Meditações para a Novena de Pentecostes
Prepare-se para a grande festa de Pentecostes, com estas meditações de Santo Afonso. Segundo ele, entre todas as novenas, “a do Espírito Santo é a principal, pois foi celebrada pelos santos Apóstolos e por Maria Santíssima no Cenáculo”.
Esta é uma “novena do Espírito Santo com as meditações
para cada um dos dias da novena, começando no dia da Ascensão” —
nas palavras do próprio Santo Afonso Maria de Ligório, que a compôs. Trata-se,
portanto, da tradicional novena de Pentecostes. Esta, porém, tem início
na Quinta-feira da 6.ª Semana da Páscoa (que é o dia próprio da Ascensão;
no Brasil, a solenidade é transferida para o domingo seguinte, imediatamente
anterior ao de Pentecostes), perfazendo um total de dez dias, e não de nove,
como é o usual nas novenas.
Santo Afonso explica que “a novena do Espírito Santo é,
entre todas, a principal, uma vez que foi celebrada pelos santos Apóstolos e
por Maria Santíssima no Cenáculo”. É considerada também a mãe de todas
as novenas, pois o período que separa a subida de Jesus aos céus e o envio
do Espírito Santo sobre os Apóstolos é exatamente o de uma novena.
O texto original italiano foi tirado da obra Viadella salute: meditazioni e pratiche spirituali per acquistare la salute eterna,
“Via da salvação: meditações e práticas espirituais para alcançar a salvação
eterna”. Servimo-nos de uma tradução portuguesa já à disposição no site Rumo à Santidade, mas cotejamos o texto em nossa língua com o original e
adaptamo-lo passim. As referências bíblicas e algumas dos santos
foram colocadas no corpo do texto; as citações latinas dos santos e as demais
referências consideradas relevantes estão todas no fim.
Façam todos um bom proveito desse excelente material, que com certeza ajudará vocês e suas famílias a se prepararem melhor para a solenidade de Pentecostes. Para a oração em família, talvez seja conveniente ajuntar à meditação de cada dia um hino como o Veni Creator ou a Ladainha do Espírito Santo
Introdução
A novena do Espírito Santo é, entre todas, a principal, uma
vez que foi celebrada pelos santos Apóstolos e por Maria Santíssima no
Cenáculo, e é enriquecida de prodígios e dons excelentes, dos quais o principal
é o próprio Espírito Santo, o qual é um dom que nos foi merecido por Jesus
Cristo com sua Paixão.
Isto nos deu a conhecer o próprio Jesus, quando disse a seus
discípulos que, se Ele não morresse, não nos poderia enviar o Espírito
Santo: Si enim non abiero, Paraclitus non veniet ad vos; si autem
abiero, mittam eum ad vos — “Se eu não for, o Paráclito não virá a
vós, mas se eu for, eu o enviarei a vós” (Jo 16, 7). Portanto, nós
bem sabemos, pela fé, que o Espírito Santo é o amor que o Pai e o Verbo eterno
têm um pelo outro; e por isso o dom do amor, que é dispensado pelo Senhor às
nossas almas e constitui o maior de todos os dons, se atribui especialmente ao
Espírito Santo, como fala São Paulo: Caritas Dei diffusa est in
cordibus nostris per Spiritum Sanctum, qui datus est nobis — “O amor
de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”
(Rm 5, 5). Convém pois que, nesta novena, consideremos sobretudo as
grandes prendas do amor divino, a fim de que nos encorajemos a obtê-lo, e nos
preparemos com atos de devoção, especialmente com as orações, para tomar parte
nele, já que Deus o prometeu a quem humildemente lhe pedisse: Pater
vester de caelo dabit spiritum bonum petentibus eum — “O Pai do céu
dará o Espírito Santo aos que lhe pedirem” (Lc 11, 13).
1.º dia: O amor é fogo, que inflama
Ó amantíssimo Redentor, então é assim que nos amais sempre,
tanto em vossas penas e ignomínias quanto nas vossas glórias?
