O Modernismo: da virada do século à crise Contemporânea da Verdade

Introdução
O mundo moderno nasceu de um parto complicado, com fórceps
iluminista e anestesia secular. No fim do século XIX, a humanidade acelerava
como um trem desgovernado rumo ao “progresso”, enquanto, discretamente, deixava
cair pela janela as certezas eternas que sustentaram séculos de civilização
cristã. Deus saía de cena, o homem ocupava o palco — e o resultado não foi a
redenção, mas a dúvida elevada a método.
Foi nesse solo instável que floresceu o modernismo — não só
como uma moda teológica, mas como um vírus de época, sorrateiro, mutante,
camuflado de “atualização”. E o que parecia diálogo virou rendição. O que
prometia renovação, trouxe erosão. A Igreja, que por séculos soube ser rocha em
meio às marés, começou a vacilar entre a fidelidade ao depósito da fé e a
tentação de se adaptar ao espírito do tempo.
Este artigo não é um saudosismo desesperado nem uma recusa
cega ao mundo. É, antes, um chamado ao discernimento. Porque a verdadeira
caridade exige clareza, e a paz só é possível onde a verdade reina. O
modernismo — denunciado com coragem por São Pio X — não morreu. Ele apenas
trocou de roupa, aprendeu a sorrir, e hoje desfila impune até mesmo nos
corredores da Igreja.
Aqui, olharemos de frente para essa crise — não com medo,
mas com a firmeza de quem sabe que a Tradição não é uma âncora que nos prende,
mas uma raiz que nos sustenta.
1. A virada do século XIX para o XX: um mundo em ebulição
O fim do século XIX e o início do XX foi um período de
convulsão histórica. O pensamento moderno, enraizado no Iluminismo, ganhava
máxima velocidade com os avanços da ciência, a consolidação do liberalismo
político e econômico, e o florescimento de correntes filosóficas como o
positivismo, o existencialismo em embrião e o niilismo.
A sociedade abandonava a transcendência como referência
última e consagrava o homem como medida de todas as coisas. O Estado laico se
fortalecia, a moral cristã era posta em xeque, e o progresso técnico-científico
parecia prometer um paraíso terrestre. Foi nesse contexto que surgiram, dentro
da própria Igreja, tentativas de “reconciliação” com o mundo moderno.
2. O Modernismo: Heresia do nosso tempo
O modernismo não foi apenas uma opinião teológica
controversa; foi um movimento cultural, filosófico e espiritual que tentou
adaptar a doutrina imutável da Igreja à fluidez da modernidade. Entre seus
expoentes estavam figuras como Alfred Loisy e George Tyrrell, que buscavam
reinterpretar dogmas à luz da crítica histórica e da experiência subjetiva de
fé.
Para o Papa Pio X, isso equivalia a dinamitar os alicerces
da Revelação. Em 1907, ele publicou a encíclica Pascendi Dominici Gregis,
denunciando o modernismo como a “síntese de todas as heresias”. Ele via com
clareza que o modernismo não queria reformar, mas subverter. Era um cavalo de
Troia que relativizava a verdade, tornava a fé uma experiência emocional, e
subordinava a doutrina à mudança cultural.
3. O Concílio Vaticano II: tensões não resolvidas
Apesar das condenações firmes contra o modernismo, ele
sobreviveu escondido, como um rio subterrâneo, e no Concílio Vaticano II
(1962-1965), ressurgiu forte sob a ideia de “aggiornamento” — atualização que
prometia renovação, mas trouxe ambiguidades perigosas. Muitos teólogos
renomados apontam que os textos conciliares, além de não serem livres do
modernismo, usam uma linguagem aberta, ambígua e pastoral que abre espaço para
interpretações dúbias e até modernistas. Os críticos tradicionais nunca cansam
de mostrar que temas como liberdade religiosa, ecumenismo, colegialidade
episcopal e etc; são pontos nevrálgicos que revelam esse mal-estar.
Esse estilo pastoral, que evitou o tom dogmático clássico,
virou brecha para teólogos modernistas usarem o Concílio como trampolim para
reformas desviantes. Por isso, embora o Vaticano II não tenha proclamado
heresias formais — que são erros definidos pela autoridade magisterial
infalível — suas ambiguidades são graves o suficiente para facilitar erros
doutrinários reais, ou até serem consideradas problemáticas por si mesmas. O nó
da questão não está só na interpretação pós-conciliar, mas nas próprias formulações
dúbias dos textos.
A liturgia, por exemplo, passou por reformas que, apesar de
necessárias em certos pontos, acabaram por diluir o sentido sacramental
tradicional. A linguagem teológica tornou-se volúvel, escorregadia, facilitando
interpretações relativistas que minam a clareza da fé. O relativismo, então, se
infiltrou em muitos setores da formação católica, quebrando a coerência
doutrinal.
A resistência tradicional não é apenas um saudosismo chato,
mas uma reação vigorosa e totalmente justificada diante da crescente perda de
identidade doutrinal e espiritual da Igreja. Eles não lutam só para manter
rituais antigos, mas para preservar a integridade da fé e a unidade da Igreja
num mundo que se fragmenta e perde-se na subjetividade e no relativismo. Essa
crise é, no fundo, o embate eterno entre o que é imutável e eterno na Igreja e
as mutáveis pressões do tempo presente.
4. A Presença Modernista Hoje: uma cultura em colapso
Hoje vivemos os frutos maduros da árvore modernista. A
ciência se divorciou completamente da metafísica, tornando-se tecnocracia
materialista. A filosofia abandonou a busca da verdade objetiva e se dissolveu
em desconstruções intermináveis. A crítica histórica e filológica virou
ferramenta de demolição dos textos sagrados. Movimentos sociais e políticos se
orientam por ideologias ateias, materialistas e niilistas.
Na Igreja, a infiltração modernista não é mais marginal;
muitas vezes, ocupa cátedras, púlpitos e organismos de poder. A fé é
psicologizada, o pecado é minimizado, a doutrina é tratada como opinativa. A
liturgia é espetáculo, e a moral se curva ao politicamente correto. O
modernismo não é apenas uma heresia: é uma apostasia silenciosa.
5. Consideração Final: O Desafio da Firmeza
A História da Igreja não é uma linha reta de progresso, mas
um campo de batalha. O modernismo é a heresia dos nossos tempos porque
questiona o que não pode ser relativizado: a Verdade. A resposta à crise
moderna não está em ceder à pressão cultural, mas em reafirmar com coragem o
que é perene.
Recuperar o sentido de Tradição não é regressismo, é
sobrevivência espiritual. Não se trata de viver no passado, mas de enraizar-se
nele para resistir ao colapso do presente. Contra o modernismo, a resistência é
um ato de fé.
Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.
Referências bibliográficas
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Loyola, 2005.
CONGAR, Yves. Verdadeira e falsa reforma na Igreja.
São Paulo: Loyola, 1997.
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DULLES, Avery. Modelos da Igreja. São Paulo:
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GUARDINI, Romano. O fim da era moderna. São Paulo:
Paulus, 1994.
PIEPER, Josef. Abuso da linguagem, abuso do poder.
São Paulo: Edições Loyola, 2002.
PIO X. Pascendi Dominici Gregis. 1907.