Quinta-feira depois das cinzas: Amor de Jesus Cristo em dar-se a nós como alimento
In funiculis Adam traham eas, in vinculis caritatis… et
declinavi ad eum ut vescerentur – “Eu as atrairei com as cordas com que se
atraem os homens, com as prisões da caridade… inclinei-me para ele, para que
comesse” (Os 11, 4)
Sumário. Quanto se julgaria distinguido o
súdito a quem o príncipe mandasse algumas iguarias da sua mesa? Jesus Cristo,
porém, na santa comunhão, nos dá para sustento, não só uma parte da sua mesa,
mas o seu próprio corpo, a sua alma e a sua divindade. Será
porventura uma pretensão exagerada da parte do Senhor, se, em compensação de
tão grande dom, nos pede o nosso pobre coração todo inteiro? Todavia quantos
cristãos não há que Lho recusam completamente ou Lho querem dar, mas dividido
entre Ele e as criaturas?
I. Jesus Cristo não satisfez o seu amor, sacrificando
a sua vida por nós num oceano de ignomínias e dores, a fim de patentear o amor
que nos tinha. Além disso, e para nos obrigar mais fortemente a amá-Lo, quis,
na véspera da sua morte, deixar-se todo a nós como nosso alimento na santíssima
Eucaristia. ― Deus é todo-poderoso, mas depois de dar-se a uma alma neste
Sacramento de amor, não lhe pode dar mais. Diz o Concílio de Trento que Jesus,
dando-se aos homens na santa comunhão, derramou (por assim dizer) neste único
dom todas as riquezas de seu amor infinito: Divitias sui erga homines amoris
velut effudit.
Como não se julgaria honrado, escreve São Francisco de
Sales, o vassalo a quem o príncipe enviasse algumas iguarias da sua mesa! E que
seria se lhe desse para sustento alguma coisa da sua própria substância? Jesus
Cristo, porém, na santa comunhão, nos dá para sustento, não só uma parte de sua
mesa, não só uma parte da sua carne sacrossanta, mas o seu corpo inteiro: Accipite
et comedite: hoc est corpus meum (1) ― “Tomai e comei, isto é o meu corpo”.
E com o corpo nos dá também a alma e a divindade. Numa palavra, diz São João
Crisóstomo, Jesus Cristo dando-se a si próprio no Santíssimo Sacramento, dá
tudo o que tem e não Lhe resta mais nada para dar: Totum tibi dedit, nihil
sibi reliquit.
É pois com razão que este dom é chamado por Santo Tomás:
sacramento e penhor de amor, e por São Bernardo: amor dos amores: amor
amorum, porque Jesus Cristo reúne e completa neste sacramento todas as
outras finezas do seu amor para conosco. Pelo mesmo motivo Santa Maria Madalena
de Pazzi chamava o dia em que Jesus instituiu este sacramento, o dia do amor. Ó
maravilha e prodígio do amor divino! Deus, o Senhor de todas as coisas, se faz
todo nosso!
II. Praebe, fili mi, cor tuum mihi (2) ― “Meu filho,
dá-me teu coração”. Eis o que Jesus Cristo nos diz lá de dentro do santo
Tabernáculo: Meu filho, em compensação do amor que te mostrei, dando-te o dom
inapreciável do Santíssimo Sacramento, dá-me o teu coração e ama-me de hoje em
diante com todas as tuas forças, com toda a tua alma. ― Parece-te porventura,
meu irmão, que o nosso Salvador é exigente demais, depois de se ter dado a si
próprio sem reserva? Todavia, quantos cristãos não há que recusam por completo
seu coração a Jesus, ou querem dividi-lo entre Ele e as criaturas!
Ó meu caro Jesus, que mais podeis executar para nos atrair a
vosso amor? Ah! Dai-nos a conhecer por que excesso de amor Vos reduzistes a
estado de alimento, para Vos unir a pobres e vis pecadores como somos? Ó meu
Redentor, vossa ternura para comigo tem sido tão grande, que não recusastes
dar-Vos muitas vezes todo a mim na santa comunhão; e eu, quantas vezes tive a
ingratidão de Vos expulsar da minha alma! Mas não é possível que desprezeis um
coração contrito e humilhado. Por mim Vos fizestes homem, por mim morrestes e
chegastes a Vos fazer meu alimento; após isto, que Vos fica ainda por fazer no
intuito de conquistardes meu amor? Ah! Não poder eu morrer de dor, cada vez que
me lembro de ter assim desprezado vossa graça! Ó meu Amor, arrependo-me de todo
o meu coração de Vos ter ofendido. Amo-Vos, ó Bondade infinita; amo-Vos, ó Amor
infinito. Nada mais desejo senão amar-Vos, e nada mais temo senão viver sem Vos
amar.
Meu amado Jesus, não recuseis vir à minha alma. Vinde,
porque estou resolvido a morrer antes mil vezes, que repelir-Vos de novo, e
quero fazer tudo para Vos agradar. Vinde e abrasai-me todo no vosso amor. Fazei
com que me esqueça de todas as coisas, para não mais pensar senão em Vós, e só
a Vós buscar, meu único e soberano Bem. ― Ó Maria, minha Mãe, rogai por mim, e,
por vossas orações, tornai-me reconhecido para com Jesus Cristo, que tanto amor
me tem.
Referências
(1) I Cor 11, 24
(2) Pv 23, 26
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