Oração Ascética, com Santa Teresa (IV)


Os frades da Província Carmelitana de Santo Elias (PCSE), por meio do canal ‘Somos Carmelitas, no YouTube, criaram a série “Aprenda com Santa Teresa de Jesus”, com o objetivo de aprofundar alguns temas da espiritualidade carmelitana, como os apresentados pela santa carmelita, mística, doutora da Igreja e mestra de oração.

Durante o mês de maio, os fiéis tiveram a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre ‘Os quatro graus da oração’ como Santa Teresa apresenta no Livro da Vida. Temática importante para quem deseja iniciar uma vida de oração e busca ter uma intimidade com Deus.

Dentro deste contexto, Frei Juliano Luiz da Silva, O.Carm. – que escreveu e apresenta a série no YouTube – também preparou alguns artigos sobre o tema, que serão publicados no site Carmelitas como forma de auxiliar os fiéis nesta caminhada oracional.



4º Grau da Oração

Esse último e melhor modo de fazer florescer o jardim é “por chuvas frequentes e copiosas”. É Deus mesmo quem se incumbe de regar sem exigir nenhum trabalho do jardineiro.

Santa Teresa fala desse grau da oração em cinco capítulos, precisamente a partir do capítulo 18 do Livro da Vida, diferentemente dos outros graus, por exemplo, o anterior onde Teresa apresenta em apenas dois. Isso provavelmente pela dificuldade de falar sobre a união mística, ou a elevação do espírito que acontece a quem chega a esse grau de oração. Santa Teresa diz que não falaria de algo sem ter ela mesma experimentado longamente. Sobre a dificuldade de se expressar nesse ponto, diz que é difícil como se tivesse que falar em grego.

Enquanto nos outros graus o jardineiro precisou trabalhar, mesmo que nos últimos a alegria foi tão grande a ponto de estar em oração se tornar prazer mais do que fadiga, nesse o jardineiro literalmente não trabalha. Se no grau anterior existia um sentimento de quase morte, aqui é totalmente morte. Quem chega a esse grau da oração morre para as coisas do mundo passando a viver completamente em Deus.

Santa Teresa encoraja as almas para alcançarem esse grau tão alto de união com Nosso Senhor. Ainda que pareça o contrário, é possível atingi-lo na terra, reconhecendo a pequenez diante de Deus, confiando em sua bondade. Também faz boas observações para que, estando a alma tranquila nesse grau, não descuide colocando tudo a perder.

A água que vem do céu com abundância deixa todo o jardim bem irrigado. Seria perfeito se nunca faltasse chuva e se o jardineiro pudesse viver sempre nesse repouso. Mas, enquanto vivemos neste mundo somos sujeitos às mudanças climáticas, diversas estações e, até mesmo, falta de chuva.

O que isso quer dizer?  Que o jardineiro precisa manter-se vigilante e preparado para buscar outros meios de regar o jardim quando a chuva faltar, embora diga Santa Teresa que a chuva do céu “vem muitas vezes quando o jardineiro menos espera”. Isso significa que não podemos esquecer os outros graus da oração. Nesse caso, quando o Senhor não concede a oração infusa, devemos recorrer à oração mental, de ascese, ou seja, ao primeiro grau.

“E SE O JARDINEIRO SE DESCUIDAR E O SENHOR, COM A SUA BONDADE, NÃO QUISER FAZER COM QUE CHOVA OUTRA VEZ, DEVEREMOS CONSIDERAR PERDIDO O JARDIM”.

Falando da oração mental Teresa usa o exemplo de um passarinho. Deus ao ver a pequena criatura esforçando-se com toda sua vontade, voando longe com o intelecto, toma em suas mãos o passarinho e o coloca em seu ninho para que possa repousar. Quer dar um prêmio “e que prêmio!”, diz santa Teresa.

