O vazio e a Esperança

Queridos amigos
Paz!
Saudações Pascais!
Ontem chegamos ao Domingo da Misericórdia, encerrando a
Oitava da Páscoa.
A liturgia ainda ecoa os Aleluias e nos fala de um
transbordamento de alegria (cf. Prefácios das Missas).
No entanto, há quem experimente o descompasso entre o júbilo
a que a Igreja nos convida e os pesares dos dias atuais: luto, dor, angústia,
incertezas e perplexidade, a tensão que paira no ar, as dificuldades materiais
etc. Parece que não há muito espaço para a grande, sublime alegria pascal.
Será?
Gostaríamos de partilhar com vocês uma homilia escrita para
a Vigília Pascal de 1995, por Pe. Christian de Chergé, monge trapista francês
nascido em 1937. Pe. Christian era o prior da comunidade de Notre-Dame de
Atlas, em Tibhirine, Argélia, no ano de 1996, quando quase todos os irmãos que
lá vivam foram sequestrados e assassinados por fundamentalistas islâmicos,
história retratada no filme Homens e Deuses (2010).

Por isso mesmo, a reflexão do agora Bem-Aventurado
monge para aquela Vigília pode dizer algo aos corações angustiados dos nosso
tempo, pois toca justamente neste drama: a nossas aflições e sensação de vazio,
de pobreza são um impedimento à alegria que nos trouxe o Cristo Ressuscitado,
ou podem ser uma porta aberta para ela?
A primeira experiência pascal é a de uma ausência.
Resta a esperança, que é também uma experiência radical de
pobreza.
Os pobres sabem, porque eles não têm nada, estão totalmente
disponíveis à graça que passa.
O homem pascal deve ter as mãos transpassadas.
Então, ele mostrará que o reino está lá, dentro de si.

Eis o texto:
Aleluia!
Eis a alegria, enfim, como um grande transbordamento. Há uma
profusão de dons, signos e símbolos que celebram a riqueza de nosso Deus e
nossa vocação a essa herança suntuosa. No Cristo ressuscitado, tudo é para nós,
assim na terra como no céu. Em Cristo o Pai nos deu tudo. E eis que nós estamos
prestes a tomar tudo!
No entanto, essa Páscoa é também um êxodo. Somos lembrados:
para ganhar a Terra Prometida é necessário aceitar deixar para trás as “cebolas
do Egito”. “Eu te fiz experimentar a pobreza”, diz o Senhor.
Na Páscoa de Jesus, tudo se
esvai: há um grande vazio! Até mesmo os sinais da nossa pobre ligação com esse
homem morto se tornaram inúteis, desprovidos de sentido: Inúteis os perfumes
tão caros; inúteis os lençóis que envolviam o morto; inútil também esse túmulo
novo, que para sempre ficou inutilizado. Mesmo o corpo desapareceu! E é inútil
buscá-lo.
Fomos despojados dos Seus
despojos... [É a] pobreza da fé, quando ela tomba diante da evidência: “Ele não
está mais aqui!”; medo, perplexidade... Pobreza, ainda, do testemunho, quando
ele não serve mais para nada: ninguém dá crédito ao que dizem as mulheres que
foram ao sepulcro. Pobreza da memória, da parte de Pedro e dos outros: eles se
esqueceram de tudo. E pobreza da inteligência, que não compreende nada do que
passou.
A primeira experiência pascal é a
de uma ausência. Resta a esperança, que é também uma experiência radical de
pobreza: aceitamos seguir sem ver o que está adiante, e recusamos voltar atrás.
É então que se experimenta a pobreza que é o Reino. Era necessário esse
despojamento, essa verdadeira expatriação para deixar lugar ao Ressuscitado.
Nós temos a tendência de nos apegarmos a ele, na alegria de possui-lo de novo.
Mas não, ele não será mais como era antes. Ele nos escapa... “Procurai as
coisas do alto”.
A páscoa é a grande celebração do
sentido escondido das coisas de Deus. A criação toda desperta para a vida que
deus aninhava em seu seio. E nesse imenso parto que começa, é necessário
abandonar tudo o que criação tem para descobrir o que ela é, deixando-se como
que formar de novo, à sombra do Espírito Santo, mais ainda do que nos dias de
seus inícios. Os pobres sabem, porque eles não têm nada, estão totalmente
disponíveis à graça que passa. O homem pascal deve ter as mãos transpassadas.
Então, ele mostrará que o reino está lá, dentro de si.
Pe. Christian de Chergé foi um
monge trapista francês nascido em 1937. Em 1969, entrou para o Mosteiro de
Aiguebelle, de onde partiu para a comunidade de Notre-Dame de Atlas, em
Tibhirine, Argélia. Pe. Christian era o prior da comunidade no ano de 1996,
quando quase todos os irmãos que lá vivam foram sequestrados e assassinados por
fundamentalistas islâmicos, história retratada no filme Homens e Deuses (2010).
Pe. Christian foi beatificado em
08 de dezembro de 2018, junto com outros religiosos martirizados na Argélia
naquela época, dentre os quais outros 6 monges trapistas.
Por um Trapista