Os principais problemas espirituais dos católicos no Brasil atual
Introdução
A fé católica no Brasil enfrenta desafios graves, que se
refletem em diversos desvios da Tradição Apostólica. Observa-se hoje uma superficialidade
religiosa, em que muitos fiéis movem-se apenas por sensações ou eventos
festivos, sem aprofundamento doutrinal nem vida sacramental consistente.
Soma-se a isso uma incoerência entre crença e prática, onde se admite o
pecado e o relativismo moral sob pretexto de compreensão. Outra questão
preocupante é o sincretismo e a superstição: elementos esotéricos,
espíritas ou de matriz afro misturam-se à fé católica, descaracterizando o
Evangelho. Finalmente, há uma indiferença generalizada e até uma
“apostasia invisível”: muitos se dizem católicos, mas vivem como se o Batismo
não tivesse transformado suas vidas, limitando o cristianismo a uma prática
social vazia. Esses problemas estão atrelados à falta de evangelização
autêntica e à debilidade da vida sacramental. O presente artigo analisa cada uma
dessas questões à luz do Magistério e da Tradição, buscando fundamentar-se no Catecismo
da Igreja Católica, em documentos papais (como Evangelii Nuntiandi, Veritatis
Splendor, Redemptoris Missio) e em ensinamentos de santos.
Superficialidade e emocionalismo religioso
Muitos fiéis expressam a fé de forma meramente emocional ou
espetacular, tal como se participassem de um show musical. O Catecismo insiste
que a verdadeira fé exige compromisso de mente e coração, não se reduzindo a
emoções passageiras. Paulo VI advertiu que é preciso evangelizar “não de
maneira decorativa, como que aplicando um verniz superficial, mas de
maneira vital, em profundidade e até às suas raízes”. Não raro, critica-se a
“religião de espetáculo” em que a experiência estética prevalece sobre a
catequese e o sacramento. Essa atitude fere o primeiro mandamento: não basta
manifestar exteriormente ritos ou fervor — é preciso que Deus seja amado de todo
o coração, não só através de ritos estéticos. Como observou o Cardeal
Odilo Scherer, não faltam cristãos que “vivem como se o Batismo nada tivesse
modificado em suas vidas: vivem como se não fossem cristãos” ou que praticam a
fé “apenas de forma exterior e ritual, sem que a orientação de sua vida e seu
comportamento sejam impregnados por Cristo”.
Esse sentimentalismo religioso, ao invés de conduzir ao
encontro com Cristo, facilmente desvia para vaidade e efemeridade. O próprio
Concílio Vaticano II — e depois Paulo VI — recorda que a evangelização requer
maturidade de fé, responsável e ancorada na Palavra de Deus, não em “vivências
passageiras” ou em modismos religiosos. Uma devoção meramente sensitiva pode
degenerar em orgulho espiritual ou misticismo falso. Os santos sempre
ressaltaram que a experiência religiosa deve manter-se unida à verdade, à doutrina
e ao sacrifício amoroso de Cristo. Por isso, cabe aos pastores e catequistas
oferecerem formação sólida, para que a liturgia e a oração sejam vividas “em
profundidade” e não apenas superficialmente.
Incoerência entre fé e prática
Um segundo problema central é a falta de coerência moral:
professa-se crer em Jesus Cristo, mas não se vive conforme Ele ensinou. O
relativismo moral está presente quando cada um decide o que é certo para si,
afastando-se da lei objetiva de Deus. João Paulo II advertiu que,
entregando à “simples liberdade desvinculada de toda objetividade” a tarefa de
decidir autonomamente o que é o bem e o mal, instala-se um relativismo que
“gera, no campo teológico, desconfiança na sabedoria de Deus, que guia o homem
com a lei moral”. Ou seja, quando a consciência se liberta de um fundamento
divino, começa-se a conceber o pecado como algo relativo, pervertendo a
dignidade da pessoa.
Em muitas comunidades percebe-se, por exemplo, laxismo
diante do pecado: práticas contrárias ao Evangelho (como aborto, eutanásia,
adultérios, imoralidade sexual) são toleradas em nome de um falso amor ou de
uma ambiguidade pastoral. Mas a Igreja ensina com clareza que não se pode “receber
amorosamente” Cristo sem aceitar também a Sua verdade moral. Veritatis
Splendor recorda Paulo: “Não vos conformeis com a mentalidade deste mundo,
mas transformai-vos pela renovação da vossa mente” (Rom 12,2). Apenas essa
mudança interior permitirá aos crentes julgar e agir de acordo com o que é
verdadeiro e bom. Sem isso, a pregação cristã perde credibilidade: qualquer
testemunho de fé se torna vazio se não vier acompanhado de vida santa.
Esse desencontro entre crença e ação chega à hipocrisia. Evangelii
Nuntiandi identificou claramente esse fenômeno: há hoje muitos “batizados
que, em larga medida, nunca renegaram formalmente o próprio Batismo, mas que se
acham totalmente à margem do mesmo e que o não vivem”, fruto de uma
“fraqueza natural, de uma incoerência profunda que nós, por nosso mal, trazemos
dentro de nós”. Trata-se da chamada “Geração da Indiferença” ou “cristianismo
de nome”. Muitos se acomodam numa religiosidade superficial ou apenas cultural,
sem compromisso com os valores evangélicos. Essa incoerência profunda, que
Paulo VI já notava, corrói a fé: se amamos verdadeiramente a Deus, o
seguiremos com alegria e fidelidade; se não, nossas práticas religiosas se
tornarão vazias rotinas.
