A Hipocrisia da Sociedade Libertina Frente à Sexualização das Crianças na Internet

Introdução
O recente clamor contra a sexualização de crianças na
internet parece, à primeira vista, um sinal de consciência moral. Manchetes,
debates em redes sociais, programas de televisão e discursos inflamados
enchem-se de indignação, como se o problema tivesse surgido do nada. Mas a
verdade é dura: essa realidade é apenas a colheita de uma semeadura feita há
décadas. Não se chega a este nível de degradação por acidente, e muito menos
sem cumplicidade social.
Vivemos há muito tempo num contexto de permissividade
disfarçada de liberdade, onde todo padrão moral é visto como opressão e todo
limite é tachado de preconceito. A inocência infantil, outrora protegida como
um tesouro, foi sendo negociada aos poucos nos altares da indústria do
entretenimento, da moda, da publicidade e da própria cultura popular. O que se
vê agora é apenas o fruto maduro e envenenado dessa árvore.
É necessário encarar um fato incômodo: a sociedade que hoje
se horroriza com a pornografia infantil e com a exploração sexual online é a
mesma que consome produtos culturais saturados de erotismo, que relativiza o
adultério, que banaliza o corpo, que destrói o casamento e que trata a
maternidade e a paternidade como fardos descartáveis. Não há como sustentar
duas morais, uma para a vida real e outra para o “mundo virtual”.
Não basta denunciar a pornografia infantil como se fosse uma
aberração isolada. É preciso ir à raiz: a banalização do sexo como simples
produto de consumo. Essa visão permeia filmes, séries, novelas, clipes
musicais, desfiles e até mesmo a educação escolar, quando reduz a sexualidade a
biologia e prazer, sem vínculo moral ou espiritual. Uma cultura que ri da
castidade e chama de antiquado o pudor não tem base para proteger de verdade a
inocência.
Assim, antes de qualquer ação contra crimes específicos —
que são urgentes e necessárias — precisamos de um exame de consciência
coletivo. Enquanto não reconhecermos que o problema começa dentro de nossas
casas, nas escolhas de consumo, nos exemplos que damos e na cultura que
aceitamos, continuaremos tentando tapar um vazamento sem fechar o registro.
A Cultura da Permissividade
A palavra “liberdade” foi sequestrada. Hoje, para muitos,
significa apenas a ausência de qualquer freio, a permissão para viver conforme
os próprios impulsos, sem considerar consequências. Isso é permissividade, não
liberdade. A verdadeira liberdade está ligada à disciplina e ao domínio de si;
sem isso, vira escravidão aos vícios.
Quando a sociedade começou a confundir prazer com
felicidade, passou a ver qualquer limite como repressão. Filmes, novelas,
letras de música e até propagandas vendem a ideia de que viver bem é satisfazer
cada desejo imediatamente. Nesse ambiente, a moralidade tradicional não é só
ignorada — é ridicularizada.
Essa mentalidade acabou criando um terreno fértil para a
erosão do pudor. Não se trata apenas de nudez ou conteúdo explícito, mas de uma
disposição geral para erotizar tudo. Quando a sexualidade vira um produto de
consumo, é questão de tempo até que a linha entre adultos e crianças seja
borrada.
Portanto, o choque diante da sexualização infantil na
internet é, na maioria das vezes, uma amnésia conveniente. Afinal, a cultura
que consome séries com adolescentes hipersexualizados e aplaude “humor” de
conotação sexual em programas de TV está colaborando para esse mesmo fenômeno.
A Destruição da Estrutura Familiar
A família sempre foi a primeira escola de valores. Mas
quando o casamento passou a ser visto como um contrato temporário, e não como
um compromisso vitalício, essa escola perdeu sua estabilidade. O divórcio
deixou de ser exceção e virou quase norma, gerando um ciclo de instabilidade
afetiva que afeta diretamente a visão das crianças sobre relacionamentos.
Pais que entram e saem de relações com a mesma facilidade
que trocam de celular não percebem que estão ensinando, pelo exemplo, que o
vínculo é descartável. Quando a vida conjugal é tratada como um espaço de busca
de satisfação pessoal — e não de doação mútua —, a consequência é uma geração
que associa o amor mais ao desejo que à responsabilidade.
Para piorar, muitos lares convivem com a exposição a
conteúdos impróprios dentro de casa: filmes eróticos “normais” na sala,
conversas sobre aventuras extraconjugais, uso de redes sociais sem filtros.
Esse ambiente reduz o impacto moral que deveria haver quando algo realmente
grave — como a exploração infantil online — aparece.
Assim, a destruição da estrutura familiar não só deixa as
crianças mais vulneráveis emocionalmente, como também as prepara para aceitar
como “normal” uma sexualidade desvinculada de afeto, compromisso e dignidade.
A Indústria do Entretenimento e a Banalização do Corpo
O corpo humano deixou de ser visto como expressão da pessoa
e passou a ser tratado como vitrine ou mercadoria. A indústria da moda, da
música e do cinema transformou a sensualidade em seu principal produto. O que
antes se insinuava de forma velada agora é escancarado — e quanto mais cedo
começa, melhor para quem lucra com isso.
