Uma pergunta outro dia colocou-me em um estado reflexivo. Uma pessoa perguntou: e há felicidade nessa vida? Talvez seja algo incompreensível em nosso tempo, onde as pessoas têm seus sentidos estimulados até o limite por um bombardeio infernal de propagandas de tralhas sem as quais não podem ser felizes. Ainda: o estímulo à luxúria através da pornografia e da completa falta de modéstia de nossos tempo. Ou mais adiante: um estímulo vazio pela grandiosidade de monumentos arquitetônicos vazios de sentido e estética, mas enormes para nos lembrar da feiúra estética de nossa época. Tudo isso, somado à cobrança do mundo capitalista, da necessidade constante de trabalhar mais para produzir, desencadeia profundos problemas existenciais no homem moderno. Pode-se dizer, sem nenhum problema, que todo mundo hoje tem a psiquê meio quebrada. De fato, é meio difícil imaginar um mundo feliz em nossa época niilista, que curiosamente busca sentido nas coisas externas que são em si mesmas sem sentido. A felicidade é uma resposta que vem de dentro e ela é possível, mesmo nessa vida.
Não é possível não lembrar de Santa Liduína, que viveu seu purgatório em vida. De uma belíssima jovem, passou a uma enferma crônica acamada de cujo corpo se desprendiam pedaços. Pedaços que alguns contemporâneos diziam cheirar como rosas, apesar de tanto sofrimento causado pela sua carne podre. Em princípio ela pensou que seria algum castigo divino, mas logo compreendeu que era desejo de Nosso Senhor que ela participasse de seu Calvário. Como nos lembra São Paulo, o maior entre todos os doutores: Completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo ... completar, em nossa própria carne, o que falta à Paixão do Senhor (Cl 1,24). E quando se deu conta de sua nobre missão, Santa Liduína abraçou e beijou a Cruz e hoje se encontra unida, consumida e confundida com o Amor que nos amou primeiro. Ao entender o sofrimento, Santa Liduína encontrou a paz e a felicidade.
A felicidade é possível, mas como bem lembra Santo Agostinho, é um ato interior que emana da amizade com Deus. Aquele que em Deus confia jamais se abala. E Santo Agostinho exprime isso na, talvez, mais bela poesia do cristianismo: "tarde Te amei, oh Beleza tão antiga e tão nova, tarde Te amei. Estavas dentro e eu fora." E ele continua em sua narrativa dizendo que procurou em todos os prazeres e tudo o que era externo a Verdade. Mas a Verdade habita o coração do homem. E foi olhando para dentro que ele encontrou a paz e a felicidade.
A mortificação da própria carne é uma tarefa árdua, pois ela vai contra tudo o que aprendemos em nosso tempo. Desde crianças temos nosso paladar estimulado pelo glutamato a fim de sermos gulosos. Na adolescência somos bombardeados com a propaganda de que precisamos de sexo para sermos felizes, para sabermos o que é bom de verdade. Na vida adulta somos convencidos a comprarmos tudo e mais um pouco, procurando a tal felicidade. No final das contas, vivemos a era da satisfação de nossas ambições. E isso cria o imediatismo. E isso nos torna fracos. E isso nos faz infelizes... Somos estimulados a todo instante a arraigarmos os sete pecados capitais no mais íntimo e profundo de nossa alma. Nos tornamos um só com nossos vícios.
Já Chesterton diz que cada geração é convertida pelo santo que mais a contradiz. E nada melhor para treinarmos a fortaleza necessária do que mortificarmos a carne. Adiar uma refeição a ponto de sentirmos um desconforto. Preferir escadas a elevadores. Fazer uso de objetos que causam incômodo, como cilícios e disciplinas (esses com a devida direção espiritual). Fortalecer o espírito, recusar a dar ao nosso corpo o prazer que ele pede no exato momento em que ele pede. E ao invés de criar aquele clima de autopiedade, pensar que Cristo sofreu muito mais por nós. "Não a nós, Senhor, não a nós", diziam os Cavaleiros Templários.
A mortificação proposital é uma das formas de sacrifício mais agradáveis a Deus, assim como oferecer nossos aborrecimentos não-voluntários a Ele, sem murmurar, mas com imensa doçura. Quase que dizendo: "Senhor, não sei o porquê de eu estar enfrentando isso, mas não cai um cabelo de minha cabeça sem que o Senhor queira. Aceito de bom grado esse sofrimento, e o ofereço pelo Santo Padre, o Papa, pelos bispos, padres, diáconos e ministros, pelas almas do Purgatório, por toda a Igreja e pela conversão dos pecadores, entre os quais sou o primeiro."
À partir do momento no qual nos abstemos de darmos opiniões sobre tudo, de nos preocuparmos com tudo, de nos aborrecermos com tudo, nossa vida se torna mais plena. Se entregamos nossa cruz ao Cristo, nosso fardo se torna mais leve. Se aceitamos a mortificação com doçura, nos unimos ao Cristo sofredor, nas horas amargas de sua paixão, onde Ele se viu traído e abandonado. Morremos para o mundo e vivemos para a Vida Eterna.
Por Eduardo Kohen
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