“Eugenia espiritual” ou abandono dos fieis? – Uma resposta ao bispo de Divinópolis
Existem circunstâncias que nos obrigam a falar e uma delas é
justamente quando alguém apresenta um princípio falso, cujas conclusões podem
produzir uma deterioração da verdade, especialmente da verdade da fé. É este o
caso do último artigo de Dom José Carlos de Souza Campos, bispo da Diocese de
Divinópolis–MG. Contextualizemos o assunto.
Nos últimos dias, jovens e famílias de todo o mundo (Brasil, Espanha, Estados Unidos, Argentina, Áustria, França e Colômbia, por exemplo)
gravaram vídeos solicitando aos bispos o fim do lockdown sacramental
que eles impuseram a toda a Igreja, em total subserviência a este ensaio de
ditadura que estamos presenciando com a crise do vírus chinês. Não se trata,
portanto, de um mero movimento provinciano, mas de um clamor que nasce do
coração de todos os fiéis católicos.
O argumento utilizado por estes leigos é muito simples: em
todas as cidades afetadas pelas quarentenas, mantiveram-se os serviços
essenciais (farmácias, bancos, supermercados, serviços de saúde, etc.), sempre
orientando-se as pessoas a manterem o distanciamento social, muito prudente
nestes casos. Ora, se mesmo estes serviços essenciais são mantidos,
perguntam-se os fies: por que não se manterem os serviços sacramentais, se
estes são espiritualmente essenciais para todos, tendo sempre os mesmos
cuidados de distanciamento e higiene?
A razão da pergunta é simples: fé e bom senso, coisa que
falta ao clero católico moderno, que se vale de argumentos sofísticos e
contraditórios não apenas para fazer apologia de suas férias prolongadas, mas
também para deformar a fé católica na necessidade dos sacramentos, como faz o
bispo de Divinópolis.
Como dizia Buffon, “o estilo é o homem” e, neste caso, o
reverendo bispo também se denuncia em seu estilo. O primeiro parágrafo de seu
artigo é um amontoado de alegações meramente práticas que se resumem nesta
pergunta de envergadura, digamos, escatológica: “Quem vai fazer a seleção na
entrada (da Igreja)? (Pausa para reflexão!) Ora, é em função deste
problema prático que o bispo calcula toda o seu arremedo de argumentação
“teológica”, e não o contrário, como fazem os fiéis em seus vídeos.
Em seguida, o artigo está dividido em duas partes. Na
primeira, ele defende uma espécie de “igualitarismo de baixo”, ou
seja, como existem pessoas que não podem comungar por fazerem parte do grupo de
risco, logo, a igualdade impõe que ninguém receba o sacramento da Eucaristia e
todos vivam de migalhas, sem criar uma espécie de “Igreja dos ‘sadios’ e dos
‘outros’”; na segunda, ele defende uma tese teológica, no mínimo, pitoresca:
como formamos um Corpo Místico, comungando alguns, todos comungam, e, assim, o
bispo pensa pôr fim no que ele mesmo ironicamente define como “saudade
eucarística”.
A ignorância redacional deste prelado (e daqueles que o
subscrevem, por exemplo) é curiosamente intrigante. De um lado, ele não percebe que o seu
argumento de que “se uns comungam, todos comungam” é um argumento em favor da
tese que ele tenta impugnar, isto é, a de que há um grupo que, não estando no
grupo de risco, deseja comungar e, propriamente, o faz não contra aqueles que
estão impossibilitados de aceder aos sacramentos, mas justamente em favor
deles; de outro lado, ele não percebe que o igualitarismo para o qual apela (o
qual qualificamos como sendo de baixo, porque iguala todos por
baixo e não por cima) é invalidado pelo “igualitarismo factual” da sua doutrina
de que basta uma única pessoa comungar na Igreja que todos já comungaram de
fato.
É evidente que a “tese” tão extravagante excogitada pelo
bispo invalida per se a necessidade de se receber os
sacramentos em absoluto por parte dos fieis (visto que, como ele mesmo nota,
sempre haverá alguém que não possa recebê-los; e, portanto, concluímos que,
impondo-se a necessidade igualitarista, ninguém deve realmente receber os
sacramentos para estar em comunhão com aqueles que os não recebem), ao mesmo
tempo em que sustenta o monopólio dos mesmos por parte da hierarquia; nada tão
contrário à doutrina da Igreja, que sempre entendeu o sacerdócio como ministério,
vale dizer, como serviço ao povo de Deus.
