. É fácil rir da cara deles com nossa sabedoria de sofá, mas sejamos honestos: quem nunca quis voltar para uma escravidão confortável quando a liberdade começou a doer?

Moisés foi até o limite — físico, emocional, espiritual. Implorou para que Deus tirasse o peso. Mas não largou o povo. E Deus, em silêncio, continuou ao lado. Não deu atalhos. Deu nuvem de dia, fogo à noite. Só isso. E isso foi tudo.

Há uma beleza severa nisso. No deserto não tem espetáculo. Só fidelidade. Uma caminhada sem glória instantânea, sem final de série da Netflix. Apenas a rotina da esperança. Caminhar por fé, não por vista. Amar sem aplauso. Obedecer sem entender.

Moisés nunca entrou na Terra Prometida. O herói da fé morreu vendo de longe o que nunca tocaria. Porque para ele, o mais importante já tinha acontecido: ele conheceu Deus no fogo que não consome, e caminhou lado a lado com Ele no chão seco da vida.

Hoje, a Jerusalém celeste é o nosso norte. Mas o deserto continua. Em forma de silêncio, doença, decepção, cansaço existencial. Não estamos sós. A sarça ainda arde. O fogo ainda guia. E o Ressuscitado, nosso novo Moisés, agora não caminha apenas ao nosso lado: caminha dentro de nós.

Então, quando tudo secar — tua fé, tuas forças, teus planos — não te assustes. Pode ser o deserto. Pode ser o início do encontro.

Deus ainda fala onde o vento cala.

Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.