Feridas da Alma — e os Remédios de Cristo: Acídia

Acídia: Quando a Alma Perde a Vontade de Amar

Introdução

A acídia é aquele desânimo pesado que cola na alma e diz: “pra quê rezar?”, “pra quê lutar?”, “deixa pra lá...”. É tristeza diante do bem espiritual. Não é só preguiça — é uma tristeza que detesta a exigência do amor. É o coração dizendo: “Amar dá trabalho demais.”

Os Padres do Deserto falaram muito desse bicho: chamavam-no de daemon meridianus — o demônio do meio-dia. Aquele momento em que o sol tá quente, tudo parece parado, e dá uma vontade enorme de largar tudo, desistir da santidade, fugir de Deus, viver no “modo zumbi”.

São Tomás de Aquino explica que a acídia nasce quando fugir das obrigações espirituais parece mais fácil do que encarar a cruz. O tédio com as coisas de Deus é só a capa: lá no fundo, o que acontece é que a alma não quer se entregar, não quer ser ferida pelo amor.

Santo Agostinho também enfrentou isso. A acídia dele tinha nome: adiar a conversão. Ele sabia o que devia fazer, mas ficava naquela: “amanhã eu resolvo”. E assim a graça passava na sua frente enquanto ele cochilava espiritualmente.

Cristo, porém, não abandona quem está caído no chão da própria falta de vontade. Ele se aproxima com aquela luz suave e pergunta: “Quer mesmo ficar curado?” Porque Ele sabe: a acídia faz o coração desacreditar da própria cura.

O vazio que alimenta os outros vícios

A acídia é filha ingrata da ira e da soberba: quando a realidade não se curva ao nosso desejo, a frustração vira desânimo. “Já que não é do meu jeito, não será de jeito nenhum.” O orgulho ressentido se deita no sofá da alma.

Ela é mãe da luxúria: quem não busca alegria em Deus, procura anestesia rápida no prazer. A alma que evita o Amor verdadeiro cai na sedução do amor barato. Quando a oração cansa, o pecado promete diversão.

Ela empurra para a gula: comer e beber viram fuga do vazio. A acídia diz: “Se não dá pra ser santo, pelo menos dá pra ser cheio.” Mas encher o estômago nunca preenche o coração.

A acídia facilita a avareza: busca-se segurança nas coisas externas, porque o interior está em ruínas. Quando a alma não confia no Deus vivo, ela se apega ao que passa: bens, status, distrações.

E pior: ela rouba a caridade. A pessoa que não quer amar, aos poucos deixa de querer o bem — do outro e de si mesma. A acídia esfria tudo: vocação, amizade, chamado, propósito. É gelo no altar.

Conclusão: O Remédio é Amar Mesmo Sem Vontade

A cura começa com uma decisão meio heroica: levanta e reza, mesmo sem sentir nada. Deus age muito no “modo seco”. O amor é mais ação do que emoção. A graça trabalha forte quando o coração está fraco.

A disciplina espiritual é medicina: ter horário de oração, leitura da Palavra, sacramentos frequentes — especialmente Confissão e Eucaristia — é como um personal trainer da alma: puxa, dói, mas transforma.

Outra coisa: caridade ativa. Quando você serve alguém que precisa, o coração começa a descongelar. A acídia quer isolamento; a graça nos empurra para comunhão. Ajudar o próximo faz o amor voltar a pulsar.

E lembra: Cristo não tem nojo da tua fraqueza. Ele não chama apenas os “super devotos”. Ele chama os cansados, os mornos, os que estão no limite. O Espírito Santo reacende brasas quase apagadas. Basta um sopro — e tudo volta a brilhar.

Então segura essa verdade que humilha o demônio do desânimo: O céu é para quem continua tentando. Santo é aquele que insiste. Quem cai mil vezes e levanta mil e uma. Quem, mesmo exausto, ainda sussurra: “Jesus, eu confio em Vós.”

Por Ir. Alan Lucas de Lima, OTC
Carmelita Secular da Antiga Observância