Pela mesma razão quis o Espírito Santo aparecer no Cenáculo
sob a forma de línguas de fogo: Et apparuerunt illis dispartitæ linguæ,
tamquam ignis — “E apareceram-lhes repartidas umas como que línguas de
fogo” (At 2, 3). Por isso também a Igreja nos faz rezar [com estas
palavras]: Illo nos igne, quaesumus Domine, Spiritus inflammet, quem
Dominus Iesus Christus misit in terram, et voluit vehementer accendi —
“Que o Espírito Santo nos inflame, Senhor, naquele fogo, que Jesus Cristo veio
trazer à terra e vivamente deseja que se incendeie” [2]. Foi este, portanto,
aquele fogo sagrado que inflamou os santos a fazer grandes coisas por Deus:
amar os inimigos, desejar os desprezos, despojar-se de todos os bens terrenos e
abraçar com alegria até os tormentos e a morte. O amor não sabe ficar ocioso e
nunca diz: “Basta”. Uma alma que ama a Deus, quanto mais faz pelo amado, mais
deseja fazer, a fim de lhe dar gosto e ganhar a sua afeição. Este fogo sagrado
se acende na oração mental. In meditatione mea exardescet ignis —
“No decorrer da minha reflexão, um fogo se ateou” (Sl 38, 4). Se
desejamos, pois, arder de amor para com Deus, amemos a oração: é ela a
bem-aventurada fornalha onde se acende este ardor divino.
Afetos e súplicas
Meu Deus, até agora nada fiz por Vós, que tão grandes coisas
haveis feito por mim. Ai de mim! Minha frieza muito vos impele a vomitar-me!
Ah, Espírito Santo, fove quod est frigidum, “aquecei o que está
frio”, livrai-me desta minha frieza e acendei em mim um grande desejo de
agradar-vos [3]. Renuncio agora a todas as minhas satisfações, e antes quero
morrer que dar a Vós o menor desgosto. Aparecestes sob a forma de línguas de
fogo; eu vos consagro a minha língua, para que ela não mais vos ofenda. Ó Deus!
Vós me destes a língua para Vos louvar, e dela me tenho servido para vos
ultrajar e levar também os outros a ofender-vos! Arrependo-me de toda a minha
alma.
Ah! Pelo amor de Jesus Cristo, que na sua vida tanto vos
honrou com sua língua, fazei que também eu de agora em diante não cesse de vos
honrar, celebrando vossos louvores, invocando muitas vezes o vosso
auxílio e falando da vossa bondade e do amor infinito que mereceis. Eu vos amo,
meu sumo bem; eu vos amo, ó Deus de amor.
Ó Maria, vós sois a mais cara esposa do Espírito Santo, obtende para mim este fogo sagrado.
2.º dia: O amor é luz, que ilumina
Um dos maiores danos que nos causou o pecado de Adão foi o
obscurecimento da nossa razão pelo efeito das paixões, que ofuscam nossa mente.
Pobre da alma que se deixa dominar por alguma paixão! A paixão é um vapor, um
véu, que nos impede de ver a verdade. Como pode fugir do mal quem não o
conhece? E este obscurecimento da nossa razão aumenta em proporção do número
dos nossos pecados.
Mas o Espírito Santo, que é chamado [na sequência de
Pentecostes] de lux beatissima, é aquele que com seus esplendores
divinos não só inflama os corações para o amor, mas também dissipa as trevas e
nos faz conhecer a vaidade dos bens terrenos, o valor dos bens eternos, a importância
da salvação, o preço da graça, a bondade de Deus, o amor infinito que Ele
merece e o imenso amor que Ele nos traz.
Animalis homo non percipit ea, quæ sunt spiritus Dei
— “O homem animal não percebe aquelas coisas que são do Espírito de Deus” (1Cor 2,
14). O homem enlameado nos prazeres da terra conhece pouco essas verdades, e
portanto o homem infeliz ama o que deve odiar e odeia o que deve amar.
Santa Maria Madalena de Pazzi exclamava: “Ó Amor não
conhecido, ó Amor não amado!” Por isso Santa Teresa dizia que Deus não é amado
porque não é conhecido (cf. Exclamações da Alma a Deus, 14) [4].
Por isso os santos sempre buscavam em Deus luz, e mais luz: Emitte
lucem tuam. Illumina tenebras meas. Revela oculos meos — “Envia a tua
luz. Esclarece as minhas trevas. Tira o véu dos meus olhos (Sl 42.
3; Sl 17, 29; Sl 118, 18). Sim, porque sem a
luz não podemos evitar os precipícios, nem encontrar a Deus.
Afetos e súplicas
Ó santo e divino Espírito, creio que sois verdadeiro Deus,
mas um só Deus com o Pai e com o Filho. Adoro-vos e reconheço-vos como o doador
de todas as luzes, com as quais me fizestes conhecer o mal que cometi ao vos
ofender, e a obrigação que tenho de vos amar. Dou-vos graças por isso e lamento
profundamente por vos haver ofendido. Eu merecia que me abandonásseis nas
minhas trevas, mas vejo que ainda não me abandonastes.
