Sexta-feira depois das cinzas: Comemoração da Coroa de espinhos de Nosso Senhor Jesus Cristo
Et milites plectentes coronam de spinis, imposuerunt
capiti eius – “E os soldados tecendo de espinhos uma coroa, lha puseram
sobre a cabeça” (Jo 19, 2)
Sumário. Os bárbaros algozes, não contentes
com a horrível carnificina feita em Jesus com a flagelação, Lhe põem por
escárnio uma coroa de espinhos na cabeça e apertam-na de modo que os espinhos
penetraram até ao cérebro. Eis como o Senhor quis reparar a maldição fulminada
contra a terra, isto é, contra Adão, em consequência da qual a natureza humana
não pode produzir senão abrolhos e espinhos de culpas! Eis como Jesus quis
expiar os nossos maus pensamentos!
I. Os bárbaros algozes ainda não contentes com a
horrenda carnificina feita no corpo sacrossanto de Jesus Cristo com a
flagelação, instigados pelos demônios e pelos judeus, querendo tratá-Lo de rei
de comédia, Lhe põem aos ombros um farrapo de um vestido vermelho, à guisa de
manto real; uma cana verde na mão à guisa de cetro, e na cabeça um feixe de
espinhos entrelaçados em forma de coroa. E para que esta coroa não só Lhe
servisse de ludibrio, mas também Lhe causasse grande dor, foi feita, na opinião
comum dos escritores, em forma de capacete ou chapéu, de sorte que cobria toda
a cabeça do Senhor, descia até sobre a testa.
Além disso, colhe-se do Evangelho de São Mateus, que os
algozes com a mesma cana batiam nos espinhos compridos, a fim de entrarem mais
dentro na cabeça. Com efeito, no dizer de São Pedro Damião, chegaram a penetrar
até ao cérebro: spinae cerebrum perforantes. Se um só espinho encravado
no pé de um leão o faz ressoar toda a floresta com seus dolorosos gemidos,
imagina quão acerba deve ter sido a dor de Jesus Cristo que teve toda a sagrada
cabeça perfurada, a parte mais sensível do corpo humano, ao qual se reúnem
todos os nervos e sensações.
Tão atroz tormento não foi para Jesus de curta duração; bem
ao contrário, foi o mais longo da sua Paixão, porquanto durou até à sua morte.
Visto que os espinhos ficavam encravados na cabeça, todas as vezes que lhe
tocavam na coroa ou na cabeça, sempre se lhe renovavam as dores. E o Cordeiro
manso deixou-se atormentar à vontade dos algozes, sem proferir uma só palavra.
― Era tão grande a abundância de sangue que corria das feridas, que Lhe cobria
o rosto, ensopava os cabelos e a barba, e Lhe enchia os olhos. São Boaventura
chega a dizer que não era já o belo rosto de Senhor que se via, mas o rosto de
um homem esfolado. Eis aí, exclama o Bem-aventurado Dionísio Cartusiano, como
quis ser tratado o Filho de Deus, para obter para nós a coroa de glória no céu.
II. Maledicta terra in opere tuo… spinas et
tribulos germinabit tibi (1) ― “A terra será maldita na tua obra… ela te
produzirá espinhos e abrolhos”. Esta maldição foi lançada por Deus contra
Adão e toda a sua descendência; pois que pela terra, não se entende tão somente
a terra material, senão também a natureza humana, que estando infectada pelo
pecado de Adão, não produz senão espinhos de culpas. ― Para cura desta
infecção, diz Tertuliano, foi mister que Jesus Cristo oferecesse a Deus o
sacrifício do seu longo tormento da coroação de espinhos. Por isso Santo
Agostinho não hesita em dizer que os espinhos não foram senão instrumentos
inocentes; mas que os espinhos criminosos, que propriamente atormentaram a
cabeça de Jesus Cristo, foram os nossos pecados, e em particular, os nossos
maus pensamentos: Spinae quid nisi peccatores? É isso exatamente o que
Jesus Cristo mesmo deu a entender, quando apareceu certa vez a Santa Teresa,
coroado de espinhos. Quando a Santa Lhe testemunhava a sua compaixão, disse-lhe
o Senhor:
“Teresa, não te compadeças de mim pelas feridas que me
abriram os espinhos dos judeus, mas antes pelas que me causam os pecados dos
cristãos”.
― Ó minha alma, tu também atormentaste então a cabeça de teu
Redentor com o teu frequente consentimento no pecado. Por piedade! Abre ao
menos agora os olhos, vê e chora amargamente o grande mal que fizeste.
Ah, meu Jesus, Vós não tínheis merecido ser tratado por mim
como Vos tenho tratado. Reconheço a minha ingratidão; arrependo-me de todo o
meu coração. Peço-Vos que não somente me perdoeis, mas que me deis tão grande
dor, que durante a minha vida toda continue a chorar as injúrias que Vos fiz.
Sim, Jesus meu, perdoai-me, visto que Vos quero amar sempre e sobre todas as
coisas. “E Vós, ó Eterno Pai, concedei-me que, venerando na terra, em memória
da Paixão de Jesus Cristo, a sua coroa de espinhos, mereça ser um dia por Ele
coroado no céu com uma coroa de glória e honra” (2). Fazei-o pelo amor do mesmo
Jesus Cristo e de Maria, sua Mãe.
Referências:
(1) Gn 3, 17
(2) Or. festi curr.
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