As Rãs e o Silêncio de Deus

São João da Cruz e Ir. Catalina de la Cruz

Há um canto escondido no tempo, entre o rumor das folhas e o eco de mosteiros antigos, onde a simplicidade se tornou sabedoria e as rãs ensinaram a uma santa cozinheira o caminho do interior. A história de irmã Catalina de la Cruz, aquela carmelita que cozinhava com mãos humildes e ouvidos atentos ao croar do estanque, é mais que uma anedota — é uma parábola viva, cheia de poesia e mística, com cheiro de hortelã e barulho de panelas.

Catalina era daquelas almas que vivem no subsolo da História, nas margens dos tratados teológicos, mas que sustentam com sua doçura silenciosa os pilares da eternidade. Era cozinheira, e isso já diz muito. A cozinha é o ventre do mosteiro, o lugar onde se aquece o corpo para que a alma reze. E entre repolhos e acelgas, ela encontrou um espelho no pântano — um bando de rãs, saltando e mergulhando, fugindo dela como se fosse tempestade.

Catalina se doía com isso. Era boa, era terna. Queria ser amiga até dos bichinhos. Mas as rãs, covardes como são, mergulhavam cada vez que seus passos leves se aproximavam. E foi aí que entrou em cena o poeta do absoluto, o místico do silêncio, o confessor das Carmelitas: São João da Cruz. Ele, que falava de ciervos e de tórtolas, de cavernas e labirintos da alma, sorriu com o coração quando ouviu a dúvida singela da irmã: “Padre, por que elas fogem de mim?”

“Porque lá no fundo do lago, irmã Catalina, elas se sentem seguras.”

E pronto. Bastou isso. Bastou essa frase, mais simples que o pão e mais profunda que os salmos, para abrir à irmã o portal da contemplação. O fundo da balsa virou metáfora do “centro da alma”. As rãs tornaram-se doutoras do Carmelo. E cada mergulho que ela provocava com seu andar leve passou a ser um lembrete de que ela também deveria fazer o mesmo: fugir das criaturas, esconder-se em Deus, mergulhar no seu centro como quem volta para casa.

Daí em diante, Catalina fazia questão de fazer barulho ao passar — não por despeito, mas para ver as rãs saltarem, e assim lembrar-se de que sua alma também tinha um refúgio secreto. As rãs viraram campainhas do interior, sinos da clausura, preletores batrácicos da mais alta mística.

Na vida, somos todos um pouco como Catalina. Andamos por aí com nossa bondade desajeitada, tentando agradar, tentando entender por que as coisas fogem, por que o mundo às vezes se esconde. E também somos, às vezes, como as rãs: mergulhamos no fundo para nos proteger de barulhos que nem sempre são perigosos. Mas a lição está aí: o fundo do lago é seguro. Deus é o centro. E o centro não se conquista com alarde, mas com silêncio. Com entrega.

Há algo de sublime nisso: a mística não está apenas nos êxtases, mas nos pucheros, nas ervas colhidas com humildade, nos ruídos do convento. Santa Teresa já dizia que entre as panelas anda o Senhor. E São João da Cruz completaria: entre os juncos, também. Entre os saltos das rãs, também. Porque o mundo é cheio de parábolas — e todas elas apontam para dentro.

Irmã Catalina mergulhou em Deus como as rãs no estanque. Fez da sua cozinha um altar e da sua rotina uma oração. Não pregou em praças, não escreveu tratados, mas entendeu que o esconderijo de Deus é a alma recolhida — aquela que, mesmo assustada com os passos do mundo, sabe onde se esconder.

E talvez, no fim de tudo, a santidade seja isso: um salto inesperado para dentro. Um mergulho calado no fundo onde Deus nos espera, quieto, como as águas.

“Entre os pucheros e os croares anda o Senhor”.

Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.

Nota explicativa:

  • Pucheros – palavra espanhola que designa panelas de barro ou, mais amplamente, cozinhas humildes e caseiras. Santa Teresa de Ávila usava essa expressão ao dizer que “também entre os pucheros anda o Senhor”, ensinando que Deus pode ser encontrado nas tarefas mais simples e domésticas do dia a dia, não apenas nas grandes orações ou êxtases místicos. É símbolo da espiritualidade encarnada no cotidiano.
  • Croares – som emitido pelas rãs. Aqui, esse verbo foi usado poeticamente para representar a presença viva da natureza, que mesmo em sua simplicidade pode ser sinal de Deus. O “croar” das rãs, nesse contexto, não é ruído, mas sinal místico, metáfora do chamado ao recolhimento, ao mergulho da alma no silêncio de Deus.