Ó Espírito eterno, continuai a iluminar-me e fazei que eu
conheça cada vez mais a vossa infinita bondade, e dai-me forças para vos amar
no futuro com todo o meu coração. Acrescentai graça sobre graça, para que eu
seja docemente atraído a Vós e impelido a não amar nada além de Vós. Rogo-vos
pelos méritos de Jesus Cristo. Amo-vos, ó meu soberano Bem, amo-vos mais que a
mim mesmo. Quero ser todo vosso; recebei-me e não permitais me separe de Vós
novamente.
Ó Maria, minha Mãe, ajudai-me sempre com a vossa
intercessão.
3.º dia: O amor é água, que sacia

Mas por isso Deus se queixa de tantas almas, que vão
mendigando misérias e breves prazeres das criaturas, e abandonam a Ele, que é
um bem infinito e fonte de toda alegria: Me dereliquerunt fontem aquæ
vivæ, et foderunt sibi cisternas, cisternas dissipatas, quæ continere non
valent aquas — “Abandonaram-me a mim, que sou fonte de água viva, e
cavaram para si cisternas, cisternas rotas, que não podem reter as águas” (Jr 2,
13). Por isso Deus nos ama e deseja nos ver felizes; grita e faz saber a
todos: Si quis sitit, veniat ad me — “Se alguém tem sede,
venha a mim” (Jo 7, 37). Quem quiser ser feliz, venha a mim,
e eu lhe darei o Espírito Santo, que o fará feliz nesta e na outra vida.
Qui credit in me (continua a dizer) sicut
dicit Scriptura, flumina de ventre eius fluente aquæ vivæ — “O que crê
em mim, como diz a Escritura, do seu seio correrão rios de água viva” (Jo 7,
38). Portanto, quem crê e ama Jesus Cristo será enriquecido com tanta graça,
que do seu coração (isto é, da vontade, que é o seio da alma) brotarão muitas
fontes de santa virtude, que não só ajudarão a conservar a sua vida, mas também
a dar vida aos outros. E precisamente esta água era o Espírito Santo, o amor
substancial, que Jesus Cristo prometeu enviar-nos do céu depois da sua
Ascensão: Hoc autem dixit de Spiritu, quem accepturi erant credentes in
eum; nondum enim erat Spiritus datus, quia Iesus nondum erat glorificatus —
“Ele dizia isto, falando do Espírito que haviam de receber os que cressem nele;
porque ainda não tinha sido dado o Espírito, por não ter sido ainda
glorificado Jesus” (Jo 7, 39).
A chave que abre os canais desta água bem-aventurada é a
santa oração, que nos obtém todo o bem em virtude da promessa: Petite,
et accipietis — “Pedi e recebereis” (Jo 16, 24). Somos
cegos, pobres e fracos, mas a oração nos dá luz, força e graça em abundância.
Dizia Teodoreto: Oratio, cum una sit, omnia potest — “Mesmo
que seja uma só, a oração pode tudo” (Religiosa Historia, c. 15) [5].
Quem ora recebe o que deseja. Deus quer nos dar as suas graças, mas [para isso]
quer ser invocado.
Afetos e súplicas
Domine, da mihi hanc aquam — “Senhor, dá-me
desta água” (Jo 4, 15). Meu Jesus, eu vos rogo com a samaritana,
dai-me desta água do vosso amor, que me fará esquecer a terra, para viver só
para Vós, amável infinito. Riga quod est aridum [6]. Minha
alma é terra árida, que não produz senão abrolhos e espinhos de pecados. Ah!
Regai-a com a vossa graça, para que ela dê algum fruto para vossa glória, antes
de deixar este mundo com a morte.
Ó fonte de água viva, ó sumo bem, quantas vezes vos deixei
pelas águas lamacentas desta terra, que me privaram do vosso amor! Ah! Quisera
eu morrer e não vos ter ofendido! Mas no futuro não quero procurar nada além de
Vós, meu Deus. Ajudai-me e tornai-me fiel a Vós.
Maria, minha esperança, guardai-me sempre sob o vosso manto.
4.º dia: O amor é orvalho, que fecunda
Esse orvalho desce aos nossos corações no momento da oração.
Um quarto de hora de oração é suficiente para aplacar toda paixão de ódio ou de
amor desordenado, por mais ardente que seja. Introduxit me rex in
cellam vinariam, ordinavit in me caritatem — “O rei introduziu-me na
dispensa do vinho, ordenou em mim o amor” (Ct 1, 3; 2, 4). A santa
meditação é precisamente esta cela, onde se ordena o amor, amando o próximo
como a nós mesmos e a Deus acima de tudo. Quem ama a Deus ama a oração; para
aquele que não ama a oração é moralmente impossível vencer suas paixões.
