Ó Maria, formosura do Carmelo, tornai-me digno da vossa proteção, revesti-me com a vossa veste, sede a mestra da minha vida interior.
Os primeiros carmelitas, em fins do século XII depois de
Cristo (mais de dois mil anos depois da vida do profeta Elias) decidiram formar
uma comunidade no Monte Carmelo. O Monte Carmelo é conhecidíssimo pela
sua beleza, o nome significa “jardim”. Os primeiros monges eram
cavaleiros cruzados, que cansados da violência e injustiça daquelas guerras
para conquistar a Terra Santa das mãos dos mouros, ali se refugiaram, sedentos
de uma vida mais autenticamente evangélica. Atraídos ao Monte Carmelo,
pela fama e tradição do profeta Elias, ali fundaram uma capela e em torno dela
construíram seus quartos ou “celas”. Isto foi por volta de 1155,
dedicaram-se a uma vida de penitência e reparação pelos abusos dos cruzados;
exercitavam-se na prática da oração e união com Deus e a trabalhos
manuais. Escolheram Elias como Pai Espiritual e exemplo de vida
monástica de oração e testemunho Profético em meio a um mundo dominado pelas
injustiças.
Dedicaram a capelinha à Virgem Maria e sob sua proteção
dedicaram-se à imitação de suas virtudes, procurando levar uma vida fixa em
Deus. Chamaram a Maria “Senhora” do lugar, segundo os costumes feudais, e
renderam a Ela serviço de dedicada doação dos primeiros carmelitas: Homens
simples, irmãos, sem muita instrução. Os peregrinos e cruzados que os
visitaram, começaram a chamá-los IRMÃOS DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA DO MONTE
CARMELO. Receberam este titulo por causa da capela dedicada a Maria;
figura central na vida daqueles monges, que levavam uma vida contemplativa, a
serviço do Senhor, a exemplo de Elias.
Mais ou menos no ano de 1209, os irmãos decidiram
formalizar a sua vida, pedindo uma Regra de vida ao bispo Alberto, patriarca de
Jerusalém, homem piedoso e conhecido pela sua sabedoria e prudência. Alberto
levando em consideração as tradições deste pequeno grupo de monges
escreveu-lhes uma Regra muito simples. Com o tempo, quando já na Europa,
viajaram a Roma para apresentar ao papa o pedido de aprovação da nova
Ordem. No ano de 1226, o Papa Honório III concedeu a aprovação oficial
da Igreja à ORDEM DOS IRMÃOS DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA DO MONTE CARMELO. Com
esta aprovação os irmãos viveram a sua vida de oração e trabalho, com o ideal
de se unir continuamente ao Senhor, a dia todo e em cada obra, a exemplo de
Elias, seu Pai Espiritual, e de sua Mãe e protetora, a Virgem Maria, Mãe de
Deus e Mãe do Carmelo.
A sua tranquilidade foi interrompida por ocasião da segunda
investida dos mouros, por volta do ano de 1235. Os mouros retornaram a Terra
Santa movendo feroz perseguição contra os cristãos. Os carmelitas
dividiram-se em dais grupos: um, que Permaneceu no Monte Carmelo; os monges
foram massacrados e o mosteiro incendiado; o segundo grupo refugiou-se na
Sicília, Creta, Itália e finalmente na Inglaterra, no ano de 1238.
A Santíssima Virgem é a Mãe que nos reveste de graça, que
toma sob a sua proteção a nossa vida sobrenatural até garantir o seu pleno
desabrochar na vida eterna. Ela, a toda pura, cheia de graça desde o
primeiro instante da sua conceição, toma as nossas almas manchadas pelo pecado,
e com um gesto maternal, lava-as no Sangue de Cristo, reveste-as da graça que,
juntamente com Ele, nos mereceu. Bem podemos dizer que a veste da graça
foi tecida pelas mãos benditas de Maria que, dia a dia, momento a
momento, se deu inteiramente a si mesma, em união com o seu Filho, pela nossa
redenção.
A lenda fala da túnica inconsútil que a Virgem teceu para
Jesus; mas para nós fez realmente muito mais: cooperou para nos conseguir a
veste da nossa salvação eterna, veste nupcial com que seremos introduzidos na
sala do banquete celeste. Oh! como Ela quereria que esta veste fosse
imperecível! Desde o momento em que a recebemos, Maria nunca deixou de
nos seguir com o seu olhar maternal para proteger em nós a vida da graça.
Cada vez que nos convertemos a Deus, nos levantamos de uma culpa — grande ou
pequena — ou progredimos na graça, sempre o fazemos por intermédio de Maria.
A Virgem quer que sejamos muito mais semelhantes a Ela no
coração e no espírito do que no hábito exterior.
O escapulário que a Senhora do Carmo nos oferece não é
mais do que o símbolo exterior desta sua incessante solicitude maternal;
símbolo, mas também sinal e penhor de salvação eterna. “Recebe, amado filho —
disse a Virgem a S. Simão Stock — este escapulário… quem morrer com ele
não padecerá o fogo eterno”. A Virgem assegura a graça suprema da
perseverança final a todos os que usarem dignamente o seu escapulário.
