Santo Elias Profeta e a profecia nos nossos tempos
Na Bíblia o profeta Elias é
apresentado como o profeta que defendeu o único e verdadeiro Deus. O seu nome
“Javé é meu Deus” exprime seu papel e sua característica particular na
história. A figura de Elias aparece em oposição ao sincretismo religioso, ou seja,
a adoração a outros deuses. Elias atuou contra o rei Acab e sua esposa Jezabel,
promotores da idolatria e culto a Baal.
O ciclo de Elias assim como o de
Eliseu deve ser lido no espirito em que foi escrito o livro dos reis, ou seja,
como uma história de salvação. De um lado a infidelidade ao Senhor, ingratidão
do povo eleito traz maldição; por outro lado, a fidelidade e reconhecimento
atraem as bênçãos de Deus.
Elias aparece improvisamente (no
cenário da luta entre jahvismo e baalismo) e anuncia a grande seca que não é
somente castigo, mas, afirmação que a fertilidade, a chuva provém de Javé e não
de Baal. Por causa desse anuncio, Elias precisa fugir, primeiro para a torrente
do Carit e depois para Sarepta, nos dois lugares o profeta recebe alimento de modo
extraordinário.
Elias é muito importante na
tradição hebraica. Elias é símbolo de atividade profética e também é visto como
o precursor do Messias. Entre os profetas de Israel é a furava mais amada,
justamente porque a sua missão profética foi de atenção às necessidades do
povo.
Os padres da Igreja viram em
Elias a figura do cristão perseguido (jejum, abstinência). Pertence também aos
Padres da Igreja a interpretação simbólica-alegórica de Elias como arquétipo do
Messias. Analogias entre a vida de Elias e a vida de Cristo segundo o evangelho
(antigas representações de Elias com os sinais de Cristo).
Por que nós Carmelitas
chamamos o profeta Elias de Pai? Elias é o fundador da Ordem Carmelita?
Para nós Carmelitas Santo Elias é
modelo de santidade sempre atual.
As Ordens religiosas chamam de
“pai fundador”, ou “madre fundadora”, a figura que foi inspirada por Deus para
realizar a sua obra. Por exemplo, sabemos que os franciscanos chamam São
Francisco de “Seráfico Pai”, ou “Santo Pai”, porque Deus inspirou o pobre de
Assis a dar início ao que hoje conhecemos como a Ordem Franciscana.
Sabemos que no grupo dos
primeiros carmelitas, nenhum dos irmãos denominou-se fundador da Ordem. Na
Regra de vida, até mesmo o nome do prior é abreviado com apenas uma letra “B”. O
fato histórico documentado é que os primeiros carmelitas moravam no monte
Carmelo, junto à Fonte (Regra, n.1) que é a fonte do Profeta Elias como atesta
J. Da Vitry e outros documentos antigos.
Uma localização que é o primeiro
endereço e dado que os identifica na história. Uma localização certa, depois
que as escavações descobriram os elementos arquitetônicos do primeiro
eremitério incorporado no mosteiro construído mais tarde e documentado por uma
carta de Urbano IV. (Il “mito eliano” nell’Ordine Carmelitano). Não existem
dúvidas hoje que os primeiros irmãos viveram no Monte Carmelo junto à fonte do
profeta Elias.
A Regra não nomeia explicitamente
Elias (como não nomeia também a Virgem Maria), mas o monte Carmelo e a Fonte
evocam nos destinatários da “Formula de Vida” o personagem bíblico que ali
vivia. Os primeiros irmãos não escolheram viver ali sem nenhuma motivação,
certamente foram movidos pelo desejo de viver como o profeta Elias, o lugar que
escolheram diz muito sobre o estilo de vida que decidiam levar.
A partir das últimas pesquisas,
os estudiosos concordam que o grupo foi formado no monte Carmelo, junto à fonte
de Elias, no tempo das cruzadas na segunda metade do século XII, provavelmente
depois da III cruzada. O profeta Elias é chamado de Pai pelos carmelitas e é
sem dúvida o grande inspirador da espiritualidade e do carisma carmelitano,
juntamente com a Virgem Maria.