Afetos e súplicas
Ó santo e divino Espírito, não quero mais viver para mim
mesmo; os dias que restam da minha vida, quero gastá-los todos amando e
agradando a Vós. Imploro-vos, pois: dai-me o dom da oração. Entrai no meu
coração e ensinai-me a fazê-la como se deve. Dai-me forças para não deixá-la de
lado pelo tédio em tempos de aridez; e dai-me o espírito de oração, isto é, a
graça de rezar sempre a Vós e de vos fazer as orações mais caras ao vosso
divino Coração. Eu já estava perdido por meus pecados, mas vejo que Vós, com tantas
delicadezas que me fizestes, quereis que eu seja salvo e santo; e eu quero
fazer-me santo para vos agradar e amar mais a vossa bondade infinita. Amo-vos,
meu sumo bem, meu amor, meu tudo; e porque vos amo, dou-me todo a vós.
Ó Maria, esperança minha, protegei-me.
5.º dia: O amor é repouso, que revigora
Nesta vida cada um tem de carregar a sua cruz; mas Santa
Teresa diz que a cruz é dura para quem a arrasta, não para quem a abraça
(cf. Conceitos do Amor de Deus II, 10) [8]. Assim é que o
Senhor sabe ferir e curar: Vulnerat, et medetur, como dizia Jó (5,
18). O Espírito Santo, com a sua doce unção, torna doces e amáveis também as
ignomínias e os tormentos. Ita, Domine, quoniam sic fuit placitum ante
te (Mt 11, 26). Desse modo, devemos dizer em todas as
coisas adversas que nos acontecem: “Assim seja, Senhor, porque assim foi do
vosso agrado”. E quando nos aterrorizar qualquer medo de mal temporal que possa
nos sobrevir, devemos dizer sempre: “Faça-se a vossa vontade, meu Deus; de
agora em diante, aceito tudo quanto fizerdes”. É também utilíssimo oferecer-se
muitas vezes a Deus no decurso do dia, como o fazia Santa Teresa.
Afetos e súplicas
Ah, meu Deus, quantas vezes para fazer a minha vontade me
opus com desprezo à vossa vontade! Lamento este mal mais do que qualquer outro
mal. Senhor, de agora em diante, quero vos amar com todo o meu coração. Loquere
Domine, quia audit servus tuus — “Fala, Senhor, que teu servo escuta”
(1Rs 3, 10). Dizei o que quereis de mim, que tudo eu quero fazer.
Vossa vontade sempre será meu único desejo, meu único amor. Ó Espírito Santo,
ajudai a minha fraqueza. Vós sois a própria bondade: como posso amar outra
coisa além de Vós? Ah, atraí para Vós, pela doçura do vosso santo amor, todos
os afetos do meu coração! Renuncio a tudo para dar-me inteiramente a Vós.
Aceitai-me e socorrei-me.
Ó minha mãe Maria, em vós confio.
6.º dia: O amor é virtude, que dá força
Fortis ut mors dilectio — “O amor é forte como a
morte (Ct 8, 6). Assim como não há força criada que resista à
morte, não há para uma alma amorosa dificuldade que o amor não possa superar.
Quando se trata de satisfazer o amado, o amor supera tudo: perdas, desprezo e
dor. Nihil tam durum, quod non amoris igne vincatur — “Nada há
tão duro que o fogo do amor não possa vencer”, diz Santo Agostinho [9]. Este é
o sinal mais seguro para saber se uma alma ama verdadeiramente a Deus: se ela é
fiel em seu amor tanto nas coisas prósperas como nas adversas.
São Francisco de Sales diz: “Deus é amável seja quando nos
consola seja quando nos aflige, porque faz tudo por amor” (Tratado do Amor
de Deus, IX, 2). Na verdade, quanto mais nos flagela nesta vida, mais nos
ama. São João Crisóstomo considerava São Paulo acorrentado mais feliz do que
São Paulo arrebatado ao terceiro céu [10]. Por isso os santos mártires se
alegravam em meio aos tormentos e agradeciam ao Senhor, como a maior graça que
lhes dava, o poder sofrer por seu amor. E os outros santos, onde não os afligiam
os tiranos, tornavam-se carrascos de si mesmos com penitências, para dar prazer
a Deus. Santo Agostinho diz que quem ama não cansa; e se cansa, o próprio
cansaço é amado: In eo quod amatur, aut non laboratur, aut ipse labor
amatur [11].
Afetos e súplicas
Ó Deus da minha alma, eu digo que vos amo; mas então o que
faço por Vós? Nada. Então é sinal de que não vos amo, ou vos amo muito pouco.