Superstição e sincretismo
Outro risco grave é a mistura da fé católica com crenças
contrárias ao Cristianismo. O Catecismo adverte que a superstição —
atribuir força mágica a práticas religiosas ou invocar poderes ocultos — é um
“desvio do sentimento religioso” e das práticas genuínas da fé. É, em suas
palavras, “um excesso perverso de religião”. Daí a proibição de todas as formas
de idolatria e magia (Cf. CIC 2110-2111). No Brasil, onde convivem
manifestações culturais diversas, é comum ver fiéis recorrendo a benzeduras,
simpatias, horóscopos ou a entidades espirituais, pensando conciliar isso com o
catolicismo. Mas essa mistura empobrece o Evangelho: torna a fé confusa, não
cristocêntrica e desligada da Igreja.
Nesse sentido, a Igreja exorta os fiéis a renunciar o
sincretismo. O Concílio Vaticano II, relendo a missão católica, recomendou que
“os católicos, banindo toda a forma de indiferentismo, de sincretismo e odiosa
rivalidade, colaborem com os irmãos separados” apenas pela fé comum em Cristo.
Em outras palavras, rejeita-se qualquer hibridismo religioso. João Paulo II,
por sua vez, advertiu que a evangelização deve inculturar-se sem se confundir
com o relativismo de crenças; é necessário oferecer ao mundo de modo claro e
íntegro a mensagem de Cristo, sem deformá-la com práticas estranhas. Este
ensino papal é vital: a fé autêntica requer pureza de doutrina e confiança no
Deus revelado, não em superstições. Como dizia um bispo, todo cristão deve
viver “segundo Cristo” e não conforme as ideologias mundanas (cf. Ga 2,20),
evitando referências místicas que não provêm do Espírito Santo.
Indiferença e apostasia invisível
Por fim, não se pode ignorar a indiferença religiosa. O
Catecismo ensina que a indiferença é pecado contra o amor de Deus: é “o
descuido ou recusa da consideração da caridade divina”. Em vez de confiar no
cuidado providencial de Deus e buscar o Reino, muitos cristãos hoje rebaixam a
fé a mero ativismo social ou à rotina de feriados religiosos. Em sua descrição
dos pecados do primeiro mandamento, a Igreja fala ainda de tibieza
(frieza espiritual) e acédia (preguiça espiritual) como formas de
rejeitar a alegria que Deus oferece. Essa falta de zelo faz a fé fenecer sem
confrontar a vida cotidiana.
A situação se torna dramática quando se fala em “apostasia
invisível”: fiéis batizados que, sem renegar formalmente o Batismo, vivem como
se não pertencessem a Cristo. Evangelii Nuntiandi relaciona esse
fenômeno à “incoerência profunda” antes citada. Muitos foram instruídos
minimamente e permanecem apenas no cristianismo cultural, sem participação nos
sacramentos nem na evangelização. Desse modo, a Igreja sofre porque sua fé não
frutifica em testemunho de amor. O próprio Concílio sublinhou que, ainda que
batizados, tais “cristãos que vivem como se o Batismo nada tivesse modificado”
deixam de oferecer ao mundo o sinal evidente do Cristo vivo.
Esse estado de letargia espiritual é preocupante num país de
tantos convertidos históricos. A secularização crescente, os escândalos e a
falta de catequese adequada explicam parte do fenômeno, mas não o justificam. A
Igreja continua insistindo na urgência da evangelização permanente (Redemptoris
Missio) e de uma vida sacramental robusta, única maneira de reacender a fé.
Como reflete o Catecismo, deixar de praticar a religião honestamente equivale a
“uma recusa de se entregar ao movimento da caridade”. Há muitos cristãos
chamados a ser “sal e luz” (Mt 5,13-14) que hoje preferem dormir.
Conclusão
Diante desses desafios, a solução passa pela conversão
missionária. O Papa não cansa de nos lembrar: os sacramentos da iniciação e
da penitência devem dar coragem para viver a fé com coerência. É preciso
reavivar o amor a Deus por meio da oração cotidiana e da Eucaristia, buscar
formação doutrinal consistente e testemunhar com a própria vida. Santo Afonso
de Liguori sintetizou bem essa urgência: “Quem reza se salva, quem não reza se
condena!”. Que cada católico no Brasil responda a esse apelo, deixando de lado
amarrações mundanas e abrindo-se totalmente à graça. Assim, pela educação na
fé, pelo exemplo de santos e pela ação do Espírito, poderemos superar a
superficialidade, a incoerência, o sincretismo e a indiferença que hoje ferem
nossa Igreja, restaurando a vivência plena do Evangelho em nossa terra.
Referências bibliográficas
- Catecismo da Igreja Católica (CIC), parágrafos 2089, 2094, 2110-2111.
- Paulo VI, Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (8 dez. 1975).
- João Paulo II, Encíclica Veritatis Splendor (6 ago. 1993).
- João Paulo II, Carta Encíclica Redemptoris Missio (7 dez. 1990).
- Santo Afonso Maria de Ligório, O Grande Meio da Oração.
- Santa Teresa d’Ávila, Caminho de Perfeição.