O Silêncio que Sabe Falar
Vivemos tempos em que o diálogo virou uma divindade
moderna. Invoca-se o seu nome em toda parte — nos púlpitos, nas escolas, nas
redes sociais — como se fosse o sacramento da convivência civilizada.
“Precisamos dialogar”, dizem, e logo todos se sentem justos, pacíficos,
maduros. Mas ninguém pergunta para quê.
O diálogo, quando perde seu propósito, não passa de um
murmúrio elegante. É o eco de vozes que não ousam mais pronunciar a palavra
“verdade”. Fala-se muito, mas sem querer chegar a lugar nenhum. Conversa-se
para evitar o conflito, não para compreendê-lo. E o que nasce desse falatório
não é paz — é anestesia.
A prudência, que os antigos chamavam de “auriga
virtutum”, a cocheira das virtudes, era a arte de conduzir a ação pelo
caminho certo, nem precipitada nem covarde. Hoje, porém, a prudência virou
sinônimo de medo. Não se quer ofender, não se quer contrariar, não se quer
parecer “duro”. E assim, com medo de errar o tom, preferimos calar a verdade
— ou pior, moldá-la à sensibilidade do momento.
Mas a verdade não é uma convidada frágil à mesa do diálogo.
Ela é o próprio pão que deve ser repartido. Dialogar sem buscá-la é como
preparar um banquete sem alimento. Fica-se só com talheres e boas maneiras — e
um vazio que se disfarça de harmonia.
A verdadeira prudência não evita o conflito: disciplina-o.
Sabe quando falar e quando calar, mas nunca confunde silêncio com omissão. O
prudente não é o que se adapta ao erro para manter a paz, mas o que escolhe o
momento certo de combatê-lo sem ódio. É o que se lembra de que o Cristo, antes
de dizer “a paz esteja convosco”, disse “não vim trazer a paz, mas a espada”.
A paz autêntica não é ausência de batalha, mas fruto
da ordem restabelecida. E a ordem só se restaura quando o erro é enfrentado,
não ignorado. Há um tipo de diálogo que mata: aquele que dissolve convicções
sob o pretexto de convivência. Mas há outro que salva: o diálogo que nasce do
amor à verdade — não de uma verdade subjetiva e volúvel, mas da Verdade que é
Pessoa, e que um dia calou diante de Pilatos não por medo, mas por majestade.
Talvez o maior problema do nosso tempo seja que ninguém
quer ser o primeiro a dizer “isso é falso”. Temos medo de parecer
intolerantes, quando o que falta é coragem para amar o bastante a ponto de
contrariar. Porque quem ama de verdade não teme o conflito: teme o engano.
E assim, enquanto o mundo nos pede “diálogo”, talvez Deus
nos peça coerência.
Não basta falar — é preciso saber por que se fala.
Não basta ouvir — é preciso discernir o que se ouve.
Não basta ser prudente — é preciso ser justo.
No fim, só há um tipo de diálogo que vale a pena: aquele em
que as palavras caminham em direção à luz, e não ao conforto. Tudo o mais é
barulho — e o barulho é o túmulo da verdade.
Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.