Caminhar Ferido com o Amado: Meditação sobre a Noite de São João da Cruz

Há dores que não pedem licença. Elas entram, se instalam e fazem morada na alma como quem acende uma vela num templo abandonado. E, sem perceber, é ali — na sombra — que Deus começa a escrever o evangelho mais íntimo da nossa vida.

São João da Cruz entendeu isso melhor do que ninguém. Ele não teorizou o sofrimento; ele o atravessou. Foi humilhado, esquecido, traído por irmãos que vestiam o mesmo hábito e rezavam as mesmas orações. E no fundo daquela cela escura, onde a esperança parecia morrer, brotou a chama que iluminaria séculos: “Em uma noite escura, com ânsias, em amores inflamada…”

É bonito e terrível pensar que o santo doutor da luz nasceu do ventre da noite. Porque nós, tão acostumados a procurar Deus no consolo e na claridade, esquecemos que Ele também fala no silêncio da dor — e talvez com mais ternura ali do que em qualquer êxtase. João da Cruz nos desmonta: ele nos diz que não é a ausência de Deus o que sentimos nas noites da alma, mas a sua presença disfarçada, pedagogia de amor que purifica o olhar e depura o coração.

A “noite escura” não é um castigo, mas um chamado. É o convite divino para amar sem garantias, crer sem sentir, e caminhar sem mapa. É o amor reduzido à sua essência: fé nua, confiança pura. Na linguagem do santo, é “deixar-se guiar mais certo que à luz do meio-dia”.

O carmelita sabe bem disso. Entre o silêncio e o perfume das flores escondidas, o Carmelo ensina que o caminho de Deus é estreito, mas floresce no meio das pedras. O sofrimento não é um obstáculo para a união com Deus — é o seu atalho secreto. Quando o coração sangra e ainda assim ama, já se faz sacerdote de sua própria cruz.

E aqui está o escândalo e o consolo da fé: o mesmo Cristo que morreu gritando “por que me abandonaste?” é o Cristo que ressuscitou em silêncio, sem testemunhas. A luz sempre nasce escondida. João da Cruz não nos convida a sofrer, mas a permitir que o sofrimento seja transformado em amor — amor que purifica, amadurece e liberta.

Talvez o segredo do santo seja este: ele não fugiu da dor, mas tampouco a glorificou. Ele a atravessou com os olhos fixos no Amado. E quem caminha assim, com o coração ferido mas fiel, encontra no meio da noite um brilho que o mundo não entende.

Porque, no fim, o sofrimento não é o oposto da vida espiritual — é a sua escola. O Amado ensina pela ausência, depura pela solidão, amadurece pelo fogo. E quando tudo parece perdido, é Ele mesmo quem acende a centelha da esperança e sussurra ao coração: “Agora sim, estás pronto para o amor que não passa.”

Caminhemos, então, feridos, mas firmes. Que o exemplo de São João da Cruz nos recorde: a cruz não é o fim, é a passagem. E o amor — ah, o amor — é o único caminho que atravessa todas as noites e amanhece em Deus.

Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.