Quando as luzes se apagam na Cristandade — e o Advento acende o último fósforo
Tem dias em que a gente olha para o mundo e escuta aquele
rangido fundo, como se as vigas antigas da cristandade estivessem avisando que
já carregaram peso demais. Não é nostalgia barata, é percepção: parece que algo
precioso foi deixado cair, e está rolando até sumir no escuro. A galera tenta
colar sorriso em cima de ruína, como quem diz “relaxa, é oportunidade”, mas o
coração sabe quando uma casa está desabando — e não adianta verniz globalista para
segurar parede torta.
A sensação é que vivemos num intervalo. A primeira luz foi
acesa na gruta de Belém: o Verbo descendo devagar, quase em segredo, iniciando
um reino que nasce no peito dos humildes. A segunda luz ainda não rasgou o céu,
mas já deixa o ar elétrico, como antes de um raio que faz o mundo inteiro
segurar a respiração. E é nesse “entre relâmpagos” que a gente tenta caminhar.
No meio disso, dá para ver distorções que doem: rituais que
perdem o peso da eternidade, altares usados como palco de invenções que não
alimentam ninguém, discursos que tratam o colapso como se fosse upgrade
espiritual. Parece que o sagrado foi rebaixado a cenário de teatro amador, não
por maldade explícita, mas pela distração de quem deveria velar — e preferiu
luzes piscando a lâmpada de azeite.
Só que Advento chega sempre do mesmo jeito: baixinho, firme,
real. Ele quebra essa confusão com aquele recado simples: calma. A história não
está nas mãos de tiranos, nem de modinhas, nem de trending topics. Quem
dirige a barca não é quem grita mais, e sim Aquele que dormia nela — e que
acorda quando quer, pondo ordem no mar.
Mas Advento também joga luz dura. Mostra que negar a
idolatria não a destrói; só a faz crescer nas brechas do coração. E idolatria
hoje não veste máscara de ouro, não — ela se disfarça de “novidade pastoral”,
de “abertura cultural”, de “coragem de mudar”. Quando você vê, o altar virou
palco para qualquer símbolo, menos o do Deus que entregou a própria vida. E
quem finge que não vê acaba ajoelhado diante daquilo que não salva.
Mesmo assim, o Advento insiste: não é o caos que manda. A
vitória começou na manjedoura e foi selada no Gólgota. A gente vive no
intervalo, e intervalo não é derrota — é treinamento. Os antigos sabiam disso:
fé não se constrói com espuma, mas com fogo. Eles atravessavam guerras, pestes,
traições, sabendo que a história já tinha Autor e final. E que ninguém arranca
a caneta da mão desse Autor.
E, no meio dessa narrativa, Maria fica ali — silenciosa, mas
mais sólida que montanha. Ela guarda, vigia, luta sem alarde. Carrega o Filho,
sente a espada, pisa o inimigo. A Igreja pode tremer, mas Ela não treme.
Advento também é entrar sob esse manto: esperar com Ela, aprender com Ela,
resistir com Ela.
No fim, talvez o recado seja cru, direto, sem voltas:
acorda. Levanta. Fica firme. O mundo está escurecendo, mas isso não muda o
destino da luz. Quem escolhe o lado agora não é quem grita mais forte, mas quem
guarda, no próprio peito, a chama pequena que Deus acendeu. Essa chama é a
resistência real — a que transforma o coração de pedra em carne viva.
E, no fim, sempre acontece: a luz chega. Sempre chega.
E cada Advento, ano após ano, repete com aquela doçura que
corta a noite:
Ele vem.
Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância, B.