O antigo rito de Réquiem transmite a verdade, mas com uma
diferença: esta Missa não oculta nada. Esse rito não desvia o olhar dos
mistérios da vida e da morte e da bela esperança oferecida pelas graças do
sacramento.
“O catolicismo é a única religião em que se pode morrer”,
escreveu Oscar Wilde numa carta privada a um amigo. E, de fato, foi o que
aconteceu. Suas últimas palavras nesta terra foram as do ato de contrição.
Recebeu a Sagrada Eucaristia e deixou este mundo.
Mas o que ele quis dizer com essa afirmação? Sem dúvida, era uma referência à Missa de Réquiem a que ele assistiu várias vezes na sua vida. Não é preciso dizer que o ritual que ele conhecia era (e é) muito diferente do típico funeral católico de hoje. Sim, era em latim. Incluía a belíssima oração Dies Iræ. As vestes eram pretas. O drama visual e textual do rito tinha uma dimensão épica.
Hoje esse rito é chamado de forma extraordinária, ele mesmo resgatado de uma experiência de quase-morte. É absolutamente chocante pensar que esse rito quase desapareceu da face da terra depois de 1969. A história fala sobre uma geração de liturgistas que, de alguma forma, incompreensivelmente, pensou que seria melhor que essa forma da Missa desaparecesse e que outra coisa, criada por eles, tomasse o seu lugar. Essa geração até se voltou contra o Dies Iræ e removeu a sequência dos livros rituais.
Diante do tamanho da insensatez, só nos resta balançar a
cabeça. Uma coisa é oferecer uma alternativa vernácula e simplificada, mas
tentar suprimir essa Missa? Inacreditável.
Em todo o caso, ela não foi suprimida. Ela vive. As
experiências deste mundo, tomadas em conjunto, não oferecem uma reflexão maior
e mais profunda sobre o sentido da vida e da morte que a antiga forma da Missa
de Réquiem. Estou convencido disso.
Assisti a uma ontem no Colóquio de Música Sacra. Saí de lá
com a sensação de ter descoberto novas verdades, de ter visto novas coisas, de
ter observado na minha mente e no meu coração uma nova extensão de tempo e de
eternidade. Foi o tipo de experiência que faz com que todas as outras
coisas na vida pareçam triviais quando comparadas a ela. Se você tiver a
oportunidade de assistir a uma Missa de Réquiem no rito
tradicional, não a perca.
Foi a primeira vez que assisti a este rito acompanhado por
um arranjo polifônico das principais orações cantadas na Missa. Foram entoadas
as primeiras notas do canto de Réquiem e depois começou a
polifonia. Senti um súbito arrepio nas costas, o qual rapidamente se estendeu
para cima, para baixo e à minha volta, envolvendo também os meus braços e
pernas. E esta sensação foi se intensificando ao longo dos 90 minutos de liturgia.
O arranjo é da autoria de Francisco Guerrero (1528–1599). Para cantá-lo na
íntegra, foram necessários três coros, simplesmente porque a composição era
muito complexa.
O efeito geral não foi pavoroso — ao contrário de sua
reputação — nem aterrador. Ele transmite a verdade, mas com uma
diferença: esta Missa não oculta nada. Esse rito não desvia o olhar
dos mistérios da vida e da morte e da bela esperança oferecida pelas graças do
sacramento. Assistir a essa Missa é doloroso, como o é sempre a descoberta da
verdade, mas é também reconfortante.
Ela encarna a imposição mais premente de uma realidade que
todos queremos evitar: vamos morrer. O que acontece depois? E se tudo pode
acabar num instante, qual era o objetivo desta vida? Como devo estruturar os
meus limitados dias nesta terra à luz dessa realidade? São estas as perguntas
que a Missa suscita.
O celebrante disse que estava ali para representar aqueles que já haviam partido. Mas, quando passei por ele e me coloquei na fila da comunhão, e o pano tocou a lateral da minha perna, vi claramente que aquele caixão vazio era para mim.
Se Deus quiser, não hoje. Se Deus quiser, ainda me restam
muitos anos nesta terra. Mas o tempo há de chegar.
Sentindo-me um pouco fraco depois desta revelação, entrei na
fila e ajoelhei-me no chão de mármore duro e esperei que o padre viesse na
minha direção. Eu estava virado para oeste e o sol poente entrava pelos vitrais
e incidia no meu rosto. A luz colorida aquecia-me o rosto. O tempo parou. Ou
parecia ter parado. Tal como na morte.
Fechei os olhos. Depois ouvi as palavras: Corpus
Dómini nostri Iesu Christi… e abri os olhos para ver o padre à minha frente
e a patena sob o meu queixo… custódiat ánimam tuam in vitam ætérnam.
Amen.
O Corpo de Cristo — oferecido em sacrifício para a salvação
do mundo, tanto na história como no altar daquele espaço, daquele mesmo dia —
tinha agora entrado em meu próprio corpo. Um sabor de morte, e de
vitória sobre a morte. Um alimento que é uma antecipação da vida que há de vir.
O que queremos deixar aqui neste mundo? Quando pensamos na
configuração deste lado da eternidade depois da nossa partida, o que queremos
saber que estará aqui? Alegria e prosperidade para os nossos filhos e os filhos
deles, certamente, e para o florescimento de toda a humanidade.
Mas, naquele momento, só me ocorreu pensar o seguinte: quero
saber se essa Missa vai continuar. Ela tem de permanecer aqui. Tem de estar
disponível para aqueles que o desejarem, para as suas próprias mortes. Mas,
acima de tudo, deve estar aqui para os vivos, para que todas as pessoas possam
ter acesso à verdade que ela transmite.
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