O Leão XIV: Quando a Ficção Brinca com a Profecia

Eis que num mundo tão sedento por sinais e presságios, uma simples coincidência faz tremer os alicerces da razão. Corre o maio de 2025, quando as chaminés de Roma, fiéis ao ritual que atravessa os séculos, lançaram ao céu a fumaça branca — e com ela, um novo nome: Leão XIV. A mídia ferveu. Os mais supersticiosos arregalaram os olhos. E logo, nos becos digitais e nas conversas de sacristia, surgiu a semente do mito: “Houve quem profetizasse isso!”

O nome apontado? Matteo Orlando.

Matteo, esse professor italiano, jornalista, católico até a medula, não é nenhum Nostradamus. Não é um Malaquias redivivo. Ele é um homem de letras, sim, mas do tipo que encara o mundo com ceticismo e sonha com a restauração de valores antigos. Em abril e maio daquele mesmo ano, ele lançou um romance — Il sigillo del Leone. Uma ficção, repito: ficção. No enredo? Um conclave imaginário, datado exatamente de 13 de maio de 2025, que elege um Papa com o nome forte e rugidor de Leão XIV. Coincidência? Ah, doce e amarga coincidência!

A verdade nua e crua é que Matteo não teve visão sobrenatural alguma. Não ouviu vozes, não recebeu mensagens celestiais. Seu livro foi uma espécie de desejo poético, uma pintura de como ele sonhava ver a Igreja: firme na doutrina, humilde no estilo, e forte como um leão. “Sonhar não é proibido”, escreveu na descrição do seu romance. Mas como todo sonho quando se choca com a realidade, gerou confusão.

E assim começou a nascer a lenda. Em poucos dias, os mais apressados e crédulos misturaram o romance com a realidade, e pronto: estava armado o espetáculo. Chamaram de profecia o que era roteiro. Chamaram de previsão o que era pura literatura. É o velho coração humano — sempre ávido por um sinal, por um toque do sagrado no ordinário, por uma prova de que tudo já está escrito nas estrelas.

Mas quando se puxa o véu com as duas mãos, o que se encontra? Um autor que escreveu com paixão, sim, mas sem pretensão profética. Uma coincidência que a história engoliu com sua habitual ironia. E uma Igreja que, como sempre, continua seu curso, imperturbável diante das fantasias que pululam à sua volta.

Ah, como é fácil cair na tentação do maravilhoso! Como é humano querer transformar um romance em revelação! Mas a verdade — essa senhora austera — nos chama de volta: não houve profecia. Houve apenas a dança misteriosa entre ficção e fato. Entre o desejo de um autor e o capricho da Providência, que às vezes sorri diante das nossas pequenas confusões.

E assim, Leão XIV subiu ao trono de Pedro, não por causa das palavras de Matteo Orlando, mas pelos votos dos cardeais e pela mão invisível que sempre guia a barca. O livro? Virou peça curiosa nas estantes dos mais atentos. E a profecia? Essa nunca existiu. Só o sonho. E sonhos, como sabemos, são perigosos quando levados a sério demais.

Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.

Nota aos apressados, engraçadinhos e comentaristas de rede social:

Calma, respira. Nem tudo que parece profecia é visão divina, e nem todo livro que acerta no nome vira capítulo do Apocalipse. Matteo Orlando não recebeu WhatsApp do Céu avisando do Leão XIV, tá bom? Ele escreveu um romance, aquele gênero onde a gente inventa histórias, sonha alto e mistura desejo com papel. Não é spoiler da Providência.

Então, antes de sair berrando nos comentários “ELE PREVIU!!!”, dá aquela lida básica na descrição do livro. Não custa, juro. E antes de gravar o vídeo no TikTok com cara de quem descobriu os segredos de Fátima, lembra: coincidência existe, e nem toda coincidência precisa virar teoria da conspiração em três atos.

Se o Papa escolheu Leão XIV, foi porque quis — ou melhor, porque o Espírito Santo soprou onde quis, não porque Matteo Orlando digitou no Word em 2025. E você, meu caro comentarista, pode até achar graça (eu também acho), mas não precisa perder a compostura e transformar ficção em dogma.

Em resumo: menos espuma, mais substância. E se quiser profecia de verdade, vai ler Malaquias ou o velho Daniel — não Amazon.com.

Com carinho,
Um amigo que gosta de história sem histeria.