Mas, a tradição de Elias como
fundador da ordem é antiga:
- Entre os textos medievais sobre a tradição eliana
está a Rubrica I (prima) das Constituições de 1281.
- Universis Christifidelibus – crônica do
final do século XIII, informava que os carmelitas eram sucessores de
Elias, imitadores.
- De Intitutione primorum monachorum da
colação de Filippo Ribot entre 1379 e 1391 e apresenta valores espirituais
para a vida carmelita.
Segundo o modelo eliano proposto
em De Istitutione, o itinerário do carmelita deve ser como do
religioso-monge que sai da própria terra em busca da terra nova, a qual
favorece a experiência com Deus e conduz a fazer parte do seu “novo povo”. Os
referimentos ao profeta Elias hoje são lidos em uma visão ampla, consideram o
contexto da época, ou seja, a vida mista: contemplação e ação, Elias é o
arquétipo, modelo.
Entre os séculos XVI e XVII,
muitos escritores carmelitas rebateram as acusações e críticas sobre a
“sucessão eliana”. Afinal, certamente não faltaram oposições sobre a tese de
que Elias, um profeta do Antigo Testamento pudesse ser fundador de uma ordem religiosa.
Por isso, herdamos desse período muitas legendas e escritos que buscam atestar
e defender a figura de Elias como fundador da Ordem do Carmo.
Em 1704 o Papa Clemente XI
concedia a Ordem, a permissão para colocar na Basílica Vaticana a Estátua de Santo
Elias, fundador da Ordem. A estátua é colocada em 1727, o fato foi interpretado
como “vitória dos carmelitas”.
Qual é o perfil espiritual de
um profeta?[1]
1 – Uma vida entre amizade e
solidão.
Normalmente quando pensamos em um
profeta, ou seja, uma figura de oposição e defesa, pensamos numa pessoa
isolada, um homem fechado e solitário. Mas, na verdade o profeta apesar de
preservar a característica da solidão, do silêncio, é extremamente envolvido
com a vida das pessoas, cultiva relações. O profeta é portador de uma palavra
de anuncio, de exortação, de denúncia e não são palavras abstratas, mas,
concretas. As palavras do profeta atingem diretamente a vida das pessoas,
justamente porque ele conhece seus interlocutores, divide as dores, as
esperanças, etc. Certamente que por motivo de tal concretude do seu anuncio
pode se encontrar muitas vezes sem amigos.
2 – Participantes dos eventos de
seu tempo.
O profeta é um homem mergulhado
no seu tempo e aberto ao futuro, comunica uma mensagem, primeiro com a própria
vida e depois com as palavras. A missão fundamental do profeta é escutar e
perceber os “sinais do tempo”, perceber os traços de Deus nos eventos da
História e ver os possíveis desenvolvimentos para o futuro.
3 – Homem da Palavra.
Um dos principais pontos
característicos de um profeta é justamente o fato de ser possuído pela Palavra
de Deus, isso não significa que é somente em relação à transmissão verbal de
uma mensagem, mas, antes de tudo em vista da “escuta que deve se transformar em
projeto de vida. O Verdadeiro profeta não é aquele que diz, mas, aquele que faz
aquilo que diz: ou melhor, faz aquilo que Deus lhe disse. A Palavra que escuta,
marca, dia após dia, em maneira indelével, o seu caminho de vida”.
Meditação sobre o profeta
Elias 1 Reis 17,1-24[2]
Meditando o Capitulo 17 de 1
Reis, poderemos colher algumas indicações importantes sobre a missão do profeta
Elias, sobre a sua figura e também perceber a inspiração da antiga tradição da
Ordem Carmelita que a partir dos versículos 2-6 propõe um itinerário espiritual
já no século XIV.
- O cenário. O profeta Elias entra em
cena na história durante o séc. IX a.C. quando em Israel reinava Acab.