Enviai-me, portanto, ó meu Jesus, o Espírito Santo, para que venha me dar
forças de sofrer por vosso amor e fazer algo por Vós, antes que me venha a
morte. Ah, não me deixeis morrer, meu amado Redentor, neste estado de frieza e
ingratidão em que tenho vivido até hoje. Dai-me forças para amar o sofrimento,
depois de tantos pecados que me fizeram merecer o inferno. Ó meu Deus, todo
bondade e todo amor, Vós desejais habitar em minha alma, da qual tantas vezes
vos expulsei; vinde, habitai nela, tomai posse dela e fazei-a toda vossa.
Amo-vos, amo-vos, ó meu Senhor, e se vos amo, já estais comigo, como me
assegura São João: Qui manet in caritate, in Deo manet, et Deus in eo —
“Quem permanece na caridade, permanece em Deus, e Deus nele” (1Jo 4,
16). Portanto, já que estais comigo, fazei crescer as chamas, fortificai as
cadeias [do vosso amor], a fim de que eu não deseje, não busque e não ame senão
a Vós, e assim unido [a Vós], não me separe jamais do vosso amor. Ó meu Jesus,
quero ser vosso, e todo vosso.
Ó Maria, minha advogada e rainha, obtende para mim amor e
perseverança.
7.º dia: O amor faz Deus habitar na alma
O Espírito Santo é chamado [na sequência de Pentecostes] de
doce hóspede da alma: Dulcis hospes animæ. Esta foi a grande
promessa feita por Jesus Cristo aos que o amam, quando disse: “Se me amais,
observai os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro
Paráclito, para que fique eternamente convosco” (Jo 14, 15-16).
Porque o Espírito Santo nunca abandona uma alma, a menos que seja expulso
dela. Non deserit, nisi deseratur, diz o Concílio de Trento [12].
Portanto, Deus habita em uma alma que o ama, mas declara que
não fica satisfeito se não o amamos de todo o coração. Santo Agostinho conta
que o senado romano não quis admitir Jesus Cristo no número dos deuses,
alegando que Ele é um Deus orgulhoso, que quer ser o único a ser adorado
[13]. E assim é: Ele não quer rivais num coração que o ama; quer que seja só
Ele a habitá-lo, só Ele a ser amado. E quando não vê somente Ele sendo amado,
sente inveja (por assim dizer) daquelas criaturas que têm parte naquele coração,
que Ele queria todo para si, como escreve São Tiago: An putatis, quia
inaniter Scriptura dicat: Ad invidiam concupiscit vos spiritus, aqui habitat in
vobis? — “Porventura imaginais que a Escritura diz em vão: O Espírito
que habita em vós ama-vos com ciúme?” (Tg 4, 5). Em suma, como diz
São Jerônimo, Jesus é ciumento. Zelotypus est Iesus. Por isso, o
Esposo celeste louva aquela alma que, como a rolinha, vive solitária e
escondida do mundo: Pulchræ sunt genæ tuæ, sicut turturis —
“As tuas faces têm a beleza da rola” (Ct 1, 9). Porque Ele não quer
que o mundo tome uma parte desse amor que deseja todo para si. Por isso Ele
também elogia sua esposa, chamando-a de jardim fechado: Hortus
conclusus, soror mea sponsa — “Jardim fechado és, irmã minha esposa” (Ct 4,
12). Jardim fechado para todo amor terreno. Duvidamos que Jesus merece todo o
nosso amor? Totum tibi dedit, nihil sibi reliquit, diz São João
Crisóstomo, “Todo a ti [ele] se deu, nada para si [ele] guardou” [14]. Ele nos
deu tudo, seu sangue e sua vida; mais do que isto não nos podia dar.
Afetos e súplicas
Ah, meu Deus, vejo que me quereis só para Vós. Muitas vezes
eu vos afastei de minha alma, e não vos dedignastes de voltar a se unir a mim.
Por favor, tomai posse de todo o meu ser, pois hoje eu me dou inteiramente a
Vós. Aceitai-me, ó Jesus, e não permitais que, no futuro, nem por um momento eu
viva sem o vosso amor. Vós me quereis e eu nada quero senão a Vós. Vós me amais
e eu vos amo. E já que me amais, uni-me a Vós, para que eu não mais vos deixe.
Ó Maria, Rainha do Céu, eu confio em vós.
