O véu e a patena

Há momentos na Missa em que o invisível quase grita. Não por
barulho, mas por presença. Um desses instantes acontece quando, na Missa
Cantada, o subdiácono ergue a patena, coberta pelo véu umeral, como quem
sustenta o mistério com mãos que nem ousam tocar.
A patena não é apenas um pratinho dourado. Ela é palco. É o
altar em miniatura onde repousará, em breve, o Corpo do Senhor. E por isso,
enquanto não recebe a Hóstia, permanece velada — como o tabernáculo de outrora,
como a arca da aliança, como o coração humano antes da graça.
O véu umeral que cobre os ombros do subdiácono não é pano
por acaso. É símbolo de reverência, sim — mas também de distância, de
expectativa, de promessa ainda não cumprida. O subdiácono segura a patena sem
vê-la, como o povo da antiga aliança que carregava os sinais de Deus sem
ainda conhecer o rosto do Salvador.
Ele a segura à altura dos olhos, como quem vê
sem ver. Como quem busca nas Escrituras algo mais do que leis e genealogias,
mas ainda não enxerga nelas o Cordeiro imolado. A patena coberta é o Antigo
Testamento: sagrado, sim, mas ainda fechado como livro com lacres que só o
Cordeiro pode abrir.
Só depois do Pai-Nosso o véu é retirado. Só depois da prece
dos filhos é que o Pai revela o rosto do Filho. E então, a patena — antes
escondida — se torna trono. Porque tudo no Antigo leva ao Novo, e tudo no Novo
cumpre o Antigo. O véu cai. A luz entra. O altar se acende.
E talvez o gesto mais silencioso da Missa Cantada seja, na
verdade, o mais eloquente: Deus se revela, mas nunca sem véu — até que o
coração esteja pronto. E quando Ele tira o pano, não é só a patena que aparece.
É o próprio Cristo.
Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.
Nota aos apressados, engraçadinhos e comentaristas de redes sociais
Se você leu “véu umeral”, “patena” e “subdiácono” e achou
que era nome de banda gótica ou prato exótico, calma. Respira. Essa é uma
linguagem que vem de séculos de fé, não de memes. Aqui não estamos falando de “mais
uma firula da Igreja”, nem de “teatro religioso”. Estamos falando de mistério
— aquele tipo de coisa que não se entende com um scroll apressado ou uma
risadinha sarcástica no X, antigo Twitter.
A Missa Solene não é um show. Não é desfile. Não é cosplay
medieval. É oração encarnada. É teologia com corpo, pano, gesto e silêncio. O
subdiácono segurando a patena coberta não está fazendo pose. Está sustentando o
símbolo do sagrado com a reverência de quem sabe que ali, naquele “pratinho”,
repousará o próprio Deus.
“Mas por que cobrir?” — perguntam os impacientes. Porque o
sagrado, antes de se mostrar, se esconde. Porque mistério que se oferece
de bandeja perde a profundidade. Porque até o próprio Cristo se velou em carne
antes de se revelar em glória.
Se você não entendeu, tudo bem. Mistério não é pra ser
entendido de primeira. Mas pelo amor do bom senso (e do bom gosto), respeita.
Segura o emoji de deboche. Guarda o comentário espirituoso pro grupo de
WhatsApp. E, se der, tenta olhar de novo. Mas dessa vez com o coração.
Porque tem coisa que a gente só vê... quando deixa de rir e começa a adorar.