As «Confissões» de S. Agostinho



Por este tempo, deram-me as Confissões de Santo Agostinho. Estou certa que o Senhor assim o ordenou, porque não as procurei nem nunca as tinha visto. Sou muito afeiçoada a Santo Agostinho, porque o mosteiro onde estive de secular era da sua Ordem; e também por ter sido pecador. Nos Santos que, depois de o terem sido, o Senhor voltou para Si, achava muito consolo, parecendo-me que neles havia de encontrar ajuda; e assim como o Senhor lhes havia perdoado, podia fazer a mim.

Quando comecei a ler as Confissões, parecia-me ver-me ali. Comecei a encomendar-me muito a este glorioso Santo. Quando cheguei à sua conversão e li como ouviu aquela voz no jardim, não me parecia senão que o Senhor me falava a mim; de tal modo o sentiu o meu coração. Estive um grande bocado que toda me desfazia em lágrimas, e dentro de mim mesma com grande aflição e fadiga. Oh! o que sofre uma alma, valha-me Deus, por perder a liberdade que havia de ter de ser senhora, e que tormentos padece! Eu me admiro agora como podia viver em tanto tormento. Seja Deus louvado, que me deu vida para sair de morte tão mortal! (V 9, 7. 8). 

Sempre fui afeiçoada às palavras do Evangelho e mais me têm recolhido do que livros muito bem escritos, em especial, se o autor não era muito aprovado, não tinha vontade de os ler (C 21, 4). 

Quando se tiraram do público muitos livros em língua vulgar, para que se não lessem, senti-o muito, porque me recreava lendo alguns e já não o podia fazer por só os permitirem em latim. Disse-me o Senhor: Não tenhas pena, que Eu te darei livro vivo. Não podia entender a razão por que se me havia dito isto, porque ainda não tinha visões. Dali a bem poucos dias o compreendi muito bem porque, tenho tido tanto em que pensar e com que me recolher no que via presente, e o Senhor tem tido comigo tanto amor em me ensinar de muitas maneiras, que muito pouca, ou quase nenhuma necessidade tenho tido de livros. Sua Majestade tem sido o verdadeiro livro onde tenho visto as verdades. Bendito seja tal livro, que deixa impresso o que se há-de ler e fazer, de maneira que se não possa esquecer! Quem vê o Senhor coberto de chagas e aflito com perseguições, que não as abrace e ame e deseje? Quem vê alguma coisa da glória que Ele dá aos que O servem, que não reconheça que é nada tudo quanto se possa fazer e padecer, pois tal prêmio esperamos? Quem vê os tormentos que padecem os condenados no inferno que, em sua comparação, não pareçam deleites os tormentos de cá da terra, e não reconheça o muito que deve ao Senhor por o ter libertado tantas vezes daquele lugar? (V 26, 5).

Santa Teresa de Jesus. Livro da Vida, Cap. 9, parágrafos 7 e 8.

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