S. João da Cruz: Espiritualidade e poesia para além dos limites da palavra

Poesia, partitura harmoniosa de palavras, polifonia de sons
e cores para elevar-se. E assim fazendo, voar para Deus. Busca contínua,
íntima, para “reconjugar-se” como Amado, o Esposo. Também S. João da Cruz está
em busca das estrelas, com o seu texto “Noite escura”, ou seja, os seus “Cantos
da alma”. É sempre necessária a «noite escura» para impelir a procura: «Numa
noite escura/ anelante e de amores inflamada/ – oh feliz ventura – / saí
sem ser vista / estando já a minha casa sossegada».
Mas é possível encastoar Deus nas palavras, nos versos
poéticos? Seria um pouco como a criança encontrada por Santo Agostinho na
praia: é possível encher a boca com a água do mar? O Mistério, portanto, em
sinais e letras? Sublime dilema, contradição absoluta, se assim pensamos.
Descreve-o bem Arduini – falando da linguagem poética de João da Cruz – na sua
introdução ao “Cântico espiritual”: «A linguagem mística vive a grande
contradição devida ao seu objeto que é em si não dizível».
Mesmo o ser humano contemporâneo, talvez privado de aspirações (e inspirações) eternas, graças aos versos de S. João da Cruz consegue entrar no mistério divino, entrando em contacto consigo próprio.
Uma das mais importantes lições da poesia de S. João da Cruz
está precisamente encerrada numa contradição: é preciso sair de si próprio para
encontrar a sua alma, o seu eu, e – por isso – Deus. É necessário atravessar o
umbral. Di-lo o “incipit” da sua “Noite”: saí sem ser vista».
Não é só um sair de casa, é algo de mais profundo: o umbral
da própria alma. Para procurar contemplar o Todo, é imprescindível sair de si
próprio e, ao mesmo tempo, entrar cada vez mais na sondagem do próprio eu. É a
perene, sublime, contradição da Poesia, e da Arte em geral, e, se quisermos –
visto que estamos a falar de um santo, recordamo-lo –, do caminho espiritual. «
Para chegares ao que não sabes, hás de ir por onde não sabes.. Para vires a
possuir tudo, não queiras possuir coisa alguma. Para vires a ser tudo, não
queiras ser coisa alguma.» - estes versos encontramo-los na “Subida ao monte
Carmelo”, capítulo primeiro.
Muitos poetas (que místicos não são, pelo menos no sentido “canónico” com que se define um poeta “místico”), continuam a viver hoje porque a pessoa de cada tempo pode reencontrar-se nas suas composições. E, em S. João da Cruz, tudo isto acontece com versos que são fragmentos do Eterno.
A força poética do autor espanhol consegue desbloquear toda
a colocação de tempo e espaço – a poesia assim o exige – porque nos seus
versos, sempre atuais, cada pessoa pode reencontrar-se com facilidade. Mesmo o
ser humano contemporâneo, talvez privado de aspirações (e inspirações) eternas,
graças aos versos de S. João da Cruz consegue entrar no mistério divino,
entrando em contacto consigo próprio. Esta é a característica essencial e
universal da Poesia.
Os versos das suas obras entram profundamente no leitor de
ontem como no de hoje. Muitos poetas (que místicos não são, pelo menos no sentido
“canónico” com que se define um poeta “místico”), continuam a viver hoje porque
a pessoa de cada tempo pode reencontrar-se nas suas composições. E, em S. João
da Cruz, tudo isto acontece com versos que são fragmentos do Eterno, estrelas
na noite mais escura.
Baudelaire escrevia: «É por meio e através da poesia, por
meio e através da música, que a alma entrevê os esplendores que estão para além
do túmulo». S. João da Cruz chega com os seus versos para além do túmulo, para
além das fronteiras das palavras. No fundo, uma palavra, um verso, são já um
limite. Mas ele, através delas, chega ao Ilimitado: Deus.