Os Anjos da Encarnación

Naquela noite escura — como as da alma que anda às apalpadelas, mas cheia de esperança — as monjas da Encarnación acordaram com as capas remendadas, inteiras, como se as mãos do céu tivessem descido costurando misericórdias nos fiapos da pobreza. Ninguém viu, ninguém sabe. Só se ouve o sussurro da fé misturada com assombro: “cosa parece de brujería”, dizem. Mas pecado é crer em duendes, e pecado maior seria não crer em milagre.
Nesse convento, entre as sombras de pedra e o silêncio que
reza por entre as colunas, o mistério anda de sandálias. E elas deixam rastro
de linha e agulha. Não é espetáculo, não há luzes. Há apenas o ordinário
banhado de extraordinário, como sempre acontece quando a santidade escolhe a
forma mais doméstica de se esconder.
Dois pares de olhos espiam na noite: não por inveja, nem por
denúncia — mas por sede de verdade. Elas querem saber. Afinal, quem está por
trás desses pontos tão perfeitos, dessas costuras invisíveis que restauram o
que o tempo gastou? Um anjo? Uma alma penitente? Um truque piedoso? Nada disso:
é Teresa. É a freira pequena de corpo, mas de alma alargada como o céu. Ela
passa, vela na mão, salmo nos lábios, e versos no coração.
“En una noche oscura...” sussurra ela, com mais fogo
do que luz. Não foge: sai. Como quem ama. Como quem busca. Como quem espera um
Amado que se esconde só para ser mais desejado. Teresa não está apenas indo ao
coro — ela está costurando o mundo com amor escondido. Sua linha é o silêncio.
Sua agulha, a entrega.
E é aí que o milagre acontece. Porque o verdadeiro milagre
não é a capa remendada — é o coração que repara no pequeno e ali encontra o
traço de Deus. É olhar para uma freira com agulha e vela e dizer, como quem
descobriu o tesouro enterrado: “Ángeles hay también en la Encarnación.”
Nem todo anjo tem asas. Às vezes tem hábito de lã, mãos
calejadas e olhos que ardem de oração. Às vezes passa pela noite dizendo versos
e acendendo clarões no escuro de quem crê.
No fim, não foram os mistérios que saíram à tona naquela
vigília — foi a graça de reconhecer que há milagres miúdos, que só se revelam a
quem espera na sombra, em silêncio, com o coração aberto como um claustro ao
luar.
E a crônica termina como começou: em noite escura. Mas agora
sabemos que é nesse escuro que os santos caminham — costurando luz, verso por
verso, ponto por ponto.
Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.