O que a Ressurreição nos ensina

A importância de nossa vida corpórea e seus sofrimentos não
deveria ser exagerada nem subestimada. Temos um corpo por natureza, não por
acidente. Sem o corpo, a alma não está completa. Os sofrimentos desta vida não
serão esquecidos, mas redimidos.
A Ressurreição nos ensina que a importância de nossa
vida corpórea e seus sofrimentos não deveria ser exagerada nem subestimada.
Isso significa enxergar o meio-termo entre materialismo e platonismo.
Em nossa época decadente e sensualista, a mensagem antimaterialista talvez seja
a mais óbvia. O secularista não concebe destino pior do que ambições mundanas
insatisfeitas, casamentos infelizes, contas não pagas, saúde precária e o
próprio leito de morte. E não há para ele bem maior do que fugir dessas coisas.
Woody Allen expressa bem essa mentalidade: “A vida é feita de penúria, solidão
e sofrimento — e tudo acaba muito rápido”.
Isso é patético. Quer seu herói seja Sócrates, São Policarpo
ou aquela gloriosa síntese dos dois, São Justino Mártir, você sabe que ninguém
é tão cego quanto aquele que não consegue enxergar a eternidade que está além
de algumas décadas de vida. A morte só interrompe o tempo que passamos
na sala de espera. Algumas são terrivelmente aborrecidas e desconfortáveis.
Outras têm tantas formas de divertimento, que nos deixam desapontados quando
chega a hora de ir. Em ambos os casos, são apenas salas de espera, e assim é
esta vida.
A morte só interrompe o tempo que passamos na sala de
espera.
Mas isso ocorre não porque tenhamos uma alma imortal, nem porque as coisas terrenas sejam irrelevantes. Nós de fato temos uma alma imortal, e as coisas terrenas realmente não têm valor em si. Mas uma alma imortal não é uma pessoa. Ponto final. É o resquício de uma pessoa, e a perda de seu corpo é um terrível sofrimento, não uma libertação.
A perpétua condição
póstuma da alma é determinada pelo que fizemos e sofremos nesta vida.
Aqui entra a mensagem antiplatônica. Temos um corpo por
natureza, não por acidente. Sem o corpo, a alma não está completa. Ela também
não está destinada a ser purificada de todos os traços do indivíduo que viveu,
respirou, sofreu e morreu, como o atma impessoal do hinduísmo.
A Ressurreição não ensina que a morte não é o fim de sua alma, mas que a morte
não é o seu fim como indivíduo dotado de corpo. Ela nos diz não que os
sofrimentos desta vida serão esquecidos, mas que serão redimidos. Um bem
eterno será tirado de um mal finito, como o vinho que foi tirado da água.
Santo Tomás nos diz que o Cristo ressuscitado carrega suas
chagas perpetuamente como se fossem troféus. São como a cicatriz que um atleta
não ousaria corrigir por meio de uma plástica, para não perder uma lembrança do
que conquistou. Do mesmo modo, a Ressurreição nos ensina que o seu coração
partido, a destruição de suas esperanças terrenas, a dor pela morte de um ente
querido ou por seu corpo débil — a lembrança de todas essas coisas será
como uma das chagas de Cristo após a morte. Ela assumirá uma característica
totalmente diferente, e de fato será vista como aquilo que sempre foi: parte da
purificação e do aperfeiçoamento de um atleta espiritual.
A perpétua condição póstuma da alma é determinada pelo
que fizemos e sofremos nesta vida.
Para aqueles que amam a Deus, afinal. Pois existe um
terrível lado negativo da Ressurreição, na medida em que os corpos dos
perversos — assim como os dos justos — também lhes serão restituídos, e sua
condição também será definida eternamente pelo que alimentaram em seus corações
nesta vida. A memória de seus prazeres ilícitos, de sua fixação por Mamon, de
seu desejo irrefreado por fama e poder, doerá como uma ressaca
perpétua, uma lembrança sem fim de sua estupidez e miopia. “Com certeza
terão sua recompensa”.
Essa recompensa deve ser mais temida do que a morte. Mas
esta é, de fato, assustadora. Como todo filósofo deveria fazer, eu amo e venero
Sócrates. Mas sua morte, por nobre que tenha sido, não foi a morte de um homem
que sabia realmente o que era a morte. Não há dúvida de que sua verdade parcial
está muito mais próxima da verdade integral que a verdade parcial do
materialista. É muito melhor ser um pagão de tipo platonista do que aquela
coisa triste e desprezível que Nietzsche chamou o Último Homem, o
individualista da modernidade secular liberal que só pensa em buscar o próprio
conforto.
Mesmo assim, a julgar pelo Fédon [um dos
principais diálogos de Platão], você poderia pensar que em sua essência a morte
significa adormecer durante uma conversa filosófica com amigos. Mas a realidade
dela é refletida de modo mais adequado em outras imagens — a de Santo Inácio de
Antioquia nos dentes de leões, ou a de São Policarpo no meio das chamas.
Contudo, surpreendentemente, eles enfrentaram esses fins sinistros com o mesmo otimismo de Sócrates. O Último Homem nos diz: “A morte é horrível, então tenha medo dela!” Sócrates nos diz: “A morte não é horrível, então não tenha medo dela!” O cristianismo nos diz: “A morte é horrível, mas não tenha medo dela!”
Por Edward Feser