Infinitus thesaurus est hominibus; quo qui usi sunt,
participes facti sunt amicitiae Dei – “Ela é um tesouro infinito para
os homens; do qual os que usaram têm sido feito participantes da amizade de
Deus”
Sumário. Porque havemos de ter inveja
dos grandes do mundo? Se estamos na graça de Deus, participamos da sua própria
natureza; somos, por assim dizer, um com Ele e de momento a momento podemos
adquirir tesouros imensos de merecimentos para a eternidade. A nossa alma é
então tão bela aos olhos do Senhor, que põe nela a sua complacência. Tudo isto
Jesus Cristo no-lo mereceu pela sua Paixão; e por isso devemos prestar-Lhe
contínuas ações de graças.
I. No dizer de Santo Tomás de Aquino, o dom da graça
é superior a todos os dons que uma criatura possa receber, porque a graça é a
participação da própria natureza de Deus. Já antes tinha São Pedro dito o
mesmo: Ut per haec (promissa) efficiamini divinae consortes naturae (1)
― “Para que por elas (as promessas) vos torneis participantes da natureza
divina”. Tal é a dignidade que Jesus Cristo nos mereceu pela sua paixão:
Ele nos comunicou o mesmo resplendor que recebeu de Deus (2). Numa palavra,
quem está na graça de Deus, forma, de certo modo, uma pessoa com Deus: Unus
spiritus est (3) ― “É um espírito com Ele”. E, como disse o Redentor, na
alma que ama a Deus, vem habitar a Santíssima Trindade: Ad eum
veniemus, et mansionem apud eum faciemus (4) ― “Viremos a ele, e faremos nele
morada”.
É tão bela aos olhos de Deus a alma em estado de graça, que
Ele próprio lhe faz o elogio: Como és formosa amiga minha, como és formosa! (5)
Parece que Deus não pode apartar dela os olhos, nem cerrar os ouvidos a nenhum
dos seus pedidos: Oculi Domini super iustos, et aures eius ad preces
eorum (6) ― “Os olhos do Senhor estão sobre os justos e os seus ouvidos abertos
aos rogos deles”. Dizia Santa Brígida que nenhum homem poderia ver a beleza
de uma alma na graça de Deus, sem morrer de alegria. E Santa Catarina de Sena,
tendo visto uma alma assim, afirmou que de boa mente daria a vida para que
nunca aquela alma perdesse tamanha beleza. Por isso a mesma Santa beijava a
terra que os sacerdotes pisaram, pensando que pelo seu ministério as almas eram
colocadas na graça de Deus.
Além disso, que tesouros de merecimentos não pode ajuntar a
alma em estado de graça! Cada instante pode adquirir uma glória eterna,
porquanto, como diz Santo Tomás, qualquer ato de amor produzido pela alma
merece um paraíso aparte.
Porque temos então inveja dos grandes do mundo? Estando na
graça de Deus, podemos adquirir continuamente grandezas muito mais altas no
céu.
II. A paz de que ainda na terra goza a alma em
estado de graça, só pode ser compreendida por aquele que a provou: Gustate
et videte, quoniam suavis est Dominus (7) ― “Provai e vede quão suave é o
Senhor”. Não pode deixar de ser cumprida a palavra do Senhor: Gozam muita
paz os que amam a divina lei (8). A paz do que vive unido com Deus, excede
todas as doçuras que nos podem advir dos sentidos ou do mundo: Pax Dei
quae exsuperat omnem sensum (9).
Ó meu Jesus, Vós sois o bom pastor que se deixou matar para
nos dar a vida, a nós, vossas ovelhas. Quando eu fugia de Vós, não deixastes de
correr atrás de mim e de me procurar; recebei-me, agora, que Vos procuro e que
volto arrependido a vossos pés. Restitui-me a graça, que miseravelmente perdi
por minha culpa. De todo o coração me arrependo e quisera morrer de dor, quando
penso nas inúmeras vezes que Vos voltei as costas. Perdoai-me pelos
merecimentos da morte cruel que por mim padecestes na cruz.
Prendei-me com os doces laços do vosso amor e não permitais
que outra vez me afaste de Vós. Dai-me forças para sofrer com paciência todas
as cruzes que me envieis, visto ter merecido as penas eternas do inferno. Fazei
que abrace com amor os desprezos que me possam vir dos homens, visto ter
merecido estar eternamente sob os pés dos demônios. Fazei, numa palavra, com
que obedeça em tudo às vossas inspirações e vença, por vosso amor, qualquer
respeito humano. ― Resolvido estou a servir de hoje em diante somente a Vós.
Digam os outros o que quiserem; eu quero amar somente a Vós, meu Deus
amabilíssimo, só a Vós quero agradar; mas dai-me o vosso auxílio sem o qual
nada posso. Amo-Vos, † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas,
de todo o coração, e confio em vosso Sangue.
― Maria, minha esperança, ajudai-me com as vossas orações.
Glorio-me de ser vosso servo, e vós vos gloriais de salvar os pecadores que a
vós recorrem; socorrei-me, pois, e salvai-me.
Referências:
(1) 2 Pd 1, 4
(2) Jo 17, 22
(3) 1 Cor 6, 17
(4) Jo 14, 23
(5) Ct 4, 1
(6) Sl 33, 16
(7) Sl 33, 9
(8) Sl 118, 165
(9) Fl 4, 7
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias
e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa
Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 321-324)
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