Accipe puerum et matrem eius, et fuge in Aegyptum –
“Toma o Menino e sua Mãe, e foge para o Egito” (Mt 2, 13)
Sumário. A profecia de São Simeão acerca da
Paixão de Jesus e das dores de Maria começou desde logo a realizar-se na fugida
que teve de fazer para o Egito, a fim de subtrair o Filho à perseguição de Herodes.
Pobre Mãe! Quanto não devia ela sofrer tanto na viagem como durante a sua
permanência naquele país entre os infiéis! Vendo a Sagrada Família na sua
fugida, lembremo-nos que nós também somos peregrinos sobre a terra. Para
sentirmos menos os sofrimentos do exílio, à imitação de São José tenhamos
conosco no coração a Jesus e Maria.
I. Como cerva, que ferida pela flecha, aonde vai leva
a sua dor, trazendo sempre consigo a flecha que a feriu; assim a divina Mãe,
depois da profecia funesta de São Simeão, levava sempre consigo a sua dor com a
memória contínua da paixão do Filho. Tanto mais, que aquela profecia começou
desde logo a realizar-se na fugida que o Menino Jesus teve de fazer para o
Egito, a fim de se subtrair à perseguição de Herodes: Surge et accipe puerum
et matrem eius et fuge in Aegyptum — “Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe, e
foge para o Egito.”
Que pena, exclama São João Crisóstomo, devia causar ao
Coração de Maria, o ouvir a intimação daquele duro exílio com seu Filho! “Ó
Deus”, disse então Maria suspirando, como contempla o Bem-aventurado Alberto
Magno, “deve, pois fugir dos homens aquele que veio a salvar os homens?”
Cada um pode considerar quanto padeceu a Santíssima Virgem
naquela viagem. A estrada, conforme à descrição de São Boaventura, era áspera,
desconhecida, cheia de bosques, pouco frequentada, e sobretudo muito longa, de
modo que a viagem foi ao menos de trinta dias. O tempo era de inverno; por isso
tiveram de viajar com neves, chuvas e ventos, por caminhos arruinados cheios de
lama, sem terem quem os guiasse ou servisse. Maria tinha então quinze anos, e
era uma donzela delicada, não acostumada a semelhantes viagens. Que dó fazia
ver aquela Virgenzinha com o Menino nos braços e acompanhada somente de São
José!
Pergunta São Boaventura: Quomodo faciebant de victu? Ubi
nocte quiescebant? — “De que alimentavam-se? Onde passavam as noites?” E de
que outra coisa podiam alimentar-se, senão de um pedaço de pão duro, trazido
por São José, ou mendigado? Onde deviam dormir, especialmente no extenso
deserto pelo qual deviam passar, senão sobre a terra, ao relento, com perigo de
ladrões ou de feras em que abunda o Egito? Oh! Quem tivera encontrado aqueles
três grandes personagens, por quem as haveria então reputado senão por três
pobres mendigos e vagabundos?
II. Opina Santo Anselmo que os santos peregrinos no
Egito habitaram a cidade de Heliópolis. Considere-se aqui a grande pobreza em
que deviam viver nos sete anos que ali permaneceram, como afirma Santo Antônio
com Santo Tomás e outros. Eram estrangeiros, desconhecidos, sem rendimentos,
sem dinheiro, sem parentes. Como diz São Basílio, chegaram com dificuldade a
sustentar-se com os seus pobres trabalhos. Escreve Landolfo de Saxônia (e isto
seja dito para consolação dos pobres), que Maria se achava em tão grande
pobreza, que algumas vezes não tinha nem sequer um pouco de pão, que o Filho
lhe pedia, obrigado pela fome.
Ver assim Jesus, Maria e José andarem fugitivos,
peregrinando por este mundo, ensina-nos que também devemos viver nesta terra
como peregrinos, sem que nos apeguemos aos bens que o mundo oferece, pois que
em breve os havemos de deixar e de ir para a eternidade: Non habemus hic
manentem civitatem, sed futuram inquirimus (1) — “Não temos aqui cidade
permanente, mas procuramos a futura”. Demais, ensina-nos que abracemos as
cruzes, já que neste mundo não se pode viver sem cruz. — A Bem-aventurada
Verônica de Binasco, Agostiniana, foi levada em espírito a acompanhar Maria com
o Menino Jesus na viagem ao Egito, finda a qual lhe disse a divina Mãe: “Filha,
acabas de ver com quantas fadigas chegamos a este país; sabe, pois, que ninguém
recebe graças sem padecer.”
Quem deseja sentir menos os trabalhos desta vida, deve, à
imitação de São José, tomar consigo Jesus e Maria: Accipe puerum et matrem
eius — “Toma o Menino e sua Mãe”. A quem pelo amor traz no coração este
Filho e esta Mãe, se lhe tornam leves, quiçá doces e estimáveis, todas as
penas. Amemo-los, pois, e consolemos a Maria acolhendo o seu Filho dentro dos
nossos corações, que ainda hoje é continuamente perseguido pelos homens com os
seus pecados.
Referências: (1) Hb 13, 14
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias
e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa
Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 313-316)
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