O dia em que o Papa chorou
Uma crônica sobre o silêncio litúrgico que se instalou depois do Fogo
Naquela manhã comum de segunda-feira, os passos discretos do
Papa ecoaram pelas pedras do Vaticano. O Pentecostes havia acabado de ser
celebrado com o esplendor de sempre — línguas de fogo, vento impetuoso, as
janelas da alma escancaradas. Era, ou deveria ser, o segundo dia da Oitava de
Pentecostes, quando a Igreja ainda se deixava embriagar pela presença do
Espírito, saboreando lentamente o dom recebido.
Mas naquela manhã, algo não estava no lugar.
O Santo Padre entrou na capela, como sempre, recolhido. Seu
olhar deteve-se sobre a mesa dos paramentos. O verde. Verde? Onde estava
o vermelho ardente do Espírito? Onde estavam os sinais visíveis da continuidade
da festa, da permanência do Dom, da respiração prolongada de Pentecostes?
O cerimoniário, envolto em um silêncio profissional,
respondeu ao olhar inquisidor:
— A Oitava foi suprimida, Santidade.
O Papa estremeceu. Quem havia feito isso?
A resposta veio seca, cortante, impiedosa:
— Foi o senhor.
E o Papa chorou.
Não por ter sido pego de surpresa por uma medida que,
talvez, ele mesmo assinara entre tantas outras reformas. Mas chorou — diz a
tradição oral — como um homem chora quando vê um pedaço da alma da Igreja se
apagar. Como se o Espírito tivesse descido, mas a casa estivesse mais vazia do
que antes.
A Igreja, que por séculos entendeu que certas festas são
grandes demais para caber em um só dia — e por isso criou oitavas — decidiu, em
um ímpeto modernizador, guardar os sinos e os incensos da Oitava de
Pentecostes.
Talvez tenha sido por zelo pastoral, talvez por uma lógica
racionalista que não sabia mais dançar ao ritmo do Espírito. Mas o fato é que Pentecostes
foi reduzido a um domingo, e na segunda-feira seguinte... tudo volta ao “normal”.
O mesmo verde, a mesma rotina, o mesmo tempo “comum”.
Como se o Fogo tivesse vindo, mas a lenha estivesse molhada.
A supressão da Oitava de Pentecostes não foi apenas uma
decisão litúrgica — foi um sintoma. Um espelho de uma crise mais profunda: a
perda do senso do sagrado, da continuidade mística, da capacidade de prolongar
a experiência divina além do instante ritual. A Igreja do Espírito parecia ter
ficado muda logo após ouvir o sopro.
O curioso é que, enquanto muitos redescobrem a ação do
Espírito Santo, enquanto se escrevem livros e documentos exortando à renovação
carismática da Igreja, o espaço litúrgico dado ao Espírito permanece
comprimido, marginal, um dia apenas.
Celebrar uma oitava é insistir que o Mistério não cabe num
único instante. É deixar que a festa nos eduque, nos purifique, nos transforme.
É saborear a eternidade em porções lentas.
O Papa chorou. Verdade ou lenda, pouco importa.
Importa que nós choramos também. Choramos pela pressa com
que passamos pelas solenidades. Choramos pela rotina que sufoca o sagrado.
Choramos pela pressa da modernidade que quer tudo breve, prático, direto — até
mesmo a relação com Deus.
Mas ainda é tempo. A Igreja que suprimiu pode restaurar. O
Espírito que foi esquecido pode reacender. E talvez, um dia, ao entrar na
capela na segunda-feira depois de Pentecostes, o sacerdote — ou quem sabe um
novo Papa — encontre o vermelho de volta. E chore de novo.
Desta vez, de alegria.
Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.