Crônica da Alma Que Não Desistiu

Era uma vez uma alma. Uma daquelas que ninguém nota na rua, que reza baixinho no banco da igreja, que limpa os olhos disfarçando as lágrimas. Uma alma comum. Mas dentro dela ardia um desejo tão antigo quanto o Gênesis: “Quero ver Deus.”
No começo, tudo era luz. A alma sentia doçuras na oração,
estremecia ouvindo o nome de Jesus, e sonhava em ser santa como quem sonha em
ser astronauta — de olhos fechados, mirando o infinito.
Mas o céu, que começa com estrelas, é também feito de
noites. E assim chegou a via purgativa, aquela faxina divina que desce
ao porão e arranca o mofo da alma com escova de aço. As consolações sumiram, as
orações ficaram secas como pedra do deserto. Ela perguntava:
— Senhor, onde estás?
Mas só o silêncio respondia. E ainda assim, ajoelhava. Mesmo
sem sentir. Mesmo sem entender.
Perseverou.
Veio então a via iluminativa. Agora o problema não
era fora — era dentro. O orgulho de querer ser santa “do meu jeito”. A vaidade
de parecer boa. Deus começou a cavar mais fundo, num lugar onde a alma não
sabia nem que era suja. As luzes internas se apagaram. A fé virou um salto no
escuro.
Ela caminhava como quem anda num bosque à noite, com os
olhos vendados, segurando uma mão invisível. Não havia emoção, nem clareza. Só
vontade. Só amor puro, despido de qualquer vantagem. Amor fiel.
E ela seguiu.
Até que, depois de muito tempo (tempo de Deus, não de
relógio), nasceu uma manhã. Não uma manhã com fogos de artifício, mas daquelas
discretas, onde a luz invade a janela sem pedir licença. A alma entrou na via
unitiva — e nem percebeu. Porque quem ama, já não se olha no espelho. Só
olha para o Amado.
Agora, tudo nela rezava. O jeito de andar, o modo de sofrer,
até o silêncio. O mundo podia estar desabando, e ela permanecia firme, como
árvore no meio do vento:
— Tudo posso, porque Ele vive em mim.
Não virou santa de altar. Mas virou altar ambulante.
E assim, a alma foi se tornando aquilo que sempre buscou.
Não porque venceu, mas porque nunca desistiu. O segredo dela não era
talento, nem revelações místicas, nem dons extraordinários. O segredo era mais
simples e mais raro: perseverança apaixonada.
Porque no fim das contas, os céus não se abrem para os que
voam alto.
Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.