Na sua Encíclica Pascendi Dominici Gregis, São Pio X resumiu o
fundamento filosófico da heresia modernista com esses dois termos: agnosticismo
e imanência vital. Ele apontava o dedo para as duas atitudes fundamentais do
pensamento moderno, que são a recusa do conhecimento especulativo e uma
hipertrofia da causalidade. Para bem compreender o espírito do nosso tempo e
poder confrontá-lo, convém nos aprofundarmos nesses dois falsos princípios que
se encontram na origem de tantos erros. Para ajudar nossos leitores nessa
tarefa, propomos uma parábola sobre o agnosticismo, que não é mais do que uma
forma derivada do ceticismo.
Uma parábola moderna: o Senhor
Philosophus
Os jornais traziam uma triste
notícia. Um jovem de cerca de trinta anos fora massacrado, há pouco tempo, por
um bando de malfeitores nas redondezas de Jerusalém. A crueldade dessa execução
sumária e o renome desse jovem judeu deram ao ocorrido uma repercussão
internacional. O Senhor Philosophus, detetive de reputação, foi
incumbido de identificar os criminosos e localizar o seu líder. Pôs na cabeça o
seu chapéu de feltro, armou-se de sua lupa e de sua lanterna de bolso e, sem
mais delongas, lançou-se ao trabalho. Confiando na sua longa experiência e nas
suas fontes de informação, nosso homem contava resolver o assunto em pouco
tempo. Mas teve de deixar o seu otimismo de lado ao deparar-se com uma multidão
heterogênea de suspeitos e com testemunhos aparentemente contraditórios.
Busquemos acompanhá-lo na sua investigação.
A vítima tinha precisamente
trinta e três anos no momento do atentado. Vinha do norte de Israel de uma
localidade chamada Nazaré. Sua mãe, presente no lugar do suplício, chamava-se
Maria, e seu nome era Jesus.
Quem, portanto, poderia ter
cometido uma tal abominação, condenar ao suplício da cruz um homem dotado de
tão boa reputação? O Senhor Philosophus seguiu todas as pistas
que se lhe apresentaram: os palestinos? Os próprios judeus? Os romanos que
ocupavam a região? Um dos amigos do defunto chamado Judas? A covardia dos seus
discípulos que o abandonaram diante do perigo? Soluções as mais contraditórias
disputavam o espírito do detetive, sem que ele pudesse resolvê-las de modo
categórico.
Ao cabo de muitos dias e noites
de trabalho, após ter perseguido escrupulosamente os menores indícios que lhe
pudessem conduzir a alguma conclusão, esgotado de tanto esforço sem resultado,
Sr. Philosophus ingressou, num belo dia, na sala de reunião
dos adeptos desse Jesus. Na esperança de obter um pouco de repouso, sentou-se
confortavelmente num banco dessa igreja, abriu mecanicamente um livro que lá
estava e, com ar distraído, leu uma página... e tudo mudou subitamente.
Ali, naquela página aberta por
acaso, o criminoso tinha deixado seus traços! Repetidas vezes, e vagarosamente,
o brilhante detetive repassou com sua lupa o texto em questão. Não havia mais
dúvida: ele encontrara a solução do enigma.
A profissão de fé dos
católicos
O texto que aqui mencionamos é
conhecido dos católicos, é o Credo, sua profissão de fé. Ele merece
uma leitura lenta, atenta — ser lido de lupa. Desse modo, ele revelará os
tesouros que contém. Tudo é belo nesse Credo, é como uma sinfonia
maravilhosa. Lá encontramos a glória de Deus, a bem-aventurança do Pai, do
Filho e do Espírito Santo, a Encarnação do Verbo eterno, a virgindade perpétua
e fecunda de Maria, o mistério tão consolador da remissão dos pecados e a
promessa da vida eterna no céu.
Encantado pelo charme desse texto
luminoso, o detetive tinha quase se esquecido das suas preocupações, e mesmo da
missão de que fora incumbido de encontrar o assassino. Foi então que se deparou
com a palavra que lhe revelaria o segredo que buscava. No meio da profissão de
fé da Igreja, escondido no meio de verdades tão elevadas e reconfortantes,
enquanto os católicos cantam de todo o seu coração infantil a bondade e a
beleza de Deus, surge uma frase curiosa: Sub Pontio Pilato passus et
sepultus est (“Padeceu e foi sepultado sob Pôncio Pilatos”). Este
inciso aparece subitamente, como um convidado indesejável numa reunião de
família, como um furúnculo num belo nariz, como o cabelo da cozinheira na sopa.
Ora, essa dissonância, esse aparente erro de digitação permanecerá
no Credo até o fim do mundo.
