Corruptio Optimi Pessima: uma reflexão teológico-sociopolítica sobre o caos carioca

Introdução

O estado atual do Rio de Janeiro é, para quem conserva algum senso de realidade e fé, um espelho nítido do colapso espiritual que assola a humanidade. Não se trata apenas de uma crise política ou social, mas de uma crise teológica — pois toda desordem exterior nasce primeiro da desordem interior, e esta, por sua vez, é fruto da rejeição de Deus e de Sua Lei. “Non est pax impiis, dicit Dominus” (Is 48,22): não há paz para os ímpios, e o caos urbano e moral de nossa terra é o eco visível dessa sentença antiga.

A corrupção que domina o Legislativo, o Judiciário e o Executivo não é senão a consequência da corrupção do espírito, e por isso é tão profunda. Corruptio optimi pessima — a corrupção dos melhores é a pior de todas. Quando os que deveriam zelar pela ordem tornam-se promotores da desordem, quando os que juraram servir ao bem público entregam-se aos interesses pessoais e escusos, o próprio alicerce da sociedade se desfaz. O pecado deixa de ser exceção e se torna política pública.

A tragédia carioca é emblemática: o Rio, outrora símbolo de beleza e cultura, tornou-se laboratório de uma decadência sem pudor. Violência, narcotráfico, idolatria do prazer, destruição da família, relativismo religioso — tudo se mistura sob o mesmo céu profanado. E, no entanto, o que mais espanta não é o mal em si, mas a indiferença dos bons, aqueles que, segundo Santo Agostinho, “não fazem o mal, mas consentem nele por covardia”.

O silêncio das consciências é o verdadeiro berço do inferno social. Quando a fé é reduzida a emoção e a moral a opinião, o homem perde sua forma. A cidade sem Deus torna-se uma Babel de ruídos, uma caricatura de si mesma. O Rio, “cidade maravilhosa”, tornou-se “cidade miserável”, porque esqueceu a maravilha maior — a presença do Altíssimo no meio de seu povo. Sine Deo nihil possumus — sem Deus nada podemos.

Diante deste quadro, a teologia deve voltar a ser profecia. Não uma profecia de previsões, mas de denúncia e esperança. O profeta não é o que adivinha, mas o que recorda ao povo quem ele é e a quem pertence. O papel do cristão, sobretudo no caos, é ser memória viva do Céu em meio às ruínas da Terra.

Confrontar os ídolos da cidade

A realidade fluminense manifesta o que São Paulo já descrevera aos Romanos: “Tradidit illos Deus in reprobum sensum” (Rm 1,28) — Deus os entregou a um espírito depravado. Quando o homem rejeita a verdade, a própria mentira se torna seu castigo. Vemos isso em cada esquina, em cada manchete, em cada gabinete onde a justiça se vende e o crime se legisla. A desordem não é apenas efeito da ausência de virtude; é a presença ativa do vício como norma.

O problema, portanto, não é apenas ético, mas ontológico. O homem moderno — e o carioca moderno é seu exemplo acabado — perdeu o senso de transcendência. Vive como se o tempo fosse tudo e a eternidade um mito. Daí a ânsia de gozar, de acumular, de dominar, de consumir. A cidade se converteu em mercado, o mercado em templo, e o dinheiro em divindade. O “Mammon” de que falava Cristo (Mt 6,24) hoje governa com mais eficácia do que qualquer governador.

A teologia, nesse contexto, não pode ser cúmplice do silêncio. Deve ser espada e lâmpada. O teólogo, dizia São Gregório Magno, “é aquele que fala de Deus porque o ama”, e amar a Deus em tempos de decadência é ousar confrontar os ídolos da cidade. O cristão autêntico não se contenta em rezar de portas fechadas enquanto o inferno se instala à sua volta; ele age, forma, educa, denuncia, ainda que o mundo o chame de louco ou retrógrado.

É nesse ponto que surge a dimensão espiritual da resistência. A esperança não é fuga, é combate. “Spes contra spem credidit” (Rm 4,18) — Abraão creu contra toda esperança. Assim também deve crer o homem de fé no Rio de Janeiro: não porque vê sinais humanos de mudança, mas porque confia na fidelidade divina. O caos é real, mas não é absoluto. Deus não abandona a história; Ele a escreve com linhas que o mundo não entende.

Por fim, cabe aos poucos que enxergam a tragédia espiritual do tempo assumir a vocação formativa. Educar almas, reacender a chama da virtude, resgatar a beleza litúrgica, restaurar o senso do sagrado — eis o verdadeiro trabalho revolucionário, pois sem santidade, toda reforma é política e, portanto, passageira. Renovamini spiritu mentis vestrae (Ef 4,23): renovai-vos no espírito da vossa mente. É dessa conversão que depende o futuro.

Minhas considerações

O Rio de Janeiro, como toda grande cidade corrompida, é um microcosmo do drama da humanidade sem Deus. Mas não há desgraça que não possa ser transfigurada quando tocada pela graça. A história ensina: dos escombros de Roma nasceu o mosteiro; das ruínas do Império, a civilização cristã. O Espírito sopra onde quer — e talvez, precisamente, nas favelas e vielas esquecidas, já sopre o início de uma restauração silenciosa.

O pessimismo que constata a decadência não é o mesmo que o desespero que se rende a ela. O cristão deve olhar o abismo, sim, mas com a cruz nas mãos. “Veni Domine Iesu” (Ap 22,20) não é um grito de desespero, é o clamor do amor ferido, da alma que espera o retorno do Esposo. É o gemido da Terra que, cansada de tanta corrupção, suplica pela vinda do Justo.

Não cabe a nós apressar os tempos, mas preparar os corações. O Reino de Deus não se impõe por decreto, mas se insinua pela santidade dos poucos fiéis. Um punhado de justos pode sustentar uma cidade — como os dez de Sodoma poderiam tê-la salvo. Que cada cristão no Rio seja um desses dez, e talvez a misericórdia ainda adie o juízo.

Enquanto isso, perseveremos no trabalho discreto e árduo da formação. Catequizar é reconstruir. Educar é resistir. Rezar é edificar muros invisíveis contra a barbárie. Que os Carmelitas se lembrem de sua vocação: ser sentinelas no deserto, intercessores entre o Céu e a Terra. A oração contemplativa é o verdadeiro antídoto contra o caos, pois reconcilia o homem com o Eterno.

E assim, mesmo que a restauração plena só venha em trinta anos — ou cem —, permanece a certeza de que o mal é efêmero e o bem é invencível, pois tem por raiz o próprio Deus. Que Ele, o Senhor da História, converta nossa indignação em zelo, nosso cansaço em fidelidade e nossa esperança em profecia.

Ir. Alan Lucas de Lima, OTC
Carmelita Secular da Antiga Observância