O que mais escandaliza é o fato de o bispo referir-se com
palavras tão odiosas ao Sacramento da Comunhão: “Vale passar na igreja de carro
ou a pé e pegar ‘seu pedaço’ de Eucaristia e ir embora, sem celebração, sem
assembleia litúrgica, sem saborear a vida comunitária celebrante?”. Mas será
que este bispo não conhece a doutrina segundo a qual Cristo inteiro está
presente em cada fragmento da Sagrada Hóstia? Diante da presença real de Nosso
Senhor na Eucaristia, tem algum sentido falar pejorativamente em “pedaço da
Eucaristia”, quando, na verdade, o fiel está recebendo Cristo inteiro?
Obviamente, para este bispo, não tem sentido a comunhão com Cristo sem a
comunhão com a comunidade, como se a comunhão com Cristo se pudesse fazer à
margem da comunhão dos santos… É aquele mesmo velho horizontalismo de que já
falamos tantas vezes!
Escandaliza, também, a reação de ridicularização e esnobismo
do bispo para com os fiéis que pedem os sacramentos. É possível sentir no texto
a ironia pontiaguda com que o autor os qualifica de “parte sadia”, “piedosas
pessoas famintas de Eucaristia, que tentam se enquadrar nos grupos seletos que
podem celebrar e comungar nas Igrejas”, “certos grupos da Igreja e de pessoas
com discursos de ‘saudade de Eucaristia’”, mas que se esquecem “exatamente dos
patriarcas da fé”. O auge dos ataques está quando ele os acusa de “seleção
espiritual” e “eugenia espiritual”.
Em outras palavras, como este bispo responde à súplica dos
fieis famintos? Com indiferença, raiva, como que dizendo “quem são estes leigos
que ousam pedir missas”? Quer dizer que, invertendo a lógica do bispo, a Igreja
terá de criar, juntamente com os ministros da comunhão, um “ministério da
vacina” e, de hoje em diante, quem não estiver imune de toda e qualquer doença
não poderá participar das missas? Será que este bispo não percebe que se os
seus argumentos forem realmente levados à sério ele simplesmente aboliu não
apenas todos os sacramentos, mas a ideia mesma de Igreja, pois ela sempre
implica a congregação de pessoas, as quais sempre são vetores de vírus, dentre
os quais o coronavírus é apenas um?
É a esta miséria que se reduziu o episcopado católico com
“cheiro de ovelhas” e “pobre com os pobres”, esta “Igreja em saída”.
O mais interessante é que as paróquias continuam mantendo
seus serviços sociais, mesmo em tempos de pandemia, com distribuição de cestas
básicas, de refeições e de roupas, coisas muito meritórias, mas que,
marginalizadas da nossa essência eucarística, reduzem a Igreja a uma mera ONG,
destas que o Papa Francisco vive dizendo que a Igreja não deve se tornar. Os
leigos querem o Pão da Vida, mas os bispos querem alimentá-los com sopão.
Que os sacramentos sejam essenciais para a vida cristã e que
esta “comunhão mística” alegada pelo bispo é apenas uma invenção ajustada para
escorar a sua raiva da reinvindicação do povo fica bastante patente pelas
palavras do Catecismo da Igreja Católica: “A Igreja afirma que, para os
crentes, os sacramentos da Nova Aliança são necessários para a salvação. A
‘graça sacramental’ é a graça do Espírito Santo dada por Cristo e própria de
cada sacramento. O Espírito cura e transforma aqueles que O recebem, conformando-os
com o Filho de Deus. O fruto da vida sacramental é que o Espírito de adoção
deifique os fiéis, unindo-os vitalmente ao Filho único, o Salvador” (Catecismo da Igreja Católica, 1129).
Existem situações em que não podemos ficar calados. A
súplica dos fieis precisa ser atendida, os pastores precisam dar alimento ao
seu rebanho e as autoridades públicas têm a obrigação de garantir a nós,
cidadãos, o direito de livremente prestarmos o nosso culto a Deus e recorrermos
aos meios necessários para a saúde de nossas almas. Não podemos ser coniventes
com nenhuma “eugenia doutrinal”, com a “seleção de doutrinas” artificialmente
ajuntadas para justificarem um verdadeiro eclesiocídio.
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