Onde o amor aprende a arder
Ninguém vai ao deserto por capricho.
Vai-se ao deserto quando o ruído do mundo já não consola,
quando a alma sente fome de algo que não se encontra nos supermercados da fé
rasa nem nos likes da espiritualidade performática. Vai-se ao deserto
quando se quer ouvir Deus sem intermediários, quando se deseja a verdade nua,
sem filtro e sem palco.
Mas não sejamos românticos demais: o deserto é terrível. Ele
te olha com os olhos fundos da ausência. Ele escava tuas vaidades, seca teus
discursos, desidrata teus planos. E, se você não estiver enraizado em algo
maior que você mesmo, ele te desmonta.
Só que — e aqui está o escândalo — o deserto é o lugar onde
Deus mais fala. E Ele fala baixo. Por isso é preciso silenciar tudo. Até a
própria oração. Porque o deserto não se vence com palavras, mas com escuta. Não
se sobrevive com ideias, mas com presença.
“Vou levá-la ao deserto e falar-lhe ao coração”, diz o
Senhor. Mas que tipo de amor é esse que leva o amado para um lugar árido,
solitário, duro? Que espécie de Deus é esse que seduz pela secura, que corteja
com o silêncio?
A resposta é um sussurro: é o Amor que quer ser puro. Que
não quer concorrência. Que quer ser amado não pelos dons que dá, mas por quem
é.
Esse amor não se encontra na cidade do barulho. Ele só se
revela na areia do abandono. É lá, entre os ventos secos da alma, que Ele se
aproxima como Poço escondido, como Sombra no calor do meio-dia.
Foi no deserto que Israel aprendeu a depender. Que os Padres
do Deserto redescobriram a liberdade. Que os santos encontraram um Deus mais
forte que suas tentações. E é no teu deserto, sim, no teu, que a graça vai
florescer. Mas não antes de você perder o controle, desaprender o caminho e
deixar-se cair — para que Ele te levante.
O deserto não é o fim. É
o ventre.
Lugar onde Deus gera um
novo coração.
Um coração que ama sem
garantias.
Que obedece sem entender.
Que espera sem prazo.
O mundo hoje rejeita o deserto. Oferece distração,
aceleração, barulho. E você sabe o que tudo isso esconde? Medo. Medo de se
encontrar consigo mesmo. Medo de descobrir que, talvez, sem Deus, somos só
areia soprada pelo tempo.
Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.