Clipes musicais e redes sociais promovem “modelos” que
muitas vezes ainda são adolescentes, mas já exibem comportamentos e roupas
provocantes. Essa normalização precoce cria um ciclo perverso: quanto mais
jovem o público, mais fácil moldar seus padrões de beleza e desejo.
A publicidade também entrou no jogo, utilizando a
sensualidade para vender qualquer coisa — de perfume a hambúrguer. O resultado
é uma saturação visual que deixa a sociedade insensível ao erotismo. Quando
tudo é sexual, nada mais choca.
O problema é que esse desmonte do pudor atinge em cheio as
crianças, que aprendem a ver o corpo como moeda de aceitação e sucesso. E
quando a internet amplia isso, a exploração sexual deixa de ser uma aberração
isolada e se torna apenas mais um capítulo lógico de um roteiro cultural já
escrito.
A Escola como Campo de Batalha Ideológica
O espaço escolar, que deveria ser um ambiente de proteção e
desenvolvimento intelectual, tornou-se, em muitos lugares, laboratório de
ideologias. Programas de “educação sexual” são apresentados como proteção
contra abusos, mas frequentemente introduzem conceitos e imagens que, na
prática, incentivam a curiosidade precoce e a experimentação irresponsável.
A linguagem técnica e “científica” é usada como máscara para
um conteúdo que muitas vezes relativiza o valor do pudor e apresenta a
sexualidade como algo desvinculado de compromisso e transcendência. Isso
desarma as crianças contra a vulgaridade, tornando-as mais vulneráveis àquilo
que supostamente se pretende evitar.
Além disso, a escola, em certos casos, toma para si o papel
de “substituir” a família na formação moral, minando a autoridade dos pais. Ao
ensinar valores contrários aos da casa, cria um conflito interno no jovem, que
pode levar ao desprezo por qualquer referência tradicional.
Com isso, quando conteúdos sexualizados aparecem nas redes
sociais ou em conversas de colegas, eles não geram repulsa, mas sim
curiosidade. A escola, que deveria ser aliada na defesa da inocência, muitas
vezes está colaborando — conscientemente ou não — para a sua perda.
O Papel da Religião como Guardiã da Moralidade
A religião já foi o grande alicerce moral da sociedade. Não
apenas pelo conjunto de normas que oferece, mas pela visão de mundo que ensina:
que o corpo é sagrado, que a vida tem propósito, que o amor verdadeiro é
paciente e fiel. Quando essa base foi rejeitada, a cultura perdeu o referencial
último para distinguir o que é certo e errado.
Sem fé, resta apenas a opinião da maioria ou a conveniência
do momento — e essas mudam como o vento. Valores eternos foram trocados por
modismos morais, que se adaptam ao mercado e ao gosto do público. Nesse
cenário, a proteção da infância deixa de ser um princípio inegociável e passa a
depender de circunstâncias políticas ou econômicas.
A religião, especialmente a tradição cristã, lembra que cada
criança é imagem de Deus, e por isso merece ser protegida e educada na virtude.
Sem essa visão, a dignidade humana se torna apenas um slogan, facilmente
esquecido quando não é lucrativo ou conveniente.
Recuperar a presença da fé na vida pública não é um capricho
conservador; é uma questão de sobrevivência moral. Sem um fundamento sólido,
qualquer tentativa de proteger a inocência infantil será apenas uma reação
temporária a crises pontuais, sem força para mudar o rumo da cultura.
Considerações Finais
A indignação seletiva é um dos maiores problemas da nossa
era. Quando um crime horrível como a exploração sexual infantil na internet vem
à tona, todos se apressam a erguer a voz contra ele. Mas poucos têm coragem de
admitir que, em grande parte, somos coniventes com a cultura que o gerou. Essa
hipocrisia nos impede de agir de forma eficaz, porque ataca os sintomas e
ignora as causas.
Não se trata apenas de punir criminosos — isso é essencial,
mas não suficiente. É preciso reconstruir uma mentalidade de respeito ao corpo,
à família, ao casamento e à infância. É preciso recuperar o pudor como virtude
e a castidade como caminho de liberdade, e não como repressão. Isso implica uma
mudança pessoal e coletiva: mudar o que assistimos, o que aplaudimos, o que
permitimos dentro de nossas casas.
Também é urgente que as famílias retomem seu papel central.
A internet não é babá, nem substituto da presença paterna e materna. Pais
presentes, que orientam e acompanham, são a primeira linha de defesa contra a
degradação. Não adianta delegar para o Estado ou para as big techs a
proteção da inocência infantil, se a própria casa já é um terreno de exposição
à vulgaridade.
Se quisermos de fato combater a sexualização infantil,
teremos que enfrentar a cultura que lucra com ela. Isso exige coragem para
nadar contra a corrente, recusar modismos e recuperar valores que o mundo chama
de ultrapassados, mas que são, na verdade, alicerces da civilização.
O futuro de nossas crianças não será salvo com discursos
inflamados, mas com vidas coerentes. E isso começa hoje, com cada um assumindo
a responsabilidade de não alimentar o mesmo sistema que depois fingimos
combater. A verdadeira proteção começa quando a hipocrisia acaba.