Quando o Sagrado é Alvo: Crônica de um Templo Ferido

“O zelo da tua casa me consome.” (Jo 2,17)

Há algo que se rompe no mundo quando uma igreja é atingida por bombas. E não falo apenas da estrutura física que desaba em poeira e ruínas. Falo do invisível. Do que se perde no silêncio entre um disparo e a oração interrompida. Falo do altar, da lâmpada que se apaga, do ícone que chora fuligem. Falo de Deus sendo ferido na casa que Ele escolheu habitar.

A recente tragédia na Faixa de Gaza – o ataque à única igreja católica local, a Paróquia da Sagrada Família – não é só mais um entre os inúmeros horrores da guerra. Não. É algo mais grave. Mais profundo. É um rasgo escatológico, um sinal que escorre pelos porões da história, gritando para quem ainda tem ouvidos: o sagrado está sendo banalizado, e a guerra agora pisa no solo do templo.

Essa pequena igreja, cercada de ruínas, acolhia civis, crianças, idosos, feridos... almas em busca de um mínimo de paz. Era refúgio. Era casa. Era santuário. E foi atingida. Profanada. Reduzida ao mesmo pó das ruas. Como se não houvesse mais diferença entre o altar e o asfalto.

E o mundo? Silencia. Os grandes jornais passaram ao largo. Os diplomatas mantêm suas rotas. Os bispos, em sua maioria, ecoam tímidas notas de pesar, como se temessem mais a censura política do que a justa ira do Céu. Mas a liturgia celeste já registrou o ocorrido. Anjos recolheram o sangue derramado. Mártires se levantaram de seus túmulos invisíveis. E o incenso queimou com gosto de luto.

A questão não é apenas humanitária. É teológica. É mística. Porque quando se atinge uma igreja, atinge-se a memória do Verbo Encarnado. Ali se celebra a Eucaristia. Ali o Cordeiro de Deus é oferecido ao Pai. Ali se renova, dia após dia, a aliança entre o Céu e a Terra. O templo não é um prédio qualquer. É um ombro de Deus encostado no mundo.

Mas o que acontece quando os homens já não veem mais isso? Quando igrejas são destruídas como se fossem depósitos? Quando os fiéis são dispersos como poeira inconveniente?

Estamos assistindo à normalização da profanação. E, meus irmãos, isso é um sinal gravíssimo. Porque quando o sagrado é tratado como lixo, é porque o mundo já esqueceu de Deus.

E nesse esquecimento coletivo, surgem projetos obscuros. Falsas esperanças. Engenheiros do caos. Grupos que falam de paz, mas sonham com poder. Sonham com a destruição da mesquita de Al-Aqsa para, em seu lugar, erguer o chamado Terceiro Templo. Um novo centro espiritual que, sob a aparência de algo santo, esconderia o palco de um novo culto: o culto ao homem, ao Estado, à ordem sem Deus.

É nesse contexto que precisamos olhar o ataque à igreja de Gaza: não como um episódio isolado, mas como um ensaio. Uma tentativa. Uma brecha aberta. Um teste para ver o quanto suportamos em silêncio. O quanto aguentamos ver o altar ser pisoteado antes de nos levantarmos com a coragem dos mártires e a lucidez dos profetas.

Sim, estamos num tempo de templos feridos. E talvez isso seja necessário, para que redescubramos que o verdadeiro Templo de Deus somos nós, e que Ele habita em corações fiéis, mesmo sob escombros. Mas não confundamos isso com passividade. É hora de vigiar. De denunciar. De orar com os olhos abertos e o terço entre os dedos. De gritar com fé: “o zelo da tua casa me consome!

Cristo já foi expulso de muitos lugares. Mas enquanto houver um fiel ajoelhado diante do altar, enquanto houver um católico que não se vende nem se cala, o Templo ainda respira.

A Igreja é perseguida, mas nunca vencida.
O sagrado é profanado, mas jamais derrotado.
O Cordeiro sangra, mas reina.

E nós? Que sejamos sentinelas, mesmo que ao lado da cruz.

Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.