O fato é digno de nota. Pois,
nessa profissão de fé, não se fala absolutamente da covardia de Pedro, nem da
maldade de Judas, nem do ódio invejoso dos príncipes dos sacerdotes. Só Pilatos
é citado no tribunal da história.
Podemos então imaginar a alegria
do nosso detetive. Após sua descoberta sensacional, ele se ergueu prontamente,
seguro de encontrar o culpado. Encontrar o esconderijo desse Pilatos será
moleza.
No entanto, nosso homem se depara
com uma nova dificuldade. Ao abrir as páginas amarelas da cidade vizinha,
encontra um senhor Pilchoswki, um Pilhart, e um Pikal. Entre esses nomes, não
está o de Pilatos, que é o que procura. Então, expande a sua investigação e
lança mão de todos os meios mais sofisticados — tudo em vão. Por toda a parte,
nenhum traço de Pilatos. Ele se desloca até Forez, para o monte Pilatos onde,
dizem os antigos, o célebre governador romano terminou os seus dias. Mas a
lenda não foi de grande ajuda. Sobretudo uma vez que os suíços reivindicam o
mesmo privilégio que os stéphanois. O seu Pilatusberg, próximo de
Lucerna, seria indubitavelmente a derradeira morada do famoso malfeitor. O
Sr. Philosophus se viu obrigado a render-se à evidência: o
Pilatos que procura se esconde sob um falso nome, possui documentos
falsos.
Pilatos nos quatro Evangelhos
Para identificar o assassino de
Jesus, o detetive decidiu consultar as Sagradas Escrituras. Um exame cuidadoso
lhe indicava quatro pistas: com efeito, falava-se de Pilatos nos quatro
Evangelhos. Ele se lançou, portanto, à tarefa e, de lupa nas mãos, leu as
páginas indicadas. Infelizmente, nem São Mateus, nem São Marcos, nem São Lucas
lhe forneceram informações significativas. Havia motivo para se desencorajar.
Após ter utilizado todo o
seu savoir faire [isto é, toda a sua perícia e habilidade],
ter consagrado tanto esforço e tempo, ter posto em obra os meios mais modernos
de investigação, nosso detetive profissional estava prestes a declarar derrota
e desistir. Maquinalmente, mais por dever profissional do que por esperança
genuína, Sr. Philosophus consultou a última página que ainda
poderia lhe ajudar, leu o capítulo décimo oitavo do Evangelho segundo São João.
E aí, contra toda esperança, recebeu a luz, descobriu a solução para o
apaixonante enigma e conseguiu identificar Pôncio Pilatos. De agora em diante
podia anunciar ao mundo quem matou Jesus.
Eis o famoso texto que nos revela
a personalidade de Pilatos:
Tornou, pois, Pilatos a entrar no Pretório e chamou Jesus, e disse-lhe: “Tu és o rei dos judeus?” Jesus respondeu: “Tu dizes isso de ti mesmo, ou foram outros que to disseram de mim?”
Pilatos respondeu: “Porventura sou eu judeu? A tua nação e os pontífices são os que te entregaram nas minhas mãos. Que fizeste tu?” Jesus respondeu: “O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, certamente que os meus ministros se haviam de esforçar para que eu não fosse entregue aos judeus; mas o meu reino não é daqui.”
Pilatos lhe disse: “Logo tu és rei?” Jesus respondeu: “Tu o dizes, sou rei. Nasci, e vim ao mundo para dar testemunho da verdade; todo o que está pela verdade, ouve a minha voz.”
Pilatos lhe disse: “O que é a verdade?”
Tendo dito isso, saiu novamente para ir encontrar os judeus, e lhes disse: “Não encontro nele crime algum. Ora é costume que eu, pela Páscoa, vos solte um prisioneiro; quereis, pois, que eu vos solte o rei dos judeus?” (Jo 18, 33-40).
“O que é a verdade?”
A marca distintiva de Pôncio
Pilatos, a sua impressão digital, por assim dizer, está toda nessa curta
questão: “O que é a verdade?” Foi assim que ele entrou para história, foi esse
estado de espírito que o levou a entregar Jesus aos verdugos.
Convém reler atentamente essa
passagem decisiva para compreender o seu sentido.
O governador romano foi intimado
pelos príncipes dos sacerdotes e pela multidão a condenar Jesus à morte. Como
bom conhecedor das leis, Pilatos não poderia condenar um homem sem um motivo
adequado. Interroga, portanto, o acusado para compreender melhor a natureza da
acusação: “Tu és o rei dos judeus?”, o que pode ser compreendido como uma
afirmação disfarçada: “Tu és realmente o rei dos judeus, não é?”. Se Jesus é
efetivamente o rei dos judeus, Pilatos se encontra, portanto, diante de um caso
de sedição de um povo dominado contra o seu legítimo chefe, o que daria ao
processo um curso inteiramente novo.