“Acab, filho de Omri, fez o que é mal aos olhos de Deus, pior do que todos
os seus antecessores” (1Reis 16,30). Cultura de morte, decadência do valor
da vida, substituição de YHWH, o Deus da aliança por Baal o deus da
fecundidade, um deus menos “exigente”, interesse político que desfavorece
os mais fracos.
- Uma visão geral. Algumas particularidades de
1 Reis 17. O caminho de Elias é totalmente iluminado pela Palavra de Deus.
Elias é alimentado duas vezes por meio de uma maneira extraordinária, os
corvos são considerados animais impuros e a viúva era uma mulher pagã
(Sarepta não é terra de Israel). Nos versículos 3-9 encontramos duas vezes
o verbo “vai” que geralmente quando usado por Deus significa um envio
missionário. Mais do que anunciar, Elias recebe a Palavra de Deus. Escuta
primeiro e depois anuncia. É a viúva de Sarepta a reconhecer Elias como
profeta do Senhor e não o rei Acab.
- A Grande seca. Diante da crise dos valores
Elias anuncia a grande falta de chuva. A chuva é de fato símbolo da
Palavra de Deus, do Amor de YHWH por Israel. A falta de chuva é
consequência da idolatria, negaram a Palavra e o Amor de Deus para servir
a outros deuses.
Como ser imitadores de Elias
hoje? Como ser profeta hoje?
Como ler 1Reis 17 interpretando
para nós hoje? O que esse texto diz para a realidade que vivemos? Para essa
reflexão, usaremos alguns pontos apresentados por Frei Carlos Mesters, em A
caminhada do Profeta Elias (1992)[3]:
- Elias é um homem em caminho (Carit e Sarepta). Um
homem totalmente entregue a Palavra de Deus.
- O ponto de partida do seu caminho é a situação
social e religiosa do povo: desprezo pela vida, infidelidade da aliança,
injustiça.
- Alguns símbolos-inspirativos do seu caminho:
- Elias é homem do deserto, no qual experimenta a
fragilidade da sua humanidade e a proximidade de Deus.
- Elias é homem obediente a Palavra (Carit) e é homem
que suscita obediência a Palavra (em Sarepta).
- Elias é homem que defende a vida, testemunhando o
Deus da vida diante de Acab, garantindo à viúva o alimento para sobreviver
a fome, curando o filho da viúva.
- Elias é homem que vive situações de conflito, por
causa da fidelidade à Palavra de Deus.
- Elias é homem da oração, quando vive na presença do
Senhor, quando devolve a vida ao filho da viúva.
- Elias é homem que vive na provisoriedade; não é
fechado em suas convicções, mas, aberto ao projeto de Deus que aos poucos
vai se revelando enquanto caminha.
- Elias é homem que cuida da vida do povo (em
Sarepta).
A partir desses momentos podemos
contemplar um panorama do que significa ser profeta nos tempos de hoje. A vida
de Elias, apesar de estar separada dos nossos dias por séculos de história, nos
interpela e nos convida a uma vida totalmente mergulhada na Palavra de Deus.
Como carmelitas, não podemos ignorar esse aspecto fundamental da nossa
espiritualidade: a profecia. Ser profeta é escutar a Palavra, anunciar com a
própria vida e estar atento aos sinais e acontecimentos que marcam nossos dias
atuais.
Que o profeta Elias nos inspire e
nos conduza na missão profética que assumimos como carmelitas, ao serviço do
povo de Deus.
