O Mal Que Não Quero


Há dias em que me olho no espelho e não me reconheço.

Não é que eu tenha esquecido quem sou…

É que às vezes me espanto com quem continuo sendo.

Porque, no fundo, todos nós — até os mais bem-intencionados — vivemos esse embate silencioso.

Essa guerra civil travada dentro do peito.

De um lado, o espírito que quer subir, quer rezar, quer amar.

Do outro, a carne, teimosa, caída, que rasteja de volta pro chão.

E é aqui que São Paulo, o Apóstolo dos Gentios, não economiza palavras nem se faz de santo de vitral.

Ele abre o peito e confessa, sem filtro e sem verniz: “Não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse eu faço”. (Rm 7,19)

Não é poesia.

É tragédia.

É autobiografia do coração humano.

A gente quer ser bom.

Quer perdoar, quer amar com paciência, quer calar diante da ofensa.

Mas basta um tropeço, um olhar torto, uma palavra atravessada — e pronto: lá estamos nós de novo, fazendo aquilo que odiamos.

Isso não é só fraqueza moral. É uma ferida ontológica.

É o sinal de que fomos criados para o céu, mas andamos com os pés atolados na lama.

A tensão entre a graça e o pecado não é um detalhe na vida espiritual: é o próprio campo de batalha onde se trava a nossa salvação.

E por mais que isso doa, essa é a boa notícia: reconhecer essa miséria é o primeiro suspiro da graça.

Porque Deus não se aproxima dos que se acham fortes, mas dos que já entenderam que estão perdidos sem Ele.

É na dor da luta que Ele planta a esperança da vitória.

A santidade não nasce do orgulho de quem se acha melhor.

Nasce da humildade de quem, como Paulo, admite: “Miserável homem que sou! Quem me livrará deste corpo de morte?” (Rm 7,24)

E a resposta vem como luz depois da noite escura: “Graças a Deus, por Jesus Cristo, nosso Senhor!” (Rm 7,25)

Então, se você sente que vive caindo, tropeçando, recomeçando — não desista.

Essa luta é real.

Mas você não está sozinho.

E quem reconhece o próprio abismo já está, sem saber, mais perto da mão que salva.

Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.