Domingo In Albis: Quando a Graça Enfrenta o Mundo
Entre o branco das vestes e o cinza da vida real, nasce o chamado eterno à santidade.
Mais do que o fim de uma celebração, o Domingo In Albis é o
começo de uma missão. Deixar as vestes brancas é o sinal: agora é a tua vida
que precisa brilhar como luz no meio das sombras.
O Domingo in Albis, chamado também de Domingo
Quasimodo, é uma das joias escondidas da tradição cristã — daqueles
tesouros que brilham quando a gente cava fundo na terra da fé antiga.
A palavra “In Albis” vem da expressão latina in
albis depositis, que significa “depois de depostas as vestes
brancas”. Estamos falando do oitavo dia após a Páscoa, o
fechamento glorioso da Oitava Pascal — oito dias celebrados
como se fossem um só, uma maratona sagrada onde o “Hoje” da Ressurreição
continua ecoando como um trovão nos vales da história.
Na Igreja primitiva, os batizados na Vigília Pascal vestiam
túnicas brancas, símbolo da nova vida em Cristo. Durante toda a oitava, eles
viviam uma espécie de tempo suspenso: ainda mais próximos do céu do que da
terra. No domingo seguinte, essas túnicas eram solenes e
publicamente retiradas. Um ritual forte: era a criança espiritual sendo posta
no mundo para caminhar com as próprias pernas, sem os símbolos visíveis da
graça, mas carregando a marca invisível da regeneração.
É aqui que entra o tal Quasimodo.
Esse nome vem das primeiras palavras do introito da Missa
Tradicional desse domingo:
“Quasi modo geniti infantes, rationabile, sine dolo lac
concupiscite” — “Como crianças recém-nascidas, desejai o leite
racional sem dolo” (1 Pedro 2,2).
Essa frase é um soco de realidade e um poema ao mesmo tempo:
não basta nascer, é preciso crescer. Não basta receber a graça, é preciso
desejá-la ardentemente, como o recém-nascido deseja o leite da mãe. Fé não é
adereço, é víscera.
Na tradição antiga, portanto, o Domingo in Albis
é:
- A festa da maturidade espiritual que nasce da inocência;
- O marco da entrada dos neófitos na vida comum da Igreja;
- O lembrete de que a graça batismal é dom gratuito, mas também é responsabilidade de ferro.
- A palavra “Quasimodo” foi usada para batizar o personagem do Victor Hugo em O Corcunda de Notre-Dame, porque ele foi encontrado na porta da catedral justamente nesse dia;
- Em muitas regiões da Europa medieval, aconteciam procissões e festas nesse domingo, para marcar a “entrada” dos neófitos no povo cristão.
É também, poeticamente, uma nova Epifania: a manifestação da
vida nova em Cristo, não mais em forma de festa externa (túnicas brancas,
velas, cânticos) mas em forma de vida real, misturada na poeira da existência.
Culturalmente, esse domingo gerou frutos:
Teologicamente, ele é um pequeno grito: “A
Ressurreição não acabou. Agora ela precisa vazar da tua vida para o mundo”.
Nada de arquivar a experiência pascal como um souvenir
bonito. É hora de suar com ela no campo de batalha do cotidiano.
Por um Carmelita Secular da Antiga Observância
Referências Bibliográficas
Fontes Primárias:
- Missale Romanum. Editio Typica 1962. Vatican
Polyglot Press, 1962.
- Bíblia Sagrada. 1 Pedro 2,2; João 20,19-31.
- Sacramentarium Gregorianum. Vaticano: fontes litúrgicas antigas.
Fontes Secundárias:
- Guéranger, Dom Prosper. O Ano Litúrgico: Tempo Pascal. Petrópolis: Vozes, 2008.
- Jungmann, Joseph A. Missarum Sollemnia: Explicação histórica da missa romana. Freiburg im Breisgau: Herder, 1949.
- Gamber, Klaus. The Reform of the Roman Liturgy: Its Problems and Background. Harrison, NY: Una Voce Press, 1993.
Cultura Popular:
- Hugo, Victor. Notre-Dame de Paris. Paris: Gosselin, 1831.