Texto bíblico para meditação
(1 Reis 17)
“1º Reis, 17 1Elias, o
tesbita, um habitante de Galaad, veio dizer a Acab: “Pela vida do Senhor, Deus
de Israel, a quem sirvo, não haverá nestes anos orvalho nem chuva, senão quando
eu o disser”. 2Em seguida, a palavra do Senhor foi-lhe dirigida
nestes termos: 3“Vai-te daqui; retira-te para as bandas do oriente e
vai esconder-te na torrente de Carit, que está defronte do Jordão. 4Beberás
da torrente; dei ordens aos corvos que te alimentem”. 5Elias partiu,
pois, segundo a palavra do Senhor e estabeleceu-se junto à torrente de Carit,
defronte do Jordão. 6Os corvos traziam-lhe pão e carne, pela manhã e
pela tarde e ele bebia a água da torrente. 7Passado algum tempo,
secou-se a torrente, porque não chovia mais na terra. 8Então o
Senhor disse-lhe: 9“Vai para Sarepta de Sidon e fixa-te ali. Eu
ordenei a uma viúva desse lugar que te sustente”. 10Elias pôs-se a
caminho para Sarepta. Chegando à porta da cidade, viu uma viúva que ajuntava
lenha. Chamou-a e disse-lhe: “Por favor, vai buscar-me um pouco de água numa
vasilha para que eu beba”. 11E indo ela buscar-lhe a água,
gritou-lhe Elias: “Traze-me também um pedaço de pão”. 12“Pela vida
de Deus – respondeu a mulher –, não tenho pão cozido: só tenho um punhado de
farinha na panela e um pouco de óleo na ânfora; estava justamente apanhando
dois pedaços de lenha para preparar esse resto para mim e meu filho, a fim de o
comermos e depois morrermos.” 13Elias replicou: “Não temas! Volta e
faze como disseste. Mas prepara-me antes com isso um pãozinho e traze-o para
mim; depois prepararás o resto para ti e teu filho. 14Porque eis o
que diz o Senhor, Deus de Israel: a farinha que está na panela não se acabará e
a ânfora de azeite não se esvaziará, até o dia em que o Senhor fizer chover
sobre a face da terra”. 15A mulher foi e fez o que disse Elias.
Durante muito tempo, ela e seu filho, além de Elias, tiveram o que comer. 16A
farinha não se acabou na panela nem se esgotou o óleo da ânfora, como o Senhor
o tinha dito pela boca de Elias. 17Algum tempo depois, o filho desta
mulher, dona da casa, adoeceu e seu mal foi tão grave que morreu. 18A
mulher disse a Elias: “Que há entre nós dois, homem de Deus? Vieste, pois, à
minha casa para lembrar-me os meus pecados e matar o meu filho?”. 19“Dá-me
o teu filho”. – respondeu-lhe Elias. Ele tomou-o dos braços de sua mãe e
levou-o ao quarto de cima onde dormia e deitou-o em seu leito. 20Em
seguida, orou ao Senhor, dizendo: “Senhor, meu Deus, até a uma viúva, que me
hospeda, quereis afligir, matando-lhe o filho?”. 21Estendeu-se em
seguida sobre o menino por três vezes, invocando de novo o Senhor: “Senhor, meu
Deus, rogo-vos que a alma deste menino volte a ele”. 22O Senhor
ouviu a oração de Elias: a alma do menino voltou e ele reviveu. 23Elias
tomou o menino, desceu do quarto superior ao interior da casa e entregou-o à
mãe, dizendo: “Vê: teu filho vive”. 24A mulher exclamou: “Agora vejo
que és um homem de Deus e que a palavra de Deus está verdadeiramente em teus
lábios”.”
(I Reis, 17 – Bíblia
Católica Online)
Por Frei Juliano Luiz da Silva,
O.Carm.
BIBLIOGRAFIA
PROVINCIA NAPOLITANA. Figli dei
Profeti, Itinerario spirituale com i profeti Elia ed Eliseo, ed. Vita
Carmelitana, Bari. 1997.
Carlo CICONETTI, O.Carm. La
regola del Carmelo, orige, natura, significato, Ed. Carmelitane 2018.
Carlos MESTERS, O.Carm. Intorno
alla fonte, ed. Carmelitane.
Emanuele BOAGA, O.Carm. Elia
profeta nella storia e nella vita del Carmelo.
Carlo CICONETTI, O.Carm. Il “mito
eliano” nell’Ordine Carmelitano. (arquivo pessoal).
[1] Figli dei profeti, p. 21-22.
[2] Figli dei profeti, p.35.
[3] Figli dei profeti, p.42.
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