O papel do leigo na transformação da sociedade


“O leigo, que é simultaneamente fiel e cidadão, deve sempre guiar-se, em ambas as ordens, por uma única consciência, a cristã.”

A Igreja Católica reconhece a participação de todo batizado, na parte que lhes cabe, na função sacerdotal, profética e real de Cristo, inseridos que estão na realidade do mundo secular, pelo exercício da missão que lhes é confiada. Assim, o papel do leigo é essencial na transformação da sociedade.

Trata-se da comum dignidade conferida ao povo de Deus, àqueles que não são membros da sagrada ordem ou do estado religioso reconhecido pela Igreja, mas que recebem a nobre distinção de uma condição eclesial específica, como seja, a sua particular índole secular.

Papel do leigo: sua contribuição na missão da Igreja 

Em resposta a tal dignidade, o leigo concebe a co-responsabilidade eclesial e social, como uma resposta comprometida capaz de bem entregar a sua contribuição à missão da Igreja. De fato, como João Paulo II salientou, “o estar e o agir no mundo são para os fiéis leigos uma realidade, não só antropológica e sociológica, mas também especificamente teológica e eclesial, pois é na sua situação intramundana que Deus manifesta o seu plano e comunica a especial vocação de procurar o Reino de Deus tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus.”

Nesse sentido, a missão salvífica de Jesus destina-se à pessoa humana e acontece a partir dela; mas também é fato que alcança a ordem temporal, de modo que a regeneração da humanidade reclama igualmente a penetração do Evangelho na existência social, e desse modo, o leigo vive em duas ordens seu apostolado: na Igreja e no Mundo.

O Papa Paulo VI, em seu decreto Apostolicam Actuositatem, disse que “estas ordens, embora distintas, estão de tal modo unidas no único desígnio divino que o próprio Deus pretende reintegrar, em Cristo, o universo inteiro, numa nova criatura, dum modo incoativo na terra, plenamente no último dia. O leigo, que é simultaneamente fiel e cidadão, deve sempre guiar-se, em ambas as ordens, por uma única consciência, a cristã”.

A realidade do afastamento da fé

Contudo, evidencia-se na atualidade um afastamento da fé e uma paulatina inversão de valores fruto de uma espécie de colonização das consciências, a crescente adesão a ideologias extremistas e às convicções do ceticismo e do relativismo, sendo mesmo observado em determinados locais uma gradual descristianização da cultura, ladeada ao desaparecimento progressivo da consciência cristã.

Tais distorções se fazem notar com forte conotação nos países ricos, cuja reduzida vivência dos sacramentos, notadamente do batismo, o sacramento da iniciação cristã, revela essa má tendência. Em certas localidades menos desenvolvidas, que tem recebido os mesmos influxos teóricos, faz-se possível perceber a fé numa espécie de liquefação da sua beleza original.

Até em determinados países de maioria cristã, não se percebe nessa maioria a religião vivida de maneira encarnada, em sua concretude; mas episodicamente e, de algum modo, relegada a um adorno da vida social, sem aquela permissão necessária para que Deus entre de verdade na própria existência.

Um laicato maduro e comprometido

De fato, em diversos ambientes seculares, ao lado da máxima valorização dos recursos técnicos e científicos, construiu-se uma falsa mentalidade sobre a dura mensagem de que Deus é desnecessário, deixando a humanidade como que abandonada aos próprios dramas e privada do sentido último da esperança cristã.

Realmente, a modernidade, caracterizada que seja pelas marchas sociais e culturais de acelerada transformação, apresenta complexa situação, de modo que essa apertada síntese trouxe apenas aspectos pontuais, um retrato reduzido, com o fito de esboçar um tempo aviltado no título de pós-cristão, a exigir do papel do leigo novas formas de compreensão e, por isso, de expressão.

Com efeito, neste século, em vista de corresponder à responsabilidade eclesial e social que lhe foi confiada, o leigo é chamado a ser cada vez mais “um laboratório de globalização da solidariedade e da caridade” e, para tanto, deve empregar todos os recursos disponíveis para apresentar esperança à humanidade.

Contudo, a capacidade de anunciar com criatividade, métodos ou resultados eficientes não dispensa, mas encontra ao lado e à base de tudo, um laicato maduro e comprometido, testemunhas corajosas e credíveis, para atuar de maneira co-responsável no ser e no agir da Igreja.

