O Evangelho Segundo o Ecumenismo
Dizem que o diabo se esconde nos detalhes — e às vezes também nas entrelinhas do Catecismo. Lá está ele, suave como perfume de primavera, no parágrafo 818: um elogio caloroso aos que, embora separados de Roma, “são honrados com o nome de cristãos” e “abraçados com fraterna reverência”. O tom é tão meigo que daria inveja à correspondência entre Rousseau e Madame de Warens.
Mas não nos deixemos iludir pela maciez da pena. Esse
parágrafo — tão ecumênico, tão amável, tão diplomático — esconde uma
infidelidade embutida: uma espécie de perfídia pastoral, vestida de
misericórdia, que ameaça dissolver a Verdade eterna nas águas turvas do
sentimentalismo moderno.
“Perfídia”, sim — não como xingamento, mas como diagnóstico.
Uma infidelidade à clareza de Trento, à voz de Pio IX, ao zelo de Pio XI, à
firmeza de Leão XIII. Enquanto esses Papas lançavam suas palavras como raios
que rasgavam as trevas do erro, hoje preferem-se mantas de algodão para cobrir
feridas abertas, sem curá-las. O Syllabus Errorum, aquele trovão
doutrinário de 1864, condenava sem rodeios o indiferentismo religioso. Dizia:
“É erro afirmar que o protestantismo é apenas uma forma do cristianismo
verdadeiro.” Ponto. Sem asteriscos. Sem nota de rodapé.
Já o parágrafo 818 do amarelinho — como alguns
ironicamente chamam o Catecismo de João Paulo II — oferece outro sabor: o sabor
do abraço universal, do “reconhecimento mútuo”, da tal “comunhão imperfeita”.
Linguagem afetiva, mas perigosamente ambígua. A heresia, antes chamada pelo
nome, agora é envolta em eufemismos que fariam corar um manual da ONU.
Que não se diga que a intenção seja má. A caridade para com
os separados é justa. Mas caridade sem verdade é apenas condescendência
sentimental. E a verdade, como nos ensinaram os antigos, é esta: fora da
Igreja não há salvação, não por maldade de Deus, mas porque Cristo fundou
uma só Igreja — a d’Ele. A Esposa de Cristo não é polígama. Ela não divide sua
fidelidade com seitas nascidas da revolta ou da heresia.
Pio XI, na Mortalium Animos, já advertia com
veemência contra esse ecumenismo emocional:
“Não se pode fomentar a união dos cristãos de outra maneira senão promovendo o retorno dos dissidentes à única verdadeira Igreja de Cristo.”
Ou seja: diálogo, sim — mas com a mão estendida e a outra
segurando firme o báculo pastoral da Verdade. Não se trata de negar o Batismo
válido de um luterano ou a sinceridade de um metodista. Mas sim de recordar,
sem corar de vergonha, que eles estão fora da plena comunhão com a Igreja de
Cristo, e isso não é detalhe técnico — é questão de salvação.
O parágrafo 818, portanto, ao tentar ser gentil, corre o
risco de ser infiel. Ao tentar acolher, pode trair. Como uma carta de amor que
esquece o nome da amada. Como um santuário aberto a todos, mas com o sacrário
vazio.
Que a Tradição nos mantenha lúcidos. Que a fé de nossos pais
— a que resistiu a cismas, revoluções, modernismos e sincretismos — não seja
diluída pela suavidade traiçoeira de palavras bem-intencionadas.
A verdade não precisa de verniz. Precisa de fidelidade.
Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.
Nota aos comentaristas de redes sociais:
Esta reflexão não pretende ferir, mas provocar — provocar à busca
sincera pela verdade que não muda com o tempo nem se adapta aos ventos do
mundo. O tom pode soar firme, porque a fé que professamos não nasceu do
consenso, mas da Cruz.
A crítica aqui não é contra pessoas, mas contra ideias
confusas que, às vezes, se infiltram sob capa de caridade mal entendida. O
Catecismo deve ser lido com o mesmo espírito da Tradição — e a Tradição não
pode ser esquecida ou suavizada.
Se o texto te incomodou, acolha esse incômodo como um
convite ao estudo mais profundo, à escuta dos grandes santos e doutores, e à
reverência diante do que foi crido sempre, em toda parte, por todos — como
ensinava São Vicente de Lérins.
Discordâncias são bem-vindas, desde que venham com
respeito, razão e amor à verdade. Aqui, o objetivo não é vencer debates,
mas resgatar a clareza da fé católica — aquela que salvou almas por séculos,
sem precisar de concessões.
Unamo-nos, pois, na caridade e na verdade, que jamais se opõem.