Entre o Leão Real e o Leão Imaginado
Diário de um Católico na Contrarrevolução — Parte 36
O choque do real com o sonhado
Há momentos em que a História nos olha nos olhos e diz:
“acorda”. A eleição de Leão XIV — esse nome pesado como mármore romano e
incenso antigo — foi exatamente isso. Um choque. Não o êxtase fácil do
entusiasmo ingênuo, nem o desespero histérico de quem já decreta o fim da
Igreja a cada fumaça branca. Foi outra coisa: um silêncio interior, denso,
quase litúrgico, onde a esperança e a desconfiança se sentaram no mesmo banco.
Durante décadas, “Leão XIV” foi um símbolo. Um arquétipo. O
papa que viria restaurar o que foi quebrado, reerguer o que foi rebaixado,
chamar as coisas pelo nome. E agora o nome chegou — mas o homem é real,
limitado, marcado por escolhas, discursos e alianças. Eis o drama católico de
sempre: Deus escreve reto com linhas tortas, e nós precisamos aprender a ler
sem romantizar.
Sinais, gestos e o peso da forma
Não sejamos superficiais: a forma importa. Sempre
importou. Quem despreza a forma acaba desprezando o conteúdo — e isso a
Tradição já ensinou, com sangue e ouro. O fato de Leão XIV ter surgido com a
mozeta, a estola tradicional, o latim na bênção, não é detalhe estético. É
linguagem. É gramática católica. É dizer sem dizer: a Igreja não começou
comigo.
Depois de anos de “criatividade pastoral”, ver a normalidade
reaparecer soa quase revolucionário. Ironia fina da História: hoje, o
tradicional parece subversivo. O simples retorno ao que sempre foi feito parece
um ato de coragem. Mas sejamos adultos na fé: gestos não substituem decisões,
e símbolos não dispensam doutrina.
O nome escolhido também fala. Leão. Não Francisco II, não
Inocêncio XIV inventado, não ruptura disfarçada de novidade. Leão carrega São
Leão Magno, o defensor da ortodoxia contra as heresias cristológicas; carrega
Leão XIII, que enfrentou o mundo moderno sem ajoelhar-se a ele. Mas o nome, por
si só, não garante o conteúdo. A história da Igreja já nos ensinou isso — mais
de uma vez.
Exemplos concretos — a Missa, o modernismo e o fio da navalha
Aqui está o ponto onde a Contrarrevolução afia a pena.
O modernismo não chega berrando. Ele entra sorrindo, falando
de pontes, processos, escuta e “novos paradigmas”. Ele não nega a fé
frontalmente; ele a dissolve. E o campo de batalha mais visível disso continua
sendo a Missa Tridentina. Não porque ela seja um fetiche arqueológico,
mas porque ela é um freio. Um freio teológico, espiritual e
antropológico contra a ideia de que tudo pode ser reinventado.
Dizer que alguém é “uma ponte” entre tradição e progressismo
soa bonito — até lembrarmos que pontes servem para atravessar, não para
permanecer. A pergunta real é: atravessar para onde? A história recente mostra
que, quando a Tradição cede “temporariamente”, o provisório vira permanente e o
permanente vira suspeito.
A esperança aqui não está em ilusões pessoais sobre Leão
XIV, mas na força objetiva da Tradição. Santos não foram santos porque
tinham o papa ideal, mas porque permaneceram fiéis quando não tinham. Atanásio
contra o mundo. Catarina de Sena falando duro com papas fracos. Pio V
reformando sem pedir desculpas ao espírito do tempo.
Conclusão: vigilância, fidelidade e esperança sem anestesia
Este novo capítulo do Diário não é um hino triunfalista, nem
um réquiem antecipado. É um chamado à lucidez católica. Amar o
Papa não é bajulá-lo; é rezar por ele e não mentir para si mesmo. Obediência
não é servilismo, e esperança não é cegueira.
Se Leão XIV quiser ser verdadeiramente Leão, terá de rugir —
não contra espantalhos ideológicos, mas contra o modernismo que corroeu a
clareza doutrinal, banalizou o sagrado e tratou a Tradição como problema a ser
gerenciado. Se não o fizer, a Igreja continuará — porque ela sempre continua —,
sustentada pelos pequenos fiéis, pelos padres que rezam em latim nas catacumbas
modernas, pelas famílias que ensinam o catecismo antigo na mesa da cozinha.
A Contrarrevolução não depende de um homem só. Ela depende
da fidelidade cotidiana ao que sempre foi crido, rezado e vivido. O trono de
Pedro é alto, mas a Cruz é mais alta ainda.
E é nela — não em expectativas românticas — que repousa a
nossa esperança.
Por um Católico consciente e atento ao cenário eclesial
do Brasil e do Mundo.