Memento Mori.exe
Uma crônica teológica sobre a morte em tempos digitais
Mas no fundo é o mesmo gesto: contemplar a passagem.
Os monges olhavam ossos; nós olhamos stories que somem em 24
horas.
Memento Mori, dizia o irmão do hábito grosso.
E a frase ecoava pelos claustros como uma campainha do real.
“Lembra-te de que vais morrer” — mas também: lembra-te de
que ainda estás vivo.
Hoje o lembrete vem disfarçado de notificação: “Seu tempo
de tela aumentou 13% esta semana.”
A ampulheta virou ícone de carregamento.
A vanitas barroca agora cabe num feed, iluminada por LED
azul.
A caveira perdeu o pó, mas não perdeu a verdade.
O século XXI é o mais ocupado da história — e,
paradoxalmente, o mais distraído diante da morte.
A gente fala de tudo: ansiedade, burnout, propósito,
produtividade — mas evita o tema central como quem muda de aba no navegador pra
não encarar a própria alma.
Só que há uma diferença crucial.
Para o monge medieval, lembrar da morte era aprender a
viver com sentido, não com medo.
Para nós, é tentar viver com urgência, como se o
sentido fosse algo que se compra no último minuto do expediente.
Eles esperavam a eternidade; nós fazemos backup.
E, no entanto, algo em nós ainda busca aquele silêncio
antigo — aquela lucidez que só nasce quando o barulho morre.
Quando o like não consola, e a vaidade digital mostra
o mesmo vazio que o ouro barroco escondia.
O homem moderno é um novo tipo de penitente: carrega uma
cruz de dados, arrasta um feed de fantasmas, e ainda assim sonha com
ressurreição.
O Memento Mori hoje sussurra em outra frequência.
Não vem dos sinos, vem dos bugs.
Das fotos antigas no drive, dos perfis que permanecem o-nline
depois que alguém parte.
A eternidade digital é a nova ilusão — mas também, talvez, o
novo ícone.
Porque, mesmo em meio a bytes, o coração humano ainda
pergunta: “E depois?”
A fé responde o mesmo que respondia no século XIII: “Depois
vem o encontro.”
O encontro com Aquele que venceu a própria morte.
Aquele que fez do túmulo um portal e da cinza uma semente.
Em Cristo, o Memento Mori muda de tom — de
advertência, vira promessa.
“Lembra-te de que vais morrer… mas também de que viverás
para sempre.”
E é aí que tudo faz sentido.
Os monges tinham crânios, nós temos telas — mas a lição é
idêntica: viver é preparar o coração para o instante em que o tempo se
desfaz.
Quando o feed silenciar, o código se apagar e o último pixel da história brilhar — o Espírito ainda dirá, suave como sempre disse:“Memento Mori”.
Mas sobretudo, Memento Vivere. (Lembra-te de viver.)
Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.