1º Domingo da Quaresma: Jesus no deserto e as tentações das almas escolhidas
Iesus ductus est in desertum a spiritu, ut tentaretur a diabolo
– “Jesus foi levado pelo espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo”
(Mt 4, 1)
Sumário. Meu irmão, se o Senhor permite que
sejas tentado, não desanimes, porquanto vê nisso um sinal de que Ele te ama e
te quer fazer mais semelhante a Jesus Cristo, que, como refere o Evangelho de
hoje, foi também tentado. Esforça-te, porém, a exemplo do próprio Redentor, por
empregar todos os meios para seres vencedor. Especialmente refreia as tuas
pequenas paixões desordenadas, mortificando-as pela penitência e recorre sempre
a Deus pela oração contínua.
I. Os trabalhos que mais afligem nesta vida às almas
amantes de Deus, não são tanto a pobreza, a enfermidade e as perseguições, como
as tentações e as securas espirituais. Quando a alma goza da amorosa presença
de Deus, todas as tribulações, em vez de a afligirem, mais a consolam,
fornecendo-lhe a ocasião para oferecer a Deus algum penhor de seu amor. Mas
ver-se pela tentação em perigo de perder a graça divina e temer na secura que
já a perdeu, é isso uma pena demasiado amarga para quem ama deveras a Deus. —
Observemos, porém que é esta a sorte comum das almas santas: Quia acceptus
eras Deo, necesse fuit, ut tentatio probaret te (1) — “Porque eras aceito de
Deus, por isso foi necessário que a tentação te provasse”.
Quem foi mais santo do que Jesus Cristo? Todavia ele foi
levado pelo espírito ao deserto para ser tentado pelo diabo. Em primeiro lugar,
foi tentado de gula, porque “tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites,
teve fome. E chegando-se a Ele o tentador, disse: Se és Filho de Deus, dize que
estas pedras se convertam em pães.”
Depois foi tentado de presunção, porque “o diabo o
transportou à cidade santa e O pôs sobre o pináculo do templo e Lhe disse: Se
és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo, porque está escrito: Recomendou-te aos
seus anjos, e eles te levarão nas palmas das mãos, a fim de que nem sequer
tropeces numa pedra.” Finalmente foi tentado de idolatria; porque o diabo,
vendo-se vencido uma outra vez, “o transportou ainda a um monte muito alto,
e mostrou-Lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e Lhe disse: Todas
estas coisas te darei, se prostrado me adorares.”
Uma alma, pois, por se ver tentada, não deve ainda temer
como se já tivesse caído no desagrado de Deus, que a quer tornar mais semelhante
a seu Filho unigênito e dar-lhe ocasião para adquirir grandes méritos para o
céu. Quoties vincimus, toties coronamur — “Cada vitória é uma nova coroa”,
diz São Bernardo.
II. Os meios de que nos devemos servir para vencer as
tentações são os mesmos que nosso divino Redentor nos ensina com o seu exemplo
no Evangelho de hoje. — Cum ieiunasset quadraginta diebus – Jesus jejuou
quarenta dias. Para vencermos todas as tentações, e em particular a dos
sentidos, é mister que nós também, especialmente neste tempo de Quaresma,
mortifiquemos a carne pelo jejum, pela penitência, e pelo recolhimento, e que
ao mesmo tempo avigoremos o espírito com meditações e orações, porque não só de
pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.
Non tentabis Dominum Deum tuum — “Não tentarás ao Senhor
teu Deus”. Para vencermos as tentações, devemos em segundo lugar evitar as
ocasiões de pecado. Aqueles que se expõem voluntariamente aos perigos e não
pretendem cair, tentam Deus para fazer milagres. A custódia dos anjos, diz São
Bernardo, é prometida a quem caminha nos caminhos de Deus, viis suis, e
não àquele que se expõe voluntariamente ao perigo de cair num abismo. — Vade,
Satana – “Vai-te, Satanás”.
Finalmente o terceiro meio para sairmos vencedores, consiste
em expulsarmos o demônio inteiramente de nossa alma e em estarmos resolvidos a
adorar a Deus nosso Senhor, e servi-Lo a Ele só. Ó! Quantos há que não cuidam
em refrear as suas paixões nascentes e que imaginam poder servir a dois
senhores. Mas depois, ao primeiro assalto mais forte de qualquer tentação,
acabam por cair e perder-se eternamente!
Ó meu amabilíssimo Jesus, vejo que no passado caí e recaí
tão miseravelmente, porque me descuidei de imitar os vossos divinos exemplos.
Arrependo-me de todo o coração; peço-Vos perdão e prometo que para o futuro
serei mais cuidadoso. Mas fortalecei a minha fraqueza. Eu Vo-lo peço pela
mortificação que praticastes, abstendo-Vos por quarenta dias de toda a
alimentação, e pela humildade que mostrastes, permitindo ao demônio que Vos
tentasse como a qualquer outro filho de Adão. “Ó Deus, que purificais a vossa
Igreja com a anual abstinência quaresmal: concedei à vossa família, que com
boas obras execute o que de Vós deseja obter com a sua abstinência.” (2) †
Doce Coração de Maria, sêde minha salvação.
Referências:
(1) Tb 12, 13
(2) Or. Dom. curr
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias
e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa
Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 298-300)
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