Quando o incenso se mistura com pólvora

Naquela noite de domingo, 22 de junho, o céu sobre Damasco não estava mais carregado do que de costume. O calor era o de sempre, abafado e antigo como a própria cidade. Lá dentro, na Igreja Greco-Ortodoxa de Santo Elias, o incenso subia em espirais lentas, como preces que sabiam para onde iam. Os fiéis — homens, mulheres, crianças — estavam ali pelo mesmo motivo de sempre: adorar a Deus, pedir força, agradecer por ainda estarem vivos. Um gesto simples. Antigo. Sagrado.

E então — o estrondo. A fumaça negra onde antes havia incenso. A cruz coberta de estilhaços. O sangue se misturando ao óleo sagrado. Mais de 20 mortos. Cinquenta feridos. E uma pergunta que atravessa os séculos como um grito surdo: por quê?

A Síria já sangra há tempo demais. Mas o que dói mais fundo não é só a violência — é a violência no lugar sagrado. É o altar profanado. É a liturgia interrompida pelo ódio. O que foi atacado naquela noite não foi só uma igreja. Foi a memória viva de uma fé que resiste há dois mil anos. Foi a comunhão dos santos, o murmúrio das orações, a esperança de um povo cansado mas não vencido.

A gente acha que a perseguição aos cristãos ficou lá atrás, nos tempos de Nero, nos coliseus de Roma. Mas ela nunca nos deixou. Apenas trocou de roupa. Agora, vem com granadas e coletes de explosivos. E não vem porque os cristãos ameaçam com armas — mas porque ameaçam com amor, com perdão, com um Deus que morre por seus inimigos. E isso, para os senhores do caos, é insuportável.

O ataque em Damasco é um lembrete amargo de que o mundo moderno ainda carrega suas cruzes. Só que hoje elas estão cravadas no Oriente Médio, na África, na Ásia — onde ser cristão é, muitas vezes, uma sentença de morte. Não por ideologia, mas por fidelidade.

E no entanto, ali mesmo, onde o sangue jorrou, algo permanece. Não é cinismo, não é conformismo. É a teimosia da fé. A vela que não se apaga. O canto que insiste em se erguer, mesmo com a voz embargada. Porque, no fundo, eles sabem — como sabiam os primeiros mártires — que o cristão não é chamado ao conforto, mas à cruz. E que o sangue dos mártires é sempre semente.

Hoje, enquanto o mundo vira os olhos, distraído com suas futilidades, nós — os que cremos — temos o dever de lembrar. De rezar. De agir. E de nos perguntar com honestidade brutal: o que faríamos nós, se estivéssemos naquela missa? Ficaríamos de pé? Fugiríamos? Traçaríamos o sinal da cruz ou o da omissão?

A resposta não está em palavras bonitas. Está no coração que arde e não se cala.

Porque ainda que queimem nossas igrejas, ainda que derrubem nossos sinos, ainda que tentem silenciar nossos hinos — a fé cristã renasce das cinzas como o incenso que sobe, lento, teimoso, em direção ao Céu.

E um dia, sim, o último a morrer não será mais um mártir, mas o próprio mal. E ali, diante do Cordeiro, os mortos de Damasco viverão para sempre.

Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.