8.º dia: O amor é um laço, que aperta
Assim como o Espírito Santo, que é o amor incriado, é o elo
indissolúvel que liga o Pai ao Verbo eterno, assim também Ele une a alma a
Deus: Caritas est virtus coniungens nos Deo, diz Santo
Agostinho [15]. Assim exclamava, cheio de júbilo, São Lourenço Justiniano:
“Então, ó amor, teu elo tem tanta força, que pode prender um Deus para uni-lo
às nossas almas!” — O caritas, quam magnum est vinculum tuum, quo Deus
ligari potuit! Os vínculos do mundo são vínculos de morte, mas os
vínculos de Deus são vínculos de vida e saúde: Vincula illius
alligatura salutaris (Eclo 6, 31). Sim, porque por meio do
amor os vínculos de Deus nos unem a Ele, que é a nossa verdadeira e única vida.
Antes da vinda de Jesus Cristo, os homens fugiam de Deus e,
apegados à terra, recusavam-se a unir-se ao seu Criador; mas um Deus amoroso os
atraiu para si com vínculos de amor, como prometeu a Oséias: In
funiculis Adam traham eos, in vinculis caritatis — “Atraí-os para mim
com vínculos próprios de homens, com os vínculos da caridade” (Os 11,
4). Esses vínculos são os seus benefícios, as luzes, os apelos ao seu amor, as
promessas do céu, mas sobretudo o dom que Ele nos deu de Jesus Cristo no
sacrifício da cruz e no sacramento do altar, e finalmente o dom do Espírito
Santo.
Por isso exclama o Profeta: Solve vincula colli tui,
captiva filia Sion — “Desata as cadeias do teu pescoço, cativa, filha
de Sião” (Is 52, 2). Ó alma, tu que foste criada para o céu,
livra-te das amarras da terra e vincula-te com Deus através do elo do santo
amor. Caritatem habete, quod est vinculum perfectionis —
“Tende caridade, que é o vínculo da perfeição” (Cl 3, 14). O amor é
um vínculo, que une consigo todas as virtudes e torna perfeita a alma. Ama,
et fac quod vis, disse Santo Agostinho, “ama a Deus e faz o que quiseres”
[16]: sim, porque quem ama a Deus procura fugir de [dar] qualquer desgosto ao
amado e procura em todas as coisas agradar ao amado.
Afetos e súplicas
Meu querido Jesus, muito me haveis obrigado a amar-vos;
muito vos custou obter o meu amor. Muito ingrato seria eu se vos amasse pouco,
ou se dividisse meu coração entre Vós e as criaturas, depois de haverdes dado o
sangue e a vida por mim. Quero me desapegar de tudo, e só em Vós quero colocar
todos os meus afetos. Mas sou fraco para pôr em prática este meu desejo. Vós,
que o inspirais, dai-me forças para realizá-lo.
Feri, meu amado Jesus, meu pobre coração com a doce flecha
do vosso amor, para que eu possa sempre ansiar por Vós e me derreta por vosso
amor: a fim de que a Vós procure sempre, a Vós só deseje, a Vós ache sempre.
Meu Jesus, eu só quero a Vós, e nada mais. Deixai-me sempre repetir durante a
minha vida, e especialmente no momento da minha morte: “Só quero a Vós, e nada
mais”.
Ó Maria, minha mãe, fazei que de hoje em diante eu não
queira nada além de Deus.
9.º dia: O amor é um tesouro, que contém todos os bens
É o amor é este tesouro que, segundo o Evangelho, devemos
deixar tudo para adquirir: sim, porque o amor nos torna participantes da
amizade de Deus. Infinitus est thesaurus, quo qui usi sunt, participes
facti sunt amicitiæ Dei — “Porque ela é um tesouro infinito para os
homens; os que usaram dela foram feitos participantes da amizade de Deus” (Sb 7,
14). Ó homem, diz Santo Agostinho, por que estás à procura de bens? Procura
aquele único bem, no qual estão contidos todos os outros bens.
Mas a esse Deus não podemos encontrar se não deixarmos as
coisas da terra. Santa Teresa escreve: “Afasta o teu coração das criaturas e
encontrarás a Deus”. Quem encontra a Deus encontra o que deseja. Delectare
in Domino, et dabit tibi petitiones cordis tui — “Põe as tuas delícias
no Senhor, e te concederá o que o teu coração deseja” (Sl 36,
4).
O coração humano está sempre à procura de bens que o façam
feliz; mas se ele os busca nas criaturas, por mais que receba delas, nunca está
satisfeito; mas se não quer nada além de Deus, Deus satisfará todos os seus
desejos. Quem são os mais felizes nesta terra, senão os santos? Por quê? Porque
eles querem e buscam somente a Deus. Um certo príncipe, indo caçar, viu um
homem solitário que corria pela floresta e perguntou-lhe o que estava fazendo
naquele deserto. Ele respondeu: “E tu, príncipe, o que estás procurando?” “Vou
caçar feras”; e o eremita: “E eu vou à caça de Deus”.