Com sua resposta, Jesus quer que
Pilatos reflita. “Tu dizes isso de ti mesmo?” — Ou seja, trata-se de um juízo
pessoal, autêntico, fundamentado, ou repetes sem refletir os rumores dos que te
rodeiam — “ou foram outros que to disseram de mim?”. A coisa é grave demais
para ser tratada de modo tão frívolo, ela não diz respeito apenas ao povo
judeu, mas a ti mesmo, Pilatos, e àquele a quem representas, o Imperador.
A resposta de Pilatos mostra que
ele indefere. “Porventura sou eu judeu?” — o pleito é um assunto interno do teu
povo e quero julgá-lo desse modo. Se tu és o rei dos judeus, tua autoridade se
encerra nos limites desse povo, a querela só diz respeito aos judeus. “Que
fizeste tu?” — Tratemos o problema de modo puramente jurídico.
O versículo seguinte realmente
foi capaz de assustar Pilatos: “O meu reino não é deste mundo”, o que
significa, entre outras coisas, que ele está acima desse mundo, acima de todos
os reinos e impérios desse mundo. O que se passa hoje em Jerusalém diz respeito
a todos os povos da terra. Daí a questão apressada e inquieta de Pilatos: “Logo
tu és rei?” — Procuremos limitar o problema ao pequeno povo judeu. O governo
romano está disposto a sustentar a autoridade legítima das terras sob sua
ocupação, mas se ela pretende possuir uma autoridade superior, o problema se
torna espinhoso.
Ora, é esse precisamente o caso.
O reino de Jesus é o reino da verdade. “Nasci, e vim ao mundo para dar
testemunho da verdade.” — Este reino ultrapassa, portanto, os limites de toda
realeza terrestre. Tudo que é verdadeiro lhe está submetido. “Todo o que está
pela verdade, ouve a minha voz.” — Se tua autoridade é verdadeira, Pilatos, ela
está sob minhas mãos. “Tu não terias poder algum sobre mim, se te não fosse
dado do alto” (Jo 19, 11), lhe dirá Jesus em breve.
Pilatos entende do que se trata,
entende que, em nome da verdade, esse Jesus pretende possuir autoridade não
apenas sobre os judeus, mas sobre o próprio governo e sobre aquele a quem
representa, o Imperador de Roma. É nesse momento que Pilatos revela o fundo do
seu pensamento e do seu ser: “O que é a verdade?” O que não significa
absolutamente: “Como seria interessante falar sobre a verdade, diga-me, o que é
a verdade?”; mas antes: “Não convém nem interessa falar sobre a verdade.” — A
verdade não tem nada a ver com o assunto em tela, nem com minha autoridade, nem
com a religião. Tratar da verdade está fora de questão. Pilatos traduz aqui a
atitude profundamente cética que caracterizava o pensamento dos romanos do seu
tempo, o ceticismo enfadado diante da verdade e de suas pretensões.
Ora, foi precisamente essa
palavra que condenou Jesus à morte. Jesus realmente padeceu “sob Pôncio
Pilatos”, foi crucificado em razão do seu ceticismo.
A sequência do relato o mostra
claramente. Após esta resposta evasiva, Pilatos se volta para os acusadores e
lhes propõe escolher entre Barrabás e Jesus. Pouco importa a verdade, “não encontro
nele crime algum”, pouco importa a inocência de um ou de outro, desde que a lei
e as aparências sejam salvas. Eu lavo minhas mãos.
Portanto, foi o medo da verdade e
das suas exigências, foi o espírito de dúvida e de indiferença em face de toda
verdade especulativa, foi também o respeito humano decorrente, a arma com a
qual Pilatos matou Jesus.
Esse ceticismo se encontra em
todas as épocas
Mas a história mostra à saciedade
que o ceticismo não é um fenômeno passageiro ou localizado, mas se verifica em
todas as épocas e em todas as regiões do mundo. É um erro que aflige boa parte
da humanidade e é um dos principais motores da história, é o algoz de Jesus e
da sua Igreja. Esse estado de espírito ainda segue atual.
Poderíamos apontar todas as
escolas de pensamento, todos os filósofos que reivindicam de modo mais ou menos
explícito o ceticismo... Cronologicamente, foi o Oriente e o budismo que
aparecem primeiro na cena da história. Em seguida vieram os sofistas gregos,
depois os da Roma imperial. Na grande época da escolástica e no nominalismo
também houve adeptos do ceticismo. A filosofia moderna não tem nada a invejar
também...
A história demonstrou claramente as constantes e os frutos da mentalidade cética, e permite esboçar uma resposta, ou melhor, uma terapia que dê aos espíritos céticos o gosto da verdade: não temamos a verdade e as suas exigências, calquemos aos pés o respeito humano que foi a arma com a qual Pilatos matou Jesus!
0 comments