“Quem usa o escapulário — disse Pio XII — faz profissão de
pertencer a Nossa Senhora”; precisamente por lhe pertencermos, a Virgem tem um
cuidado especialíssimo com as nossas almas: o que é seu não se pode
perder, não pode ser tocado pelo fogo eterno. A sua poderosa intercessão
maternal dá-lhe direito a repetir em nosso favor as palavras de Jesus: “Pai
Santo... conservei os que me deste e nenhum deles se perdeu” (Jo 17,
12).
A devoção à Virgem do Carmo é também um premente apelo à
vida interior, a essa vida que foi de modo especialíssimo a vida de
Maria. A Virgem quer que sejamos muito mais semelhantes a Ela no
coração e no espírito do que no hábito exterior. Se penetrássemos na alma
de Maria, veríamos que a graça produziu n'Ela uma imensa riqueza de vida
interior: vida de recolhimento, de oração, de ininterrupta doação a Deus, de
contato contínuo, de união íntima com Ele. A alma de Maria é um
santuário reservado só para Deus, onde nenhuma criatura humana jamais
imprimiu a sua forma, onde reina o amor e o zelo pela glória de Deus e pela
salvação dos homens.
Os que desejam viver plenamente a devoção a Nossa Senhora
do Carmo devem seguir Maria nas profundezas da sua vida interior. O Carmelo
é o símbolo da vida contemplativa, vida toda dedicada à busca de Deus, toda
dirigida para a intimidade divina; e quem melhor realizou este ideal
altíssimo foi a Virgem, Regina decor Carmeli. “No deserto
habitará a equidade, e a justiça terá o seu assento no Carmelo. A paz será a
obra da justiça e o fruto da justiça é o silêncio e a segurança para sempre. O
meu povo repousará na mansão da paz, nos tabernáculos da confiança”.
Estes versículos de Isaías (cf. 32, 16-18) reproduzidos no
Ofício próprio de Nossa Senhora do Monte Carmelo esboçam muito bem o espírito
contemplativo e são, ao mesmo tempo, um belo retrato da alma de Maria,
verdadeiro “jardim” (Carmelo em hebreu significa jardim) de virtudes, oásis de
silêncio e de paz, onde reina a justiça e a equidade, oásis de segurança, todo
envolto na sombra de Deus, todo cheio de Deus.
Toda a alma de vida interior, embora vivendo no meio
do ruído do mundo, há-de esforçar-se por alcançar esta paz, este
silêncio interior que tornam possível o contato contínuo com Deus. São as
paixões e os apegos que fazem barulho dentro de nós, perturbando a paz do nosso
espírito e interrompendo o trato íntimo com o Senhor. Só a alma completamente
desprendida e que domina inteiramente as suas paixões, poderá, como Maria, ser
um “jardim” solitário e silencioso, onde o Senhor encontre as Suas delícias. É
esta a graça que hoje devemos pedir à Senhora, escolhendo-a para padroeira
e mestra da nossa vida interior.
Colóquio — “Ó Maria, flor do Carmelo, vinha
florida, esplendor do céu, Virgem fecunda e singular, Mãe bondosa e intacta,
aos vossos filhos dai privilégios, Estrela do mar!” (S. Simão Stock).
“Ó Virgem bendita, quem vos invocou nas suas necessidades,
sem que tenha recebido o vosso socorro? Nós, vossos pobres servos,
regozijamo-nos convosco por todas as vossas virtudes, mas pela vossa
misericórdia regozijamo-nos conosco. Louvamos a virgindade, admiramos a
humildade, mas para quem é miserável, a misericórdia tem um sabor muito
mais doce. Abraçamos a misericórdia com maior ternura, lembramo-la muitas
vezes, invocamo-la com mais frequência.
Por vós, ó Maria, enche-se o céu, o inferno esvazia-se, os
que se extraviavam regressam ao bom caminho.
Com efeito, foi a vossa misericórdia que obteve a redenção
do mundo e que, juntamente com as vossas orações, conseguiu a salvação de todos
os homens. Portanto, ó bendita, quem poderá medir o comprimento e a largura, a
altura e a profundidade da vossa misericórdia? A sua extensão chega até ao fim
dos tempos para socorrer todos os que vos invocam; a sua largura envolve o
mundo inteiro, de modo que toda a terra fica cheia da vossa bondade. A altura
da vossa misericórdia abriu as portas da cidade celeste e a sua profundidade
obteve a redenção dos que habitam nas trevas e nas sombras da morte.
Por vós, ó Maria, enche-se o céu, o inferno esvazia-se,
os que se extraviavam regressam ao bom caminho. Assim a vossa poderosíssima
e piíssima caridade derrama-se sobre nós com um amor compassivo e auxiliador”
(S. Bernardo).
Referências
Extraído e levemente adaptado de “Intimidade
Divina: Meditações sobre a Vida Interior para Todos os Dias do Ano”,
2.ª ed., Porto: Edições Carmelitanas, 1967, pp. 1464-1467.
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