Um tirano ofereceu a São Clemente ouro e pedras preciosas, a
fim de o fazer renunciar a Jesus Cristo. O santo suspirou e exclamou: “Ai, um
Deus a ser comparado a um pouco de lama!” Feliz o que conhece esse tesouro do
amor divino e procura obtê-lo! Quem o obtiver se despojará de tudo para não ter
nada além de Deus: “Quando a casa está pegando fogo”, dizia São Francisco de
Sales, “todas as coisas são jogadas pela janela”. E o Padre Paolo Segneri
Juniore, grande servo de Deus, costumava dizer que o amor é um ladrão, que nos
despoja de todos os afetos terrenos, a ponto de nos levar a dizer: “E o que
mais quero eu senão só a Vós, meu Senhor?”
Afetos e súplicas
Meu Deus, eu no passado não procurei a Vós, senão a mim
mesmo e às minhas satisfações, e por estas dei as costas a Vós, sumo bem. Mas o
que diz Jeremias diz me consola: Bonus est Dominus animæ quaerenti
illum — “O Senhor é bom para os que nele esperam, para a alma que o
busca” (Lm 3, 25). Ele me diz que Vós sois todo bondade para com
aqueles que vos procuram.
Meu amado Senhor, sei o mal que fiz ao deixar-vos, e me
arrependo de todo o meu coração. Conheço o tesouro infinito que sois Vós; não
quero abusar dessa luz; deixo tudo e vos elejo como meu único amor. Meu Deus,
meu amor, meu tudo, amo-vos, anseio por Vós, suspiro por Vós. Ó Espírito Santo,
vinde e com vosso fogo sagrado destruí em mim todo o afeto que não seja por
Vós. Fazei que eu seja todo vosso e tudo vença a fim de vos agradar.
Ó Maria, minha mãe e advogada, ajudai-me com vossas orações.
10.º dia: Meios para amar a Deus e santificar-se
Portanto, os santos tentavam mortificar o amor-próprio e
seus sentidos tanto quanto podiam. Os santos são poucos; mas devemos viver com
os poucos se quisermos nos salvar com os poucos. Vive cum paucis, si
vis regnare cum paucis, escreve São João Clímaco (Escada do Paraíso,
4). E São Bernardo diz: Perfectum non potest esse nisi singulare [17].
Quem quer levar uma vida perfeita, deve levar uma vida singular.
Antes de tudo, porém, para se tornar santo é preciso ter o
desejo de se tornar santo: desejo e resolução. Alguns sempre desejam, mas nunca
começam a colocar a mão na massa. “Destas almas não resolvidas”, dizia Santa
Teresa, “o diabo não tem medo” (Caminho de Perfeição, 23). Por outro
lado, dizia a santa, “Deus é amigo das almas generosas” (Livro da Vida,
13).
O diabo tenta fazer parecer orgulho pensar em fazer grandes
coisas para Deus. Seria orgulho se pensássemos em realizá-las com nossas
próprias forças; mas não é orgulho resolver ser santo, confiando em Deus e
dizendo: Omnia possum in eo, qui me confortat — “Tudo posso
naquele que me conforta” (Fl 4, 13). Devemos, portanto, ter
coragem, resolver e começar. A oração pode fazer qualquer coisa. O que não
podemos com a nossa força, bem podemos com a ajuda de Deus, que prometeu
dar-nos o que o buscamos. Quodcumque volueritis, petetis, et fiet vobis —
“Pedireis tudo o que quiserdes, e ser-vos-á concedido” (Jo 15, 7).
Afetos e súplicas
Meu querido Redentor, Vós desejais ser amado por mim e me
ordenais amar-vos com todo o meu coração. Sim, meu Jesus, de todo o coração
quero vos amar. Confiando em vossa misericórdia, meu Deus, eu vos direi que os
pecados que cometi não me assustam, porque agora eu os odeio e os detesto acima
de todo mal; e sei que esqueceis as ofensa de uma alma que se arrepende e vos
ama. Com efeito, porque vos ofendi mais do que aos outros, quero amar-vos mais
do que aos outros com a ajuda que espero de Vós.
Meu Senhor, quereis que eu seja santo, e eu quero me tornar
um santo para vos agradar. Amo-vos, bondade infinita. Dou-vos tudo. Sois meu
único bem, meu único amor. Não vos aparteis de mim, meu amor. Fazei-me todo
vosso, e não permitais mais que eu vos desagrade. Concedei que eu me sacrifique
inteiramente por Vós, como vos sacrificastes inteiramente por mim.
