O amor que temos a nós próprios [...] é afetivo e efetivo. O
amor efetivo é o que governa os grandes, ambiciosos de honras e riquezas, que
procuram muitos bens e nunca se saciam de os adquirir; esses amam-se
grandemente, com este amor efetivo. Mas há outros que se amam ainda mais, e com
um amor afetivo, que são muito ternos consigo mesmos e estão constantemente a
mimar-se, a cuidar de si próprios e a confortar-se; temem de tal maneira tudo o
que possa incomodá-los que dá pena. [...]
Esta ternura é ainda mais insuportável quando se aplica às
coisas do espírito que quando diz respeito às coisas corpóreas; sobretudo
quando - por infelicidade - é praticada ou mantida por pessoas espirituais, que
gostariam de ser santas à primeira, sem que isso lhes custasse grande coisa, e
não sofrem sequer os embates da parte inferior da sua alma, dada a repugnância
que sentem pelas coisas contrárias à natureza. [...]
Repugnar às nossas repugnâncias, fazer calar as nossas
preferências, mortificar os nossos afetos, mortificar o juízo e renunciar à
vontade própria é uma coisa que o amor efetivo e terno que temos por nós não
pode permitir-se sem exclamar: Isto custa muito! E, deste modo, não fazemos
nada. [...]
É preferível carregar uma pequena cruz de palha que me
puseram aos ombros sem que eu a tivesse escolhido que ir cortar uma cruz bem
maior em madeira com muito trabalho, para depois a transportar com grande
aparato. E serei mais agradável a Deus com a cruz de palha que com aquela que
eu próprio fabriquei com mais trabalho e suor, e que carregaria com maior
satisfação, por causa do amor próprio, que se compraz tanto com as suas
invenções e a quem agrada tão pouco deixar-se, muito simplesmente, conduzir e
governar.
Por São
Francisco de Sales
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