Um renovado impulso missionário

Esse laicato também pode ser fruto do Novo Pentecostes da Igreja, uma resposta de Deus para os tempos de hoje, para a nova evangelização, nascido de uma experiência profunda com a Pessoa de Jesus Cristo. De fato, busca-se autênticos evangelizadores, renascidos na água e no espírito, conforme as Escrituras.

Descreveu-lhes o Santo Padre, o Papa Francisco, no ensejo da Evangelii Gaudium: “Evangelizadores no espírito quer dizer evangelizadores que rezam e trabalham. Do ponto de vista da evangelização, não servem as propostas místicas desprovidas de um vigoroso compromisso social e missionário, nem os discursos e ações sociais e pastorais sem uma espiritualidade que transforme o coração.”

Uma vez acolhido o chamado cristão com responsabilidade, o fiel leigo ingressa num processo de conversão e, ao longo do avanço histórico da própria vida, passo a passo, vai sendo posto diante do plano eterno de Deus, diante de sua missão como leigo na Igreja e no Mundo.

Falando sobre o tema, consciente de que toda vida é uma missão, o Papa Francisco em sua Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, remete a um verdadeiro processo de identificação da mensagem que Deus quer dizer ao mundo através da vida de cada leigo, e conclui esclarecendo que toda missão é inseparável da construção do Reino de Deus.

A real transformação começa no interior de cada um

Nesse sentido, evidencia-se que o esforço para a real transformação do mundo começa no interior de cada missionário, gravitando entre o oracional e o moral. Com efeito, o compassivo Jesus revela ao fiel leigo a sua doutrina.

Diante dos apelos teóricos e vivenciais da atualidade, cabe-lhe uma busca incessante e decidida de unificar a fé com a vida, numa espécie de síntese vital pautada no amor de Deus, evitando constantemente a ruptura interior, sendo certo que a força para realizar a alta tarefa só pode vir da intimidade com Deus numa vida sacramental e de oração constante.

Desse modo, importa encontrar o ajuste da alma capaz de evitar o alheamento das realidades do mundo (espiritualismo), como também o entrelaçamento com os valores do mundo (mundanismo). Cogita-se, aqui, de uma maturidade missionária inserta num intrépido, prudente e misericordioso anúncio da Boa Nova.

De fato, a alta exigência de oferta de vida que esse anúncio exige não pode sobrepujar o rosto misericordioso de Cristo, mas se encontra bem descrita nas bem aventuranças de Nosso Senhor. Ferramenta essencial para alcançar tal coerência de vida é a formação integral dos fiéis leigos.

Isso não apenas em vista da própria conversão, mas também “para racionalizar a esperança que está dentro deles, perante o mundo e os seus problemas graves e complexos.” De fato, a formação nutre a pessoa e sedimenta o missionário, num desenvolvimento dinâmico, de modo que não poucas vezes a verdadeira metanóia acontece no pleno exercício da vida missionária.

Unir o ordinário e o extraordinário

Sim, é preciso dar razões a própria fé, pelos diversos motivos acima mencionados, sem esquecer a pungente necessidade deste tempo, sufragado por ideologias capazes de escravizar as consciências. Faz-se verdadeiramente necessário adquirir suporte argumentativo para anunciar o mistério e propor a ética cristã.

Nessa ordem de ideias, uma vida missionária hoje impõe ao leigo a necessidade de uma profunda simbiose entre o natural e o extraordinário capaz de ser colhida diariamente na oração, nos sacramentos e na formação, para explodir em comunhão e evangelização.

O papel do leigo na transformação da sociedade atual passa pela sua própria transformação e radicalidade evangélica, pressupõe vida de oração, maturidade e suporte formativo, além de uma empatia com o mundo que o permita nadar contra a corrente sem se mostrar intolerante com as duras realidades às quais é confrontado.

Sendo o leigo filho deste tempo, não lhe será difícil a inovação e o aparato tecnológico, mas o que atrai o coração humano para a fé em Jesus Cristo é o Poder do Alto e suas testemunhas, vidas transformadas e autenticamente ofertadas por amor a Jesus Cristo, Nosso Senhor.


Artigo extraído do site da Província Carmelitana Fluminense

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