No capítulo 18, Teresa descreve o êxtase. Quem entra neste estado prova imensa alegria, faltam o ar e as forças físicas. Não consegue mover as mãos sem grande esforço. Os olhos se fecham naturalmente e se abertos não enxergam nada direito. A pessoa não pode ler porque as palavras se misturam, escuta, mas, não entende o que houve. Nem ao menos uma palavra é capaz de pronunciar. Teresa voltará a descrever o estado de êxtase durante praticamente todo o capítulo 20.

“ESTANDO À PROCURA DE DEUS DESSA MANEIRA, A ALMA SE SENTE, COM UM GRAN­DE E SUAVE PRAZER, NUM DESFALECIMENTO QUASE COMPLETO, UMA ESPÉCIE DE DES­­MAIO”.

O estado dura pouco, ninguém permanece o tempo todo em êxtase, mas a alma que o experimenta se enche de coragem e grande alegria. Santa Teresa conta que ao entrar nesse estado diante de outras monjas, as proibiu de dizer o que havia acontecido. Em outra ocasião, referindo-se provavelmente ao que chamavam “Festa da Vocação”, que seria o dia do padroeiro do mosteiro (entendemos que seja referindo-se ao mosteiro de São José em Ávila, ou seja, 19 de março), Teresa conta que chegou a deitar no chão tentando disfarçar o que estava acontecendo. Isso porque tinha medo que pensassem que ela fosse alguma pessoa importante tendo seu corpo elevado da terra.

No grau anterior Santa Teresa chama a imaginação de louca, aqui a Santa diz que a imaginação é como uma borboleta que tem as asas queimadas, ou seja, incapaz de se agitar. Depois dessa oração e união com Deus, a alma se enche de coragem a ponto de sentir alegria mesmo que fosse reduzida a pedaços.

Nesse grau o jardineiro divide os frutos da terra com os outros, ou seja, comunica as graças recebidas. Não quer guardar o tesouro somente para si. Mesmo que ele tente disfarçar, não consegue, porque o perfume das flores será tão grande que todos desejarão estar ao seu lado. Não preciso dizer que alguém com vida de oração tão elevada é uma pessoa de presença agradável na vida dos outros.

“ELA COMEÇA A SE MOSTRAR COMO ALMA QUE GUARDA TESOUROS DO CÉU E A TER DESEJOS DE REPARTI-LOS COM OS OUTROS, SUPLICANDO A DEUS QUE NÃO SEJA ELA A ÚNICA ABASTADA”.

Por fim, recordo do alerta que faz Santa Teresa: É IMPOSSÍVEL VIVER COMO UM ANJO NA TERRA.

“NÃO SOMOS ANJOS, POIS TEMOS UM CORPO; QUERER SER ANJO ESTANDO NA TERRA, É UM DISPARATE”.

Seria uma loucura, diz Santa Teresa. Mesmo que a alma sinta-se fora de si, ou sem necessidade de coisa alguma da terra, isso não acontece sempre. Porém, ao estar envolvida nos afazeres, perseguições, sofrimentos, nunca se esqueça: “Cristo é um ótimo amigo!”. Por isso, não serve andar em busca de consolações espirituais, mas devemos estar abraçados à cruz. Aconteça o que acontecer abraçados à cruz!

Se o Senhor quiser elevar a nossa alma a esses acontecimentos, ótimo, caso contrário, sirvamos com humildade onde estamos. Outro alerta é que alguns que chegam a um grau elevado com mais facilidade quer que todos os outros façam o mesmo. Recordemo-nos de um perigo já indicado em outros graus anteriores: alguns apenas por ter chegado à oração de quietude querem já passar para o próximo passo sem aproveitar aquele momento. Precisamos de experiência e discrição, diz Santa Teresa. Já a última frase da nossa Regra ensina que a “discrição é moderadora das virtudes” (Utatur tamen discritione que virtutum est moderatrix!).

Frei Juliano Luiz da Silva, O.Carm. 


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