Crônica Teológica: O Silêncio no Tribunal de Deus

O confessionário está em crise. Não por falta de pecadores, mas por ausência de juízes. Aquilo que por séculos foi chamado de tribunal da misericórdia, hoje — em muitos lugares — virou sala de aconselhamento, divã pastoral, ou pior: teatro da autocomplacência. E enquanto a alma sangra, o sacerdote, que deveria ser cirurgião e juiz, hesita, sorrindo sem corrigir, abraçando sem curar, perdoando sem exigir dor.

Na tradição antiga, confessar-se era um ato de guerra contra si mesmo. O pecador entrava no confessionário como quem vai à forca da própria vaidade, e saía dali como quem escapa do inferno por uma corda de lágrimas. Hoje, o confessionário anda tão esvaziado de doutrina quanto de pranto. Se antes o padre dizia: “Vai, e não peques mais”, agora diz: “Relaxa, todo mundo faz isso”. O pecado perdeu o escândalo, o inferno perdeu o fogo, e Deus perdeu o temor. Mas tudo isso só na cabeça dos homens — porque no Céu, no fundo, nada mudou.

O padre virou conselheiro, mas esqueceu que também é juiz

O Concílio de Trento não deixou dúvidas: o sacerdote age in persona Christi como juiz das almas. Ele tem nas mãos a chave que abre o Céu — mas também a espada que separa o erro da verdade. Um padre que não julga, que não corrige, não é um pastor, é um porteiro de abismo, guiando o rebanho ao precipício com um sorriso manso. Porque sim: a caridade sem a verdade é traição disfarçada de gentileza. E quando a verdade é omitida em nome da “acolhida”, o confessionário deixa de ser sagrado e vira palanque de heresia cordial.

A penitência virou nota de rodapé

Sinal da morte interior é quando a penitência é tratada como incômodo ou opcional. Os grandes santos jejuavam, choravam, se flagelavam por um único pecado venial. E hoje, por adultérios, blasfêmias, abortos, se dá um Pai-Nosso e uma Ave-Maria — e olhe lá. É como lavar um câncer com água benta. Mas sem reparação, o perdão é oco. Sem mortificação, o arrependimento é só remorso envernizado. Santo Afonso gritava: “Sem penitência, não há perdão duradouro!” E gritava porque cria — como quem sabe que as almas morrem quando os padres cochilam no confessionário.

E o temor de Deus? Enterraram

“Deus é amor”, dizem. Sim, é. Mas não é bobo. Nem cúmplice. O mesmo Cristo que perdoou a adúltera é o que advertiu: “Vai, e não peques mais” — ou seja, mude de vida. O temor de Deus não é pavor infantil, mas reverência adulta. E quando o temor desaparece, o pecado vira hábito, e a comunhão vira profanação. Muitos hoje comungam o Corpo do Senhor como quem come um biscoito de festa — sem confissão, sem arrependimento, sem pudor. E os padres calam, omitem, ou até encorajam essa abominação.

O resultado? Um povo inteiro anestesiado pelo sentimentalismo, achando que a salvação é automática, e que a confissão é um opcional litúrgico. O inferno? Virou lenda medieval. A cruz? Decoração de parede. E Deus? Um vovozinho celestial, que nunca exige, só abraça. Mas a Escritura grita: “Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo!” (Hb 10,31). E a Tradição sussurra aos ouvidos dos fiéis: “Confessar-se bem é já meio caminho para o Céu.”

O que falta, então? Falta coragem. Falta teologia. Falta fé. Que os padres voltem a crer no poder do sacramento. Que voltem a ser pastores, médicos e juízes. Que parem de se esconder atrás de fórmulas pastorais e se lembrem: o sangue das almas estará em suas mãos (Ez 3,18).

E que os fiéis voltem a confessar-se como os santos: com lágrimas, com propósito, com vergonha. Porque é no confessionário — e só ali — que o inferno se cala, e o Céu canta: “Eis que faço novas todas as coisas.”

Por seu Irmão Carmelita Secular da Antiga Observância B.