Ó Maria, esposa mais amável e amada do Espírito Santo,
obtende para mim amor e fidelidade.
Referências
- Altare quippe Dei est cor nostrum, in quo iubetur ignis semper ardere, quia necesse est ex illo ad Dominum caritatis flammam indesinenter ascendere (PL 76, 328).
- Missal Romano (rito antigo), Sábado das Quatro Têmporas de Pentecostes, Oratio II post Kyrie.
- Missal Romano, Festa de Pentecostes, Sequência Veni Sancte Spiritus.
- “Ó Senhor e verdadeiro Deus meu! Quem não Vos conhece não Vos ama! Oh que grande verdade é essa! Mas, ó dor, ó dor, Senhor, dos que não Vos querem conhecer!” (Escritos de Teresa de Ávila. São Paulo: Loyola, 2001, p. 899).
- Medici quippe unicuique morbo suum applicant remedium; sanctorum autem oratio commune malis omnibus est remedium (PG 82, 1418). A frase provém de Sb 7, 27: Et cum sit una, omnia potest, “Embora sendo uma só, tudo pode”.
- Missal Romano, Festa de Pentecostes, Sequência.
- Missal Romano (antigo), Vigília de Pentecostes, Postcommunio.
- “A essas almas, em sua maioria, dói-lhes tudo quanto se diga delas; e não abraçam a cruz, mas a levam arrastando, e assim são magoadas por ela, ficam cansadas e se fazem em pedaços. Porque a cruz, quando é amada, é suave de carregar” (Escritos de Teresa de Ávila. São Paulo: Loyola, 2001, p. 859).
- Santo Agostinho, De moribus Ecclesiae catholicae et de moribus Manichaeorum I, 22 (PL 32, 1329): Nihil est tam durum atque ferreum, quod non amoris igne vincatur. Quo cum se anima rapiet in Deum, super omnem carnificinam libera et admiranda volitabit pennis pulcherrimis et integerrimis, quibus ad Dei amplexum amor castus innititur.
- São João Crisóstomo, In Epistola ad Ephesios, hom. 8, 1 (PG 62, 57): Nihil est melius quam male pati propter Christum. Non tam beatum praedico Paulum quod raptus sit in paradisum, quam quod coniectus sit in carcerem; non tam enim dico beatum quod audierit arcana verba quam enim censeo beatum propter vincula; non tam beatum dico quod raptus sit in tertium caelum quam propter illa vincula.
- Santo Agostinho, De bono viduitatis, 21 (PL 40, 448): Interest ergo quid ametur. Nam in eo quod amatur, aut non laboratur, aut et labor amatur.
- Concílio de Trento, Sessão VI, Decreto sobre a justificação, c. 11: Deus namque sua gratia semel iustificatos non deserit, nisi ab eis prius deseratur.
- Santo Agostinho, De consensu Evangelistarum I, 12, 18 (PL 34, 1050): Solebant autem Romani deos gentium, quas subiugabant, colendos propitiare, et eorum sacra suscipere. Hoc de Deo gentis hebraeae, cum eam vel oppugnaverunt vel vicerunt, facere noluerunt. Credo quod videbant, si eius Dei sacra reciperent, qui se solum, deletis etiam simulacris, coli iuberet, dimittenda esse omnia quae prius colenda susceperant, quorum religionibus imperium suum crevisse arbitrabantur: in quo eos plurimum fallacia daemonum decipiebat.
- São João Crisóstomo, Expositio in Ps. 44, n. 11 (PG 55, 200): Ipse enim est Dominus tuus et pater, et ipse omnia tibi dedit. O conceito é familiar ao santo: cf. Hom. in Matth. 25, 3 (PG 57, 331); 76, 5 (PG 58, 700).
- Santo Agostinho, De moribus Ecclesiae catholicae I, 11, 19 (PL 32, 1319); De Trinitate VIII, 10, 14 (PL 42, 960); Enarrat. in Ps. 62, 17 (PL 36, 758).
- Santo Agostinho, In Ep. I Ioann. ad Parthos IV, 8 (PL 35, 2033): Semel ergo breve praeceptum tibi praecipitur: Dilige, et quod vis fac.
- Lactâncio, Div. institutiones III, 15 (PL 6, 391-92): Et sic unus est huius mundi constitutor et rector Deus, una veritas: ita unum esse ac simplicem sapientiam necesse est, quia quidquid verum ac bonum id perfectum esse non potest nisi fuerit singulare.