Por que Deus permite que sejamos tentados? Uma meditação à luz da fé católica tradicional

Introdução

Poucas perguntas afligem tanto a alma piedosa quanto esta: Por que Deus, sendo Todo-Poderoso e cheio de amor, permite que sejamos tentados? Para a mentalidade moderna, sedenta de conforto e impaciente com o sofrimento, a tentação parece algo inútil, cruel até. Mas, do ponto de vista eterno, à luz da Revelação e da experiência dos santos, a tentação tem um papel decisivo na caminhada rumo ao Céu. Deus, em sua sabedoria infinita, não desperdiça dor — e nem permite tentações sem um propósito superior.

Santo Afonso Maria de Ligório dizia que a tentação é como o fogo que prova o ouro. E, de fato, toda alma que almeja a glória eterna precisa passar por esse campo de batalha interior onde se decide, dia após dia, o amor verdadeiro. Neste artigo, refletiremos sobre três grandes motivos pelos quais Deus permite a tentação: para provar nosso amor, para nos tornar humildes e para fortalecer nossa confiança n’Ele. Vamos mergulhar nessa reflexão com espírito de fé e coragem.

1. A tentação prova o amor por Deus

Não há santidade sem provação. Desde Abraão até os mártires, passando pelos confessores, virgens e monges do deserto, todos os santos foram provados. A Sagrada Escritura é clara: “Filho, se decidires servir ao Senhor, prepara-te para a provação” (Eclo 2,1). A tentação, nesse contexto, torna-se uma espécie de “tribunal” espiritual, onde se verifica a solidez do nosso amor por Deus.

É fácil amar a Deus quando tudo vai bem. Difícil é permanecer fiel quando a alma é assaltada por desejos contrários, dúvidas, secura espiritual e sugestões malignas. A tentação revela o que há de verdadeiro no coração. É no fogo da tentação que a alma mostra a Deus que O ama por quem Ele é — e não apenas pelos favores que Ele concede.

Deus não tenta ninguém (cf. Tg 1,13), mas permite que sejamos tentados por três inimigos da alma: o mundo, a carne e o demônio. Ele permite, sim, mas nunca abandona. Pelo contrário, dá sempre a graça suficiente para resistir. E ao vencermos, nosso amor é purificado, nosso vínculo com Deus se fortalece, nossa alma se eleva.

Santa Catarina de Sena dizia que a tentação é como um “trono” no qual a alma fiel é coroada. Ao suportá-la por amor a Deus, ela se assemelha a Cristo em seu combate no deserto. Por isso, resistir à tentação é uma das formas mais preciosas de oferecer amor a Deus: não um amor de palavras, mas um amor sacrificado, real, de cruz.

Em resumo: a tentação não é sinal de abandono de Deus, mas oportunidade de amar de verdade. Um amor que não se prova não vale nada. Por isso, a tentação é permitida — para que, diante do céu e da terra, a alma mostre que ama o Senhor com firmeza e perseverança.

2. A tentação faz crescer a humildade

A soberba foi a raiz da queda dos anjos e do homem. E a humildade é a chave que abre o Céu. Mas a humildade não cresce no conforto; ela brota da experiência da fraqueza. A tentação, quando enfrentada com honestidade, mostra à alma sua pobreza espiritual. Faz cair a máscara do orgulho e revela a total dependência que temos da graça de Deus.

Quantas vezes, após cair em alguma tentação, a alma se dá conta de sua miséria e volta arrependida para os braços do Pai? Isso não é fracasso, mas um caminho de aprendizado profundo. O orgulho espiritual — pensar que somos fortes, virtuosos e inabaláveis — é muito mais perigoso do que a tentação da carne. E Deus, na sua pedagogia amorosa, permite que sejamos tentados para nos manter pequenos.

A humildade é o solo fértil onde floresce a santidade. Quando a alma entende que não pode nada sem Deus, ela passa a confiar n’Ele com mais fervor, a rezar com mais sinceridade, a evitar ocasiões de pecado com mais prudência. A tentação, então, se torna uma escola de vigilância, prudência e súplica constante.

Santo Agostinho dizia: “Deus permite que caiamos em pequenas tentações para nos livrar das grandes.” Isso porque o sentimento de fraqueza gera humildade, e a humildade atrai a graça. É melhor ser um pecador humilde do que um justo orgulhoso. Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes (cf. Tg 4,6).

Por isso, longe de nos revoltar com as tentações, devemos vê-las como uma oportunidade de cavar fundo as raízes da humildade. O mais santo é aquele que mais reconhece sua miséria — e mais se abandona na misericórdia divina.

3. A tentação fortalece a confiança na graça de Deus

A vida cristã não é uma jornada de autossuficiência, mas uma peregrinação sustentada pela graça. Toda tentação é, no fundo, uma lembrança: “Você precisa de Deus”. E não apenas uma vez ou outra, mas a cada segundo. A tentação derruba nossa ilusão de controle, e nos convida a uma entrega mais radical à Providência.

É na hora da tentação que a alma aprende a gritar como Pedro sobre as águas: “Senhor, salva-me!” (Mt 14,30). É na hora da luta contra os impulsos, contra os pensamentos desordenados, contra a pressão do mundo e do demônio, que o cristão aprende o poder da oração, da confissão frequente, da Eucaristia, do rosário, dos sacramentais, da amizade com os santos.

Sem tentação, muitos viveriam de aparência. Mas a tentação joga luz no campo de batalha e mostra a quem realmente estamos servindo. E quando a alma, mesmo fraca, persevera confiando em Deus, ela cresce numa fé mais madura, mais real, mais heróica.

Santa Teresinha do Menino Jesus, mestra da confiança, dizia que “quanto mais fraca se sente, mais ousadamente se lança nos braços de Jesus.” Isso é o segredo da santidade: confiar mais em Deus do que em si mesmo. E nada ensina melhor essa lição do que a experiência da tentação.

Deus não quer que vivamos em constante derrota, mas sim que aprendamos a lutar com Ele. A graça está sempre disponível — e quanto mais confiamos nela, mais força recebemos. O tentado que reza, confessa, comunga, medita e permanece fiel experimenta uma força que não é dele — é divina.

Considerações Finais

A tentação, por mais dolorosa que seja, não é um castigo, mas um campo de prova, uma escola de humildade e uma escada para a confiança total em Deus. O Senhor, como um pai amoroso e sábio, permite que seus filhos passem por provações não para destruí-los, mas para santificá-los. Como o ouro na fornalha, a alma é purificada no fogo da tentação.

Lembremo-nos sempre: não estamos sozinhos. Cristo mesmo foi tentado no deserto para nos mostrar o caminho. A Virgem Santíssima intercede por nós. Os santos nos precederam nesse combate. A Igreja nos oferece todos os meios de graça para resistir e vencer.

Por isso, não desanimemos diante das tentações. Pelo contrário: enfrentemo-las com coragem, oração, vigilância e confiança. E que cada tentação vencida seja um degrau a mais rumo à eternidade.

Por Ir. Alan Lucas de Lima, OTC
Carmelita Secular da Antiga Observância

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