Entre o Sino e o Machado

Quadro “Alegoria da árvore da vida” (Ignacio de Ries - 1653).

Olhando pra “Alegoria da Árvore da Vida”, dá aquele choque meio doce, meio ácido, que só a arte sacra sabe dar. Parece que o século XVII piscou pra gente e disse: “e aí, vocês ainda tão dormindo aí em cima da árvore?” A cena toda é tão direta que quase dispensa legenda: um povo fazendo festa como se o tempo fosse elástico, como se a Morte não estivesse ali embaixo afiando o instrumento, esperando a sua deixa. E, claro, o Diabo segurando o tronco como quem diz: “relaxa, a queda é por minha conta.”

Mas o detalhe que mais cutuca é Cristo tocando o sino. Não é um gesto de fúria, é aviso — daqueles sinceros, sem rodeio. É tipo a verdade chegando com elegância, mas sem paciência. E esse toque ecoa por dentro da gente, lembra que existir é mais do que correr atrás do próximo prazer, que a vida não gira em torno das luzes da festa, mas do brilho discreto do amor que se dá.

E, mano, o Evangelho já tinha entregue o spoiler há dois milênios: o rico festivo, incapaz de enxergar Lázaro caído à sua porta. Não foi a festa que condenou o cara — foi a frieza. A incapacidade de deixar a alegria se tornar bondade. O drama do quadro e da parábola é o mesmo: a gente sabe que vai morrer, não sabe quando, mas age como se nem fosse acontecer. E, no fundo, a grande pergunta é simples e antiga: quem é que você não está enxergando?

A tradição nunca teve medo de lembrar da morte. Mas não pra dar medo, e sim pra abrir o peito. Quem lembra que é pó aprende rapidinho a valorizar cada gesto, cada encontro, cada chance de fazer o bem. O memento mori não é um suspiro sombrio — é um convite humilde e visionário pra viver do jeito certo, sem fingir que a festa é eternidade.

A árvore do quadro tá pra cair. A nossa também, cedo ou tarde. A real é: o que você tá fazendo enquanto está de pé? Só dançando lá no topo ou descendo pra socorrer quem tá à sombra, pedindo migalha, esperança, companhia? No fim das contas, o sino de Cristo continua soando — não pra estragar a alegria, mas pra ensinar a gente a direcioná-la. A vida fica muito mais plena quando deixa de ser consumo e vira entrega.

E essa é a treta santa do quadro: lembrar que a morte chega, mas Deus também. E quando Ele chega, é sempre pra despertar.

Por seu irmão Carmelita